Por Michael Stott, Valor — Financial Times
24/05/2023 16h04 Atualizado há 17 horas
O presidente do Equador, Guillermo Lasso, é conservador, pró-empresas e se formou nos EUA. Seu governo, contudo, acaba de assinar um tratado comercial com a China e, em 2022, quando conseguiu um acordo de alívio de US$ 1,4 bilhão em sua dívida quem o garantiu foi Xi Jinping.
“Xi foi muito compreensivo”, disse Lasso sobre o líder chinês.
Especialistas dizem que a experiência do Equador com a China mostra como EUA e outros países ocidentais correm o risco e perder mais terreno na América Latina para Pequim, a menos que consigam oferecer melhores oportunidades de comércio exterior.
O comércio chinês com a América Latina teve um crescimento explosivo neste século, de US$ 12 bilhões em 2000 para US$ 495 bilhões em 2022, sendo que a China se tornou o maior parceiro comercial da América do Sul.
Chile, Costa Rica e Peru têm acordos de comércio com Pequim, o Equador assinou o seu neste mês e Panamá e Uruguai planejam assinar tratados em breve.
O governo de Joe Biden, entretanto, tem descartado assinar novos acordos comerciais, frustrando os latino-americanos. A União Europeia passou 20 anos negociando um acordo de livre comércio com o Mercosul, mas ainda falta ratificá-lo.
Eric Fransworth, que chefia o escritório em Washington do Conselho das Américas, uma associação regional de empresas, disse que há uma crescente preocupação bipartidária nos EUA sobre a falta de uma agenda comercial americana ativa na América Latina.
“É preciso competir economicamente no Hemisfério Ocidental ou você o perderá”, disse. “E não estamos competindo efetivamente.”
Os EUA têm uma colcha de retalhos de seis acordos de comércio incluindo 12 países latino-americanos, mas a falta de uma estrutura comum tem dificultado a integração de cadeias de valor regionais.
“Nossa realidade política neste momento é a de que não há apoio à expansão dos acordos de livre comércio”, admitiu Ricardo Zúniga, principal vice-secretário-assistente do gabinete do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA. O foco dos EUA é “aproveitar a facilitação do comércio e […] as oportunidades de ‘nearshoring’ [a estratégia de levar a produção para mais perto do local de venda do produto]”.
O comércio exterior não é a única frente. Pequim ganhou amigos na América Latina custeando e construindo estradas, pontes, portos e aeroportos. Mais de 20 países latino-americanos e caribenhos se somaram à Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI, na sigla em inglês), também conhecida como Nova Rota da Seda. Desde 2005, a China emprestou mais de US$ 136 bilhões a governos e estatais da América Latina.
Por sua vez, os EUA e a UE têm se concentrado nos temas da corrupção, democracia, ambiente, direitos humanos e nos riscos de se fazer negócios com a China. A iniciativa Glogal Gateway, da UE, idealizada como uma resposta à BRI, comprometeu apenas US$ 3,5 bilhões para a América Latina.
Entre os pontos de discussão dos EUA com a América Latina está o apelo para que se evitem as redes de telefonia 5G construídas pela chinesa Huawei, alvo de sanções de Washington —, mas as alternativas americanas e europeias à Huawei costumam ser mais caras.
Um ministro das Relações Exteriores da América Latina comparou em 2022 a abordagem americana à religião católica, dizendo ao “Financial Times” que “você precisa se confessar e ainda pode acabar sendo condenado”.
Os chineses, em contraste, são como os mórmons, que “batem na sua porta, perguntam como você se sente” e “querem ajudar”.
Zúniga rejeita as críticas de que o governo Biden dá ênfase demais aos direitos humanos. “A corrosão dos direitos humanos e o desempenho econômico andam lado a lado”, disse. “Quando você tem líderes que concentram poderes nas próprias mãos, inevitavelmente eles começam a tomar decisões econômicas que não são realmente condizentes com o interesse nacional.”
Mas o contraste entre as visitas feitas este ano pelo recém-eleito presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, às duas maiores potências mundiais é revelador.
Em fevereiro, Lula visitou Washington com uma pequena delegação por um dia e se encontrou com Biden. Um comunicado da Casa Branca declarou depois que as negociações haviam se concentrado em questões de democracia, direitos humanos e mudanças climáticas. Comércio e investimento foram mencionados, mas nenhum acordo foi anunciado.
Em abril, o líder brasileiro passou três dias na China, acompanhado de dezenas de empresários e governadores. Foram assinados cerca de 20 acordos no valor de US$ 10 bilhões. Lula fez questão de visitar o centro de pesquisas da Huawei, em Xangai, e na sequência disse que “ninguém vai proibir o Brasil de melhorar o relacionamento com a China”.
O Brasil também assinou acordos para receber transferência de tecnologia nas áreas de semicondutores, energia renovável e vigilância por satélite. Os acordos fazem parte de sua estratégia de “não alinhamento ativo”, que se opõe a tomar partido entre o Ocidente e a China ou a Rússia, inclusive na guerra na Ucrânia.
Enquanto a China investe e expande o comércio exterior de forma constante, os EUA lançam uma iniciativa após a outra, com poucos resultados. Em 2019, o governo de Donald Trump lançou o América Cresce, para tentar conter o impulso da BRI, mas gerou poucos resultados.
Depois, o governo Biden fez uma tentativa com o “Build Back Better World” (reconstruir um mundo melhor), uma proposta de aliança para obras de infraestrutura, anunciada em junho de 2021. Mas o presidente do Panamá, Laurentino Cortizo, disse em abril ao “Financial Times” que a iniciativa não trouxe resultado nenhum. “Os discursos são muito bonitos”, disse, acrescentando que os EUA deveriam “reforçar as promessas de apoio econômico”.
Em junho, Biden anunciou mais uma iniciativa dos EUA, a “Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica”. Mas quase um ano depois ainda não foram anunciados investimentos específicos e não houve a adesão de Brasil e Argentina, duas das três maiores economias da região. “Os latino-americanos ainda não têm certeza do que ela implica”, disse Margaret Myers, do centro de estudos Inter-American Dialogue, de Washington.
Um obstáculo é o financiamento. O DFC, principal instituição americana de financiamento ao desenvolvimento, é obrigado a priorizar países de renda baixa e média-baixa, o que exclui a maior parte da América Latina. Os bancos multilaterais de desenvolvimento também têm restrições para conceder empréstimos a países de renda média-alta e alta. A China não tem esse problema.
Enquanto isso, líderes europeus tentam remediar quase dez anos de negligência e marcaram uma reunião de cúpula com presidentes latino-americanos para julho. Mas um diplomata da UE admite: “Se falharmos, pode não haver outra reunião. É uma última chance de relançar o relacionamento.”
Ao mesmo tempo, empresas europeias e americanas têm vendido ativos na região, desencorajadas pelas políticas problemáticas local, e mostrado disposição para se deslocar rumo a regiões geográficas “centrais”. Os chineses, por sua vez, são compradores ávidos desses ativos.
“Está muito bem ficar falando em investimentos, mas empresas americanas e europeias estão vendendo seus ativos na América Latina”, disse Myers. “Precisamos criar incentivos para que elas fiquem.”
A tendência de desinvestimento inclui áreas estratégicas como as de fontes de energia renovável e de minerais cruciais. Em 2016, a americana Duke Energy vendeu dez usinas hidrelétricas no Brasil para a chinesa Three Gorges Power, quando decidiu se concentrar mais em seu mercado interno. Em 2018, a canadense Nutrien vendeu para uma empresa chinesa sua participação de 24% na chilena SQM, uma das maiores produtoras de lítio do mundo.
Em abril, a italiana Enel despertou o receio de que entregará aos chineses praticamente um monopólio sobre a eletricidade peruana, com o anúncio de que venderia seus ativos para a China Southern Power Grid por US$ 2,9 bilhões. Em 2020, a espanhola Naturgy vendeu sua distribuidora de energia chilena para os chineses.
O ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, reclamou a respeito quando esteve em Pequim. “Estamos quase passando por um período de desinvestimento dos EUA, com empresas saindo do país”. A Ford é uma delas e discute a venda de uma de suas antigas fábricas para a chinesa BYD construir veículos elétricos.
“Estamos dando muitas instruções, obrigações e condições”, concluiu Farnsworth, do Conselho das Américas, sobre a estratégia dos EUA na região. “O que falta é investimento e acesso ao mercado. Os chineses dizem: ‘Não nos importamos como você dirige seu país. Apenas nos deixe levar seu lítio’.
Fonte: Valor Econômico

