Há uma década, pedi a autoridades do Federal Reserve de Nova York para dar uma olhada em suas reservas de ouro. Eles recusaram terminantemente.
O motivo? Autoridades do Fed há muito se orgulham de possuir o maior cofre de ouro do mundo, escavado a 24 metros abaixo do leito rochoso de Manhattan. Mas preferem manter isso discreto, em parte porque muitas das 507 mil barras do cofre pertencem a países como Alemanha e Itália. O silêncio era literalmente dourado.
Agora, no entanto, uma nota dissonante foi emitida. Nas últimas semanas, políticos na Alemanha e na Itália exigiram a repatriação de suas barras de ouro, avaliadas em aproximadamente US$ 245 bilhões. Outros fizeram o mesmo. “Estamos muito preocupados com a possibilidade de [o presidente dos EUA, Donald] Trump interferir na independência do Federal Reserve Bank”, explica a Associação de Contribuintes da Europa.
Nem o Fed nem os governos europeus parecem dispostos a agir, e não há sinais de que o ouro esteja se movendo em direção ao leste. Pelo contrário, o ouro tem fluído para dentro, e não para fora, dos Estados Unidos desde a eleição de Trump, gerando especulações de que agências do governo dos EUA, assim como investidores privados, possam estar acumulando o metal (embora não haja prova pública disso).
De todo modo, o que é indiscutível é que esses apelos por repatriação são um sinal de desconfiança crescente. O motivo pelo qual essas barras foram colocadas nos cofres de Nova York, em primeiro lugar, é que os aliados da América presumiam até então que Washington era um líder responsável do Ocidente — e do sistema financeiro baseado no dólar.
Agora, no entanto, integrantes da equipe de Trump — incluindo Stephen Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos, e Scott Bessent, secretário do Tesouro — estão se rebelando contra o “custo” desse sistema. Assim, a pergunta que os investidores precisam fazer é o que outros países podem fazer se guerras comerciais também gerarem batalhas de capitais.
Na Ásia, esse debate já está em curso, à medida que os investidores buscam diversificação. Um sinal disso é o aumento nas compras de ouro. Outro é que os recentes movimentos de preços incomuns nos mercados de Hong Kong sugerem uma relutância em adquirir ativos denominados em dólar.
Enquanto isso, autoridades chinesas celebram o aumento do uso do renminbi na emissão de faturas comerciais, e desenvolvem um Sistema de Pagamentos Interbancários Transfronteiriços (Cips), para desafiar o sistema de pagamentos interbancários Swift, controlado pelos EUA.
Investidores também precisam observar a chamada iniciativa mBridge, um projeto de moeda digital de banco central transfronteiriça lançado em 2023 pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS). No ano passado, Washington forçou o BIS a se retirar do projeto, deixando a China no controle. Suspeito que isso tenha sido um tiro no pé dos EUA.
A Europa, em contraste, tem sido bastante passiva até agora. No entanto, figuras como François Heisbourg, um importante conselheiro europeu, estão defendendo a preparação para uma “Europa pós-americana”. E embora isso já tenha motivado promessas de aumento nos gastos militares, o foco agora também está se voltando para a “geoeconomia” — ou a ideia de que a diplomacia deve orientar a política industrial.
Contudo, analistas como Elmar Hellendoorn, do Atlantic Council, querem ir além, com uma política de “geofinanças” também. Afinal, ele argumenta, a Europa é vulnerável, pois não apenas depende do financiamento em dólar, como também é impactada por fluxos de capital especulativos, devido à financeirização de sua economia.
Assim, “grandes partes da economia europeia estão agora sob forte influência, senão sob o controle direto, de empresas de Wall Street, que estão, em última instância, sujeitas às leis dos EUA e à diplomacia financeira de Washington”, ele lamenta. De fato, Enrico Letta, ex-primeiro-ministro italiano, teme que a Europa esteja se tornando uma “colônia financeira” dos EUA.
Isso pode mudar? A Comissão Europeia está dando passos tímidos nessa direção, ao acelerar os esforços para criar um mercado único de capitais europeu. Bancos centrais em toda a Europa também estão desenvolvendo moedas digitais transfronteiriças, e o próprio Banco Central Europeu está construindo um euro digital. Isso prepara o cenário para uma disputa fascinante de políticas com Washington, que está adotando stablecoins [criptomoedas estáveis] baseadas no dólar — em parte porque Bessent acredita que isso criará trilhões de dólares em nova demanda por títulos do Tesouro [Treasuries].
No entanto, esses esforços ainda parecem excessivamente tímidos para realmente criar um “momento global do euro”, para usar as palavras de Christine Lagarde, presidente do BCE. E isso dificilmente mudará, a menos que uma crise surja — seja uma perda de confiança no mercado em relação ao dólar (talvez devido a temores fiscais), seja uma agressividade extrema dos EUA em relação à Europa.
Daí a razão pela qual aqueles cofres de ouro em Manhattan importam: se tais crises realmente se materializarem, é fácil imaginar um cenário no qual os líderes americanos (na melhor das hipóteses) insistam em usar aquele ouro como colateral para swaps cambiais em dólares ou (na pior) como instrumento de coerção política.
O Bundesbank alemão, por sua vez, descarta esse risco — ao menos publicamente. “Não temos dúvidas de que o Fed de Nova York é um parceiro confiável e seguro para a custódia de nossas reservas de ouro”, afirma ao FT. Muito provavelmente é o caso. Mas o debate mostra que cenários outrora inimagináveis ao menos estão sendo cogitados. Reaver o ouro é um movimento racional.
Fonte: Financial Times
Traduzido via ChatGPT

