“Sabíamos que algo ia acontecer, mas não que seria anunciado dessa forma tão política”, disse uma fonte bem informada do setor. Ela observou que a decisão da União Europeia (UE) deixa as montadoras alemãs, que controlam um quinto do mercado chinês, em uma posição precária.
Há um temor generalizado na Alemanha de que Pequim, que está enredada em uma guerra comercial retaliatória com os EUA, possa adotar medidas punitivas contra as montadoras europeias.
Bruxelas anunciou sua decisão num momento em que investidores já questionam a dependência que os fabricantes alemães de automóveis têm da China.
A BMW e a Mercedes-Benz tiveram muito sucesso na China com seus modelos mais sofisticados, que os chineses mais ricos adoram. O mesmo ocorre com a Volkswagen, a marca que vende mais carros no maior mercado automobilístico do mundo. Em 2022, a China respondeu por um terço das vendas de automóveis da BMW. Esse porcentual foi de 37% no caso da Mercedes-Benz e de quase 40% no da Volkswagen.
Ameaça de novas tarifas de importação
Para as montadoras alemãs, a principal preocupação é com a possibilidade de que a China imponha um aumento retaliatório nas tarifas de importação para automóveis europeus. Essas empresas também têm grandes operações de manufatura local, o que pode proporcionar a Pequim outra frente em que fazer pressão.
Gregor Sebastian, analista do Mercator Institute for China Studies, disse que as marcas de topo de linha da Alemanha são as que têm mais probabilidades de serem afetadas por eventuais novas tarifas de importação chinesas, uma vez que a maioria dos carros mais baratos já são produzidos na China.
“Na verdade, grande parte da produção automobilística estrangeira ou do setor automobilístico estrangeiro na China é fortemente localizada. De fato, a exceção são os principais segmentos premium”, afirmou ele.
Na avaliação de Daniel Schwarz, analista da Stifel, a empresa alemã mais exposta a uma elevação das tarifas de importação chinesas é a Mercedes-Benz. Schwarz observou que a montadora importa cerca de 20% dos carros que vende na China, em comparação com um número próximo de 10% nos casos da Volkswagen e da BMW.
De qualquer maneira, as montadoras alemãs que têm grandes operações na China também se sentem apreensivas.
Efeito BYD
O aumento da tensão entre UE e China se dá num momento em que a Volkswagen luta para continuar relevante no país cuja indústria automobilística ajudou a construir no fim dos anos 1970. Recentemente ela perdeu para a BYD o posto de marca mais vendida na China. O lançamento dos novos modelos elétricos da Audi e da Porsche — que são as principais fontes de lucro do grupo — também sofreu atrasos por causa de problemas na unidade de software da Volkswagen, a Cariad.
Apesar dos apelos de Berlim para que sua indústria automobilística reduza a dependência da China, a Volkswagen anunciou investimentos no país equivalentes a quase 5 bilhões de euros no ano passado. Em 2022, ela também transferiu Ralf Brandstätter, o membro de sua diretoria responsável pela China, para Pequim, para trabalhar em “estreita colaboração” com seus três principais parceiros de joint-venture.
Alemanha x França
Como a França é uma das defensoras mais veementes de ações contra os fabricantes de automóveis chineses na Europa, existe um ressentimento cada vez maior nas salas das diretorias das montadoras alemãs com a percepção de que a investigação planejada pela UE seja uma vitória para Paris.
“Os alemães ficarão em situação muito pior do que os franceses com isto”, disse um executivo de um fornecedor alemão de peças automotivas. “Está muito claro que Von der Leyen escutou mais Macron do que Scholz neste caso”, acrescentou a fonte, em uma referência à presidente da CE, Ursula von der Leyen, ao presidente da França, Emmanuel Macron, e ao premiê alemão Olaf Scholz.
Tanto Carlos Tavares, executivo da Stellantis, proprietária da Peugeot, como Luca de Meo, executivo-chefe da Renault, já advertiram que os fabricantes europeus estão diante de um duro desafio à medida que rivais chineses entram em seu território com modelos mais baratos, o que os obriga ou a cortar mais custos ou a melhorar suas cadeias de fornecimento.
As duas empresas têm passado por uma situação mais difícil na China do que suas rivais alemãs. A Renault encerrou algumas de suas joint-ventures na China em 2020 e suspendeu as vendas de seu principal veículo de passageiros no país.
O governo francês tem sido mais enérgico em propor medidas contra os fabricantes chineses de automóveis e planeja adotar um decreto que, na prática, impedirá que veículos fabricados na China possam se qualificar para seus programas de subsídios para carros elétricos.
O analista Matthias Schmidt, que fica em Berlim, disse que, dada a exposição das montadoras alemãs à China, em comparação com as rivais da França, “os franceses podem dizer o que os outros estão pensando, mas os alemães têm de ficar de boca fechada”.
Um dos riscos em potencial para as montadoras europeias poderia ser uma decisão de Pequim de restringir o acesso a importantes matérias-primas para baterias, como o lítio, em suas cadeias de fornecimento. O governo chinês estabeleceu grandes participações em processadores e produtores de materiais para baterias desde sua decisão de investir pesadamente no desenvolvimento de uma indústria nacional de veículos elétricos, há mais de uma década.
Mas executivos e analistas são cautelosos quanto a antecipar uma reação de Pequim nesta fase. “Não devemos esquecer que a China precisa da Europa tanto quanto a Europa precisa da China, pois as duas economias estão muito interligadas”, disse Schmidt.
Uma fonte bem informada do setor automobilístico põe suas esperanças em comentários de chineses feitos durante uma reunião do primeiro-ministro da China, Li Qiang, com um grupo de líderes empresariais importantes da Alemanha, em junho. A mensagem de Li foi de que a presença empresarial alemã ainda era muito necessária no país. “A mensagem era: ‘por favor, não parem de investir na China — nossa economia passa por algumas dificuldades’.”
Fonte: Valor Econômico

