Existem poucos exemplos melhores de mudança de humor estratégico do que o establishment da política externa dos EUA em relação à Ucrânia. Há um ano, estava-se debatendo o desmembramento da Rússia e levar Vladimir Putin a julgamento por crimes de guerra. Hoje, enquanto o Capitol Hill vacila sobre o apoio à Ucrânia, Washington se prepara para o colapso da Europa Ocidental. A arrogância e o pânico são dois lados da mesma moeda; a sobriedade empírica é escassa.
Uma avaliação perspicaz, no entanto, nos diz que a guerra terrestre se inclinará a favor de Putin, a menos que o Ocidente consiga manter seu apoio. O objetivo de Joe Biden na Ucrânia permanece duplo: capacitá-la a se defender e evitar que os EUA sejam arrastados para uma guerra com a Rússia. Biden tem superestimado as ameaças nucleares de Putin desde o início. Como resultado, a Ucrânia ainda está tendo que se defender com uma mão atada às costas.
Putin está, agora, explorando o chamado “cansaço da Ucrânia” nos EUA para tentar inutilizar a outra mão. O autocrata russo pode contar com um exército cada vez mais audacioso de simpatizantes americanos para ajudá-lo. Isso inclui a rica Heritage Foundation, que costumava ser chamada de conservadora, mas, agora, é melhor descrita como populista de extrema direita. A Heritage abraçou a Hungria de Viktor Orbán, que está fazendo lobby abertamente junto aos republicanos para bloquear novos fundos para a Ucrânia.
Eles podem ter sucesso no curto prazo. Os republicanos estão divididos entre apoiadores firmes da Ucrânia e uma mistura de isolacionistas e apoiadores declarados de Putin. J.D. Vance, senador de Ohio, é uma mistura dos dois últimos. “Você tem algumas pessoas nesta cidade dizendo que precisamos cortar a previdência social e jogar nossos avós na pobreza. Por quê? Para que um dos ministros de Zelensky possa comprar um iate maior?”, disse Vance esta semana.
Poucos dos argumentos contra o apoio à Ucrânia resistem a uma boa análise. A maior parte da ajuda americana é gasta em casa, em armas fabricadas nos EUA, não na Ucrânia. O financiamento da Ucrânia representa menos de 1% do orçamento federal dos EUA. Os dólares americanos que vão para Kiev em apoio fiscal são auditados de perto; nada está acontecendo quanto a super iates. Não há uma base real para o cansaço público com a guerra na Ucrânia, já que nenhum americano está realmente lutando nela.
A narrativa mais alardeada é que cada dólar que os EUA gastam na Ucrânia é um dólar a menos para defender Taiwan. A realidade está mais próxima do oposto. China e Rússia têm uma parceria “sem limites” que visa enfraquecer os EUA. A maneira mais eficaz de conseguir isso é com uma vitória russa na Ucrânia. Isso desmoralizaria a Otan e entregaria o celeiro da Europa à Rússia. Como estrategistas militares apontaram por mais de um século, quem controla a Ucrânia controla a Eurásia. Da mesma forma, cada peça de artilharia que os EUA enviam para a Ucrânia é mais uma razão para a China pensar duas vezes sobre Taiwan.
Então por que os simpatizantes de Putin estão ganhando terreno no Partido Republicano? Porque Putin é inimigo de Biden, e o inimigo do seu inimigo é seu amigo. Não é muito mais complicado do que isso. Existem verdadeiros apoiadores de Putin na extrema direita americana. Mas a maioria de seus colegas americanos são oportunistas sombrios, como Donald Trump. Qualquer coisa prejudicial a Biden é boa para eles. A derrota da Ucrânia seria, portanto, boa para os republicanos.
As divisões exploráveis dos EUA dão a Putin uma vantagem sobre Biden, que ameaça superar a enorme vantagem dos EUA sobre a Rússia. A economia americana é mais de 13 vezes maior que a da Rússia. Controla a moeda de reserva global e tem uma liderança tecnológica decisiva. Ao contrário da Rússia, os EUA têm dezenas de aliados. No entanto, tudo isso será em vão se Putin conseguir explorar as inimizades políticas dentro dos EUA. Biden não tem uma alavanca equivalente dentro da Rússia para prejudicar Putin. Na verdade, Alexei Navalny, a figura de oposição mais conhecida da Rússia, recentemente desapareceu dos registros prisionais russos.
Biden tem duas maneiras óbvias de bloquear Putin. A primeira é conseguir os US$ 60 bilhões necessários do Congresso. Os republicanos insistem em vincular a ajuda à Ucrânia a muito mais dinheiro para a segurança de fronteira dos EUA e a um aperto drástico nas regras de asilo dos EUA. Alguns republicanos realmente querem isso; outros estão usando isso como pretexto para negar apoio à Ucrânia. Deveria ainda haver o suficiente do primeiro tipo de republicanos para Biden chegar a um acordo que inclua ambos.
Em segundo lugar, Biden poderia levantar as restrições à Ucrânia sobre o uso de artilharia e aeronaves fornecidas pelos EUA. O país deveria ter meios para atacar alvos militares dentro do território russo. É impossível vencer uma guerra — ou progredir o suficiente para chegar a um acordo favorável — se você estiver limitado a lutar contra o invasor em seu próprio território. Nada tem sucesso como o sucesso, ou fracassa como o fracasso. A diferença entre os dois ainda está nas mãos de Biden.
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O presidente russo, Vladimir Putin, pode contar com um exército cada vez mais audacioso de simpatizantes americanos para ajudá-lo, entre eles parlamentares do partido Republicano — Foto: Sergey Savostyanov/AP
Fonte: Valor Econômico

