Por Adriana Cotias — De São Paulo
30/08/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
O texto da MP 1.184, que pretende taxar os fundos familiares destinados a um melhor planejamento patrimonial e tributário, traz um cerco fiscal mais abrangente do que se tinha no radar. A proposta não poupou os imobiliários nem os emergentes portfólios dedicados ao agronegócio (Fiagro). E deixou uma ponta solta ao não colocar como exceção da tributação do come-cotas, o imposto semestral, os fundos de recebíveis (FIDC).
Para que os fundos imobiliários e os Fiagro – queridinhos do investidor brasileiro pela isenção na distribuição de dividendos – mantenham o benefício fiscal, esses veículos precisarão ter ao menos 500 cotistas, dos 50 da regra atual, e ser efetivamente negociados em bolsa ou mercado de balcão organizado, não basta a mera admissão à listagem.
A MP ataca justamente as estruturas com “casca tributária”, separando-as dos fundos detidos e negociados pelo varejo, que representam a “essência da isenção”, segundo Brunno Bagnariolli, sócio da Jive Investments e CIO de fundos da Mauá Capital. “Com isso, a MP afasta de maneira definitiva o ‘fantasma’ da tributação de fundos imobiliários que pairava na cabeça dos investidores.”
Já os fundos de recebíveis podem sofrer um duro golpe caso não sejam excluídos da regra do come-cotas, segundo Bruno Gomes, sócio da Jive Investments. Ele diz que, na essência, a tributação antecipada nos fundos abertos é sobre rendimentos que vão ser disponibilizados para os cotistas lá na frente. Precisa ter valorização do patrimônio no período e caixa para quitar o tributo. E é por essa razão que vários fundos foram tirados da regra desde que cumpridas algumas condições. “Os FIDCs, cujos portfólios são compostos por direitos creditórios e que são tipicamente ilíquidos, não.”
Dentre os ativos que podem compor as carteiras, ele cita créditos de empresas em dificuldade financeira, em recuperação judicial, que usualmente têm fluxos muito longos, ativos judiciais como precatórios e recebíveis futuros antecipados para empresas. “São ativos, na sua maioria, com fluxo de caixa bem incerto e muitas vezes com elevado grau de risco quanto a efetiva monetização”, prossegue Gomes. No meio do caminho, uma companhia pode falir e o gestor não recupera o crédito.
O executivo argumenta que o FIDC é uma importante fonte de financiamento em momentos de crise e pouca liquidez, já que antecipa recursos para pessoas e empresas em situação financeira delicada, assumindo o risco do fluxo futuro incerto. “O FIDC se presta a reciclar esse capital, restabelecer a capacidade do sistema. Uma vez adquire esses créditos, ele entrega o caixa para quem precisa aplicar em processos produtivos ou pagar salário.”
Há ainda uma particularidade contábil, explica Gomes. Muitas vezes os ativos que têm incerteza de recebimentos estão marcados no patrimônio dos fundos com base na melhor expectativa de recebimento. Mas não quer dizer que vão ser pagos dentro dos prazos esperados ou que já se tornaram caixa. “Quando se aplica o come-cotas de forma indistinta, vai ter tributação sobre um ganho que na prática é inexistente, é uma expectativa que pode não acontecer.”
E como são ativos que o gestor não consegue necessariamente vender no secundário, no limite o investidor poderia ser chamado a aportar dinheiro para pagar o IR sobre um ganho presumido. “Pode ter um movimento de investidor saindo da classe, com impacto para a liquidez do sistema em momentos especialmente complicados do mercado de crédito.”
Na Oriz, alguns clientes já vinham reorganizando as suas estruturas e colocando liquidez nova em fundos de previdência, diz Paulo Minari, sócio-fundador responsável por estratégias de alocação. Mais do que o diferimento tributário, diz, o veículo fechado acomoda diversos instrumentos, de renda fixa a multimercados, ações, ativos no exterior e classes alternativas como cotas de FIP. “Funciona como um grande endowment familiar.” Além de mais flexibilidade na gestão, pode-se compensar ganhos e perdas. “O grande problema é se passa a ter o come-cotas, antecipando um rendimento que não foi de fato realizado.” É levar uma distorção dos fundos abertos para o público geral para os patrimoniais.
Fonte: Valor Econômico

