Com a taxação dos fundos fechados exclusivos ou restritos a poucos investidores, novos arranjos vão pautar as estruturas usadas por famílias ultrarricas e de investidores profissionais em 2024. Segundo executivos da área de gestão de fortunas e de “private banking”, a tendência é haver o desmonte de muitas dessas estruturas, mas não vai ser o fim do segmento porque esses veículos preservam alguns atributos únicos, importantes na governança familiar e na sucessão patrimonial.
No ano passado, esses veículos tiveram resgates líquidos de R$ 20,4 bilhões, segundo a Anbima, associação que representa o mercado de capitais e de investimentos. Parte dessa movimentação pode estar associada a alguma antecipação à lei 14.754, sancionada pelo presidente Lula em dezembro, mas o grosso dos ajustes é esperado para este ano. No conjunto, os fundos restritos ou reservados reúnem cerca de R$ 750 bilhões, segundo estimativas do governo.
Os fundos locais usados para gestão patrimonial, que antes podiam diferir o Imposto de Renda (IR) a perder de vista, passarão a ter o regime de “come-cotas”, o imposto semestral que incide nos fundos abertos de renda fixa, multimercados e cambiais. Os de curto prazo, pela alíquota de 20% e as carteiras de longo prazo, a 15%. Já as estruturas no exterior vão recolher 15%.
Todas as fontes consultadas relatam que 100% dos clientes aderiram à antecipação do IR sobre lucros acumulados pela alíquota diferenciada de 8% – um desconto de mais de 45% que o governo previu na legislação para ter um adicional de receitas já em 2023. Como o pagamento pode ser feito em quatro parcelas, de dezembro a março, novas cisões e migração devem ocorrer de forma mais intensa após a quitação da obrigação com o Fisco. Para qualquer revisão feita agora, o investidor teria que pagar o débito em aberto.
O primeiro come-cotas sob a égide da nova lei vai ser em 31 de maio, incidindo sobre a rentabilidade acumulada entre 1º de dezembro de 2023 e o fim de maio. A partir deste ponto, acaba o benefício do diferimento. Não por outra razão esse é um tema que começou o ano quente no setor, diz Marcio Renato Ribeiro, superintendente-executivo de planejamento patrimonial do Bradesco Global Private Bank.
“Como o estoque diferido foi atualizado, as famílias em geral estão neste debate: ‘o que faço? Continuo com o fundo ou, dependendo do tamanho, transformo em três?’ Na verdade, pode manter algum volume no exclusivo, migra um pedaço para previdência e outro para debêntures incentivadas; não precisa ser uma estratégia única”, diz.
Trata-se de uma mudança relevante na riqueza construída pelas famílias, que por anos a fio tiveram o retorno sobre os ativos amplificado pelo fato de não pagarem o come-cotas no meio do caminho. Como o tema tomou o calendário de 2023, dentro do banco entre 60% e 70% dos fundos fechados exclusivos e reservados passaram ou estão em processo de reorganização, diz Bruno Amaral, executivo responsável pelo time de aconselhamento do private do Bradesco. “O destaque maior tem sido a previdência. [ O desconto] foi uma baita oportunidade para quem vinha postergando as decisões para revisitar as suas estruturas.”
Mas o fundo fechado não deixa de ter a sua funcionalidade. Para quem só olhava o aspecto fiscal, há alternativas, mas sob aspecto da governança familiar continuará sendo um instrumento útil.
“Vai ser ainda necessário para um planejamento sucessório, a exemplo de uma doação de cotas com reserva de usufruto que só é possível num fechado”, afirma Natalia Destro, chefe da área de planejamento patrimonial do Julius Baer Family Office. “Se os ativos estiverem todos na pessoa física há uma dificuldade grande para a sucessão, cada ativo tem um vencimento, uma complexidade.” Além disso, a compensação de lucros e perdas permanece, o que na pessoa física o investidor não consegue fazer.
Ribeiro, do Bradesco, acrescenta que juridicamente o fundo fechado é o único que permite incluir cláusulas protetivas em cima das cotas doadas. Uma delas é que o patrimônio do beneficiário não se comunica, por exemplo, com o de um cônjuge na eventualidade de um divórcio. O bem também não pode servir de garantia em operações de crédito, além de ser possível colocar uma regra de reversão, no caso de um herdeiro falecer antes do titular da fortuna, com a cota voltando automaticamente para o dono original sem passar por inventário.
“Esse conjunto só funciona por um prazo longo, indeterminado, se os recursos estiverem empacotados dentro de um fundo fechado”, diz Ribeiro. “Continua sendo importante, inclusive do ponto de vista de quem está atrás de retornos maiores olhando para a diversificação.”
Em outro grande private bank, a recomendação é não ter pressa para tomar decisões complexas. “Quanto custaria pagar o come-cotas em maio e novembro? Projetando-se um retorno de 12% ao ano, em dez anos seriam 7 pontos básicos. É melhor tomar uma decisão consciente olhando o todo do que correr para uma estrutura que pode ser ineficiente”, diz o representante da instituição, que pediu para não ser identificado.
Ele conta que alguns clientes grandes cindiram as posições de renda variável em multimercados restritos para fundos de ações, outros preferiram carregar ativos de crédito na pessoa física e que a previdência não é uma saída para todo tipo de ativo. Um fundo aberto de multimercado teria que render entre 0,9 e 1,2 ponto percentual a mais para compensar o come-cotas em dez anos. Multimercados com alta volatilidade costumam proporcionar um retorno superior de 5 pontos. “A alavancagem permitida fora da previdência é incomparável.”
Esse executivo diz ainda que a previdência, mesmo com a tributação menor, de 10%, após dez anos, se encaixa melhor para produtos de baixo valor agregado, como nos fundos passivos de Ibovespa ou com Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B). Já o fundo fechado exclusivo/restrito preserva os direitos políticos por mais que o titular faça doações. O que muda é que não vai mais carregar de 10% a 20% em caixa para operações táticas. Essa liquidez vai ficar fora da estrutura e será aportada conforme a necessidade. “Um grande volume de capital se movimentava dentro dos fundos exclusivos, eles vão perder patrimônio, mas vão sobreviver.”
Outra questão que pesa na decisão de manter ou não o fundo fechado é a possível majoração do imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD), destaca Mari Emmanouilides, sócia e corresponsável pela área de wealth management da Galapagos Capital. “Você transmite cotas de um fundo fechado para os seus herdeiros e recolhe o ITCMD, que hoje está com uma alíquota boa, de 4% aqui em São Paulo. Isso vai ser mexido ao longo do ano.” O que se discute, lembra, é taxar mais as heranças de maiores volumes, podendo chegar a 8% como em outros Estados. “A doação faz com que patriarcas e matriarcas, os detentores do poder patrimonial, não percam a gestão do fundo e o usufruto da renda.”
A executiva diz que outro ponto a favor do fundo exclusivo/restrito é a confidencialidade dentro do mercado financeiro. “E ele tem uma eficiência fiscal mesmo sendo aberto, mesmo com o come-cotas”, afirma. Toda vez que o investidor faz movimentações dentro do fundo, ele não sai da alíquota mais baixa e volta para a mais alta. Somente se resgatar, de fato, vai pagar o imposto de 15% no veículo de longo prazo.
“Parece que não, mas vai juntando vários benefícios e enxerga o potencial que existe, dependendo do volume – R$ 50 milhões, R$ 80 milhões, R$ 100 milhões – um fundo aberto, um fechado, um de previdência, uma carteira administrada de títulos incentivados.”
No rol de alternativas que têm sido estudadas, Destro, do Julius Baer, cita a transferência de parte dos recursos para carteiras que ainda preservam o diferimento tributário sem o fantasma do come-cotas.
Ativos de crédito estruturado podem ser, por exemplo, acomodados em fundos de recebíveis (FIDC) ou de debêntures de infraestrutura; ações, em veículos dedicados, cujos ganhos de capital são tributados apenas no resgate à alíquota de 15%. O “private equity” (FIP) pode receber parcela de participações em investimentos ilíquidos. A previdência também deve ser um dos destinos, e carteiras administradas são uma opção para títulos de crédito isentos.
Sem as amarras do fundo fechado há uma revisão das próprias alocações em curso. Como não vai mais haver diferença entre a tributação de ativos mantidos no Brasil ou no exterior, há demanda para remeter ou repatriar recursos, conta Destro. “Com o dinheiro dentro do fundo fechado, o investidor não tirava porque seguia diferindo o IR dele. Agora, como não vai mais ter esse benefício, está mais livre para repensar a estratégia, se faz sentido ter mais dinheiro lá fora ou não”, completa.
Marcos Papaterra, diretor comercial da TAG Investimentos, lembra que há fundos com resgate em 30 dias, mas outros com uma carência longa, de 360 dias para o saque a partir do pedido do investidor. Com isso, para desmontar estruturas, desinvestir, ele estima uns seis meses. Algumas famílias podem transformar seus exclusivos/restritos fechados em condomínio aberto.
“Ninguém está numa sangria desatada pra fazer isso agora. Eles vão preferir pagar essas parcelas até março e depois começar o processo. Enquanto isso, o que estão fazendo é pedir resgates das carências longas. Dessa forma, conseguem criar liquidez. Não adianta tornar o fundo aberto agora e recolher imposto se você tem um monte de carência”, diz Papaterra. Se o investidor não for usar mais o benefício do fundo fechado, que era para não ter o come-cotas, vale a pena abrir.
Fonte: Valor Econômico

