É esperado que os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da China, Xi Jinping, tenham uma conversa franca sobre Taiwan quando se reunirem em San Francisco na quarta-feira, em uma retomada dos esforços para estabilizar as relações entre as duas potências.
Após um ano do primeiro encontro entre eles como líderes de Estado, na reunião de cúpula do G20 em Bali, na Indonésia, Biden e Xi voltarão a tentar estreitar os laços entre os países, atualmente no pior estado em 40 anos. Os esforços de ambos foram interrompidos há um ano quando um suposto balão espião chinês invadiu ilegalmente o espaço aéreo dos EUA em fevereiro.
Nos últimos meses, os dois governos retomaram a aproximação com encontro de figuras importantes de ambos os Estados, como a visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a Pequim e uma viagem a Washington do ministro das Relações Exteriores, Wang Yi.
Washington vê com bons olhos a reaproximação, mas autoridades dos EUA ressaltam que a reunião de cúpula não deverá produzir grandes decisões, em especial porque as tensões em relação a Taiwan, que tem eleição presidencial marcada para janeiro, continuam altas.
“Não estamos pensando em uma longa lista de resultados”, disse um funcionário do governo dos EUA. “Os objetivos aqui realmente giram em torno de administrar a competição, prevenir o risco de conflito e garantir que os canais de comunicação estejam abertos.”
O funcionário disse que a combinação das eleições em Taiwan e nos EUA no próximo ano faz com que o caminho das relações entre EUA e China em 2024 possa ser “acidentado”, o que aumenta a necessidade de comunicação entre os altos escalões.
As autoridades americanas disseram também que Biden reafirmaria a política de “uma só China” – na qual os EUA reconhecem Pequim como o único governo da China, mas reconhecem a soberania sobre Taiwan – ao mesmo tempo em que deixaria claro para Xi que a interferência política chinesa na eleição de Taiwan “levantaria preocupações extremamente fortes”.
De acordo com Rick Waters, que até agosto foi o principal encarregado de assuntos chineses no Departamento de Estado dos EUA, ambos os líderes querem evitar que as relações sofram desgastes adicionais, “ao menor custo possível”.
“A questão é até que ponto eles realmente podem estabilizar as relações, dadas às questões a serem superadas em relação a Taiwan, política tecnológica e outros aspectos de uma relação fundamentalmente competitiva”, disse Waters, agora diretor-gerente da firma de consultoria Eurasia Group.
A Casa Branca disse ao “Financial Times” que os líderes não emitiriam uma declaração conjunta, sinal de que “os dois lados continuam muito distantes em questões fundamentais”, segundo Dennis Wilder, que foi um alto funcionário Casa Branca para assuntos da China que atua na Universidade de Georgetown.
Ao longo de quatro horas de discussões, Biden e Xi devem abranger uma gama de questões, desde as preocupações dos EUA a respeito da atividade militar chinesa no Mar do Sul da China até a irritação da China com os controles de exportação impostos para impedir o Exército de Libertação Popular de obter tecnologia americana.
Autoridades sugeriram que há a possibilidade de um acordo para reabrir os canais de comunicação militares, fechados pela China depois de a então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, ter visitado Taiwan em 2023. Washington também quer que Pequim restrinja as exportações de ingredientes para a produção de fentanil, responsável por uma epidemia nos EUA.
A China quer ampliar o diálogo sobre inteligência artificial de forma a incluir outras tecnologias, na esperança de que esse engajamento adie eventuais novas restrições dos EUA, de acordo com fontes.
Xi quer que Biden expresse oposição à independência de Taiwan, em vez da postura usual de apenas não apoiá-la, mas a tendência é que Biden não mude de posição em relação à ilha. Um segundo funcionário dos EUA disse que Biden iria “amplificar” o discurso atual sobre Taiwan com “clareza”.
De acordo com Victor Gao, ex-diplomata chinês que foi tradutor do falecido líder chinês Deng Xiaoping, Xi quer se assegurar de que os EUA estão sendo sinceros quando falam em não “esvaziar” a política de “uma só China”, depois das visitas de alto escalão feitas a Taiwan por políticos dos EUA e das vendas de armas à ilha. “É preciso fazer com que eles estejam plenamente cientes das consequências.”
Jude Blanchette, especialista em China no centro de estudos CSIS, disse que Xi entregaria “uma mensagem muito clara sobre Taiwan”, mas provavelmente não ouviria nenhuma mudança de tom nas declarações de Biden. “É importante para a estratégia chinesa que Xi comunique diretamente como isso é sério para Pequim”, disse Blanchette.
Outro indício de como as relações EUA-China estão frias, é que Biden e Xi não planejam jantar juntos após a reunião. Xi participará de um jantar com executivos de empresas americanas, com o qual Pequim espera abrandar as preocupações quanto ao ambiente de negócios chinês em um momento em que a economia do país enfrenta diversas adversidades.
É esperado o comparecimento no evento de mais de 20 moradores de Muscatine, Iowa, incluindo Sarah Lande, que recebeu Xi para jantar em sua casa em 1985 quando o então funcionário do Partido Comunista visitou a cidade.
“Se o plano sair como planejado, um aperto de mãos amistoso entre Xi Jinping e [o executivo-chefe da Apple] Tim Cook após uma reunião de cúpula bem-sucedida com Biden será a cereja do bolo”, disse Blanchette.
A Apple não quis comentar se Cook participará do jantar.
Bonnie Glaser, uma especialista em China no centro de estudos German Marshall Fund, disse que a situação econômica da China aumenta os incentivos para que os chineses trabalhem com os EUA pelo abrandamento das tensões.
“Pequim quer ganhar tempo para lidar com os problemas econômicos internos e impulsionar a inovação em tecnologias afetadas pelas restrições americanas. Os EUA querem demonstrar a eficácia de seu modelo proposto, de competição gerenciada com a China, que o governo espera ver durar pelo menos até a eleição presidencial dos EUA em 2024.”
Paul Haenle, ex-funcionário da Casa Branca que hoje comanda o Centro de Estudos Carnegie China, disse que a reunião de cúpula ajudaria a aliviar os temores na região do Indo-Pacífico.
“Há sinais de que existe demanda na região, e acredito que globalmente, para que EUA e China sejam mais responsáveis na gestão das crescentes tensões”, disse Haenle. “Isso seria, creio eu, algo positivo que surgiria disso [da reunião].”
Evan Medeiros, outro antigo alto funcionário da Casa Branca para a Ásia e agora na Universidade de Georgetown, disse que a reunião de cúpula marca a aceitação de ambos os lados de que estão na fase inicial de uma competição geopolítica de longo prazo.
“Eles estão começando agora o complexo processo de negociar os termos desta competição – onde e como competir, que riscos assumir e que custos pagar. Esta reunião de cúpula é central para essa negociação”, disse Medeiros.
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Xi Jinping e Joe Biden em 2022 — Foto: Alex Brandon/AP
Fonte: Valor Econômico

