Selic em alta, pressões inflacionárias, política fiscal frágil, expectativa de desaceleração econômica no segundo semestre e incertezas externas têm aumentado a desconfiança do mercado com o desempenho futuro da bolsa brasileira. A piora no ambiente – a despeito da trégua de ontem, quando o índice subiu 2,81% – já provocou um corte nas projeções para o preço-alvo do Ibovespa no fim deste ano pelo Itaú BBA e pelo Safra, que deixaram em segundo plano os múltiplos bastante atraentes das ações brasileiras e não descartaram novos ajustes diante de possíveis revisões negativas nas projeções de lucros das empresas.
Na avaliação da equipe de pesquisa do Itaú BBA, liderada por Daniel Gewehr, o principal índice da bolsa tem se aproximado da zona de sobrevenda, o que ocorre quando o preço do ativo é considerado excessivamente menor em relação ao seu valor real. Ele, porém, reitera que o cenário continua a se mostrar “desafiador para a indústria local de fundos e para o humor dos investidores estrangeiros”, o que levou o banco a cortar a estimativa para o Ibovespa no fim deste ano de 165 mil pontos para 145 mil.
Já o Safra dá ênfase aos efeitos da política protecionista que deve ser implementada pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e às expectativas de um menor número de reduções nos juros americanos como fatores relevantes no cenário externo. A estimativa do banco para o preço-alvo do Ibovespa, nesse sentido, passou a ser de 141,5 mil pontos no fim deste ano. Antes, o Safra estimava que, no fim de 2024, o índice alcançaria os 142 mil pontos, o que ficou longe de se concretizar.
E é nesse ambiente local bastante pessimista, com investidores insatisfeitos com a condução da política fiscal, que o momento de cautela se torna ainda maior diante das ameaças tarifárias de Donald Trump, presidente eleito dos EUA, mesmo com a possibilidade de a adoção das medidas ser gradual. O espaço para reduzir cortes nos juros americanos e o processo de elevação da Selic também seguem como preocupação.
É o que nota o gestor Maurício Ferraz, da Kínitro Capital. Ele observa que o núcleo da inflação nos EUA até deu sinais positivos, ao ficar abaixo do esperado pelos mercados, mas enfatiza que o foco dos mercados está voltado, no momento, para a posse de Trump na segunda-feira e para a agenda econômica do republicano, que tem potencial inflacionário, especialmente no lado das tarifas comerciais.
Visão para a bolsa é positiva por causa do preço, mas condicionada ao governo”
Ferraz defende que o mercado já antecipou que Trump irá seguir com uma política tarifária mais dura, mas não descarta surpresas. “Se as medidas forem bem mais graduais que o esperado, existe espaço para o mercado devolver um pouco das perdas”, avalia. O gestor aponta que a Kínitro está com o risco mais baixo nas carteiras e com uma visão mais cautelosa.
A cautela de uma parcela dos agentes com os ativos locais guarda relação com a desconfiança fiscal. “O cenário fica mais sensível e fomos muito mal. Foi feita essa barbeiragem [fiscal] e entrou em uma crise desnecessária e até autoinfligida, que atrapalhou muito o mercado”, diz o gestor de ações Leonardo Rufino, da Mantaro Capital.
O outro lado da moeda é o fato de as ações estarem muito baratas, diz Rufino, ao reforçar que papéis como Itaú, Multiplan e Equatorial, negociam a múltiplos atrativos. “A visão para a bolsa é positiva por causa do preço, mas condicionada ao governo para que ele, no mínimo, não chute o balde”, afirma.
A Equatorial também é citada como um papel mais defensivo e com um prêmio atrativo pela chefe de soluções de investimento na Tivio Capital, Letícia Albuquerque. Para ela, a ação apresenta uma taxa interna de retorno (TIR) real entre 11,5% e 12%, ao mesmo tempo em que uma NTN-B com vencimento em 2035 entrega um retorno real de 7,5%.
O prêmio mais atrativo não é exclusividade do papel. Mesmo com um juros reais elevados, Albuquerque afirma que há um prêmio de risco interessante na bolsa brasileira, em torno de 4,7% quando comparado com a NTN-B para dez anos. Ainda assim, a executiva diz estar mais cautelosa com as ações locais devido à piora do fundamento recente do mercado acionário, que é resultado de preocupações mais estruturais, como revisões negativas de crescimento de lucro projetado das companhias listadas. Para ela, o processo de ajuste nas estimativas está apenas no começo.
“As primeiras revisões que acompanhamos são mais diretas e consideram uma taxa de juro maior, com impacto nas despesas financeiras e no lucro líquido. Já a revisão de segunda ordem avalia o impacto disso na desaceleração econômica, em como a economia vai performar”, diz Albuquerque.
O Safra reduziu sua projeção para o crescimento deste ano de 2,5% para 1,5% e avalia que, embora o novo cenário pareça já ter sido precificado, dado o alto prêmio de rendimento das ações e o múltiplo dos descontado dos papéis, novas projeções econômicas devem afetar negativamente as revisões de lucros.
Fonte: Valor Econômico

