Por Demetri Sevastopulo, Tom Mitchell e Eleanor Olcott, Valor — Financial Times, de Washington, Cingapura e Hong Kong
05/02/2023 15h37 Atualizado há 15 horas
O caça F-22 Raptor que voou da Virgínia para a Carolina do Sul no sábado, e derrubou um suposto balão espião chinês com um míssil, deu um tom dramático à mais recente crise nas relações entre os Estados Unidos e a China.
Mas as esperanças de uma possível estabilização da relação complicada já haviam sido destruídas depois que o balão — que Pequim insistiu ser um “dirigível civil não tripulado” errático — voou sobre a América do Norte na semana em que o secretário de Estado americano, Antony Blinken, se preparava para ir à China para se encontrar com o presidente, Xi Jinping.
Blinken cancelou sua visita na sexta-feira, afirmando que o balão, que surpreendeu os EUA em seu voo pelo país, violou a soberania americana. Em um raro pedido de desculpas, Pequim expressou “pesar” e disse que o balão meteorológico desviou-se de seu curso devido a ventos fortes. Os EUA não aceitaram a explicação, afirmando que se tratava claramente de um balão espião.
Enquanto navios da Marinha dos EUA dirigiam-se para a costa da Carolina do Sul para recuperar os destroços para análise, Pequim disse que o uso da força foi “claramente uma reação exagerada e uma violação grave das convenções internacionais”.
Bonnie Glaser, especialista em China do German Marshall Fund, disse que o governo Biden concluiu que a China cometeu um “ato hostil” e que o impacto sobre as relações “não deveria ser subestimado”.
“A janela de oportunidade para colocar as relações China-EUA ‘de volta nos trilhos do desenvolvimento estável’, que Biden e Xi concordaram em fazer em Bali, pode ter sido perdida”, disse, ao se referir ao encontro dos líderes realizado na cúpula do G-20 em novembro.
Uma fonte a par do pensamento do governo dos EUA disse que a China “solapou completamente” os esforços para estabelecer “um piso” nas relações.
“Quando a China solapa tão flagrantemente [os esforços], de uma maneira tão visceral para o povo americano, isso realmente prejudica o que Blinken planejava fazer”, afirmou a fonte.
Os EUA estão empenhados em tentar acalmar as relações e avançar nos interesses globais comuns, mas “é preciso dois para dançar o tango”, acrescentou a fonte. “Nosso objetivo permanece o mesmo, mas precisamos ver sinceridade.”
Evan Medeiros, ex-assessor da Casa Branca para a Ásia, disse que os dois países estão agora em um “momento de bola ao ar”, o que significa que não está claro como as coisas vão se desenrolar, mas que muito dependerá dos próximos passos de Pequim.
“Eles ficaram arrependidos porque obviamente erraram, mas se agora se mostram indignados. Entraremos em um terreno muito contencioso”, disse Medeiros.
Uma questão que poderia sugerir como a China responderá é se Xi aprovou a missão ou não estava ciente dela. Em 2011, os EUA avaliaram que o então presidente, Hu Jintao, não sabia que o Exército de Libertação do Povo havia testado um caça “stealth” hora antes de o líder chinês se encontrar com o então secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates.
A fonte próxima ao governo americano disse que os EUA não sabem se Xi estava a par da missão.
Alguns especialistas acreditam que o arrependimento vindo da China na sexta-feira sugere que Xi foi pego desprevenido. Uma teoria é que o presidente chinês dificilmente aprovaria tal missão neste momento, porque ele está em uma ofensiva para seduzir e atrair empresas de volta para a China e precisa garantir relações melhores com Washington.
Dennis Wilder, ex-analista da CIA especializado em China, disse que o incidente poderá levar a uma maior tensão, especialmente se Washington confrontar Pequim com evidências sólidas.
“Há o perigo de uma vigilância chinesa mais agressiva dos voos de reconhecimento dos EUA realizados diariamente sobre os mares do leste e sul da China, aumentando as chances de uma colisão acidental”, afirma.
Blinken disse que fazer o balão voar sobre os EUA foi “prejudicial às discussões substantivas que estávamos preparados para ter” em sua visita.
Mas as autoridades chinesas já estavam céticas quanto à disposição dos EUA de adotar medidas, especialmente depois de Washington ter definido mais controles tecnológicos contra a China e ter fechado um acordo de compartilhamento de bases com as Filipinas.
O episódio do balão também ocorre quando as autoridades chinesas se preparam para uma possível visita a Taiwan do presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, o republicano Kevin McCarthy.
O Exército chinês realizou seus maiores exercícios em torno da ilha em agosto, depois que a então presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, visitou Taipei. “Se McCarthy visitar Taiwan, tudo volta à estaca zero”, disse um ex-diplomata chinês.
Em Washington, Biden foi pressionado pelos republicanos a derrubar o balão antes mesmo de ele chegar ao oceano Atlântico. Os EUA não disseram se o balão transmitia informações para a China em tempo real durante o voo ou se o Exército chinês teria de recuperar o balão para avaliar quaisquer informações de inteligência coletadas.
Wu Xinbo, diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade Fudan, em Xangai, disse que a situação foi inflamada por membros do Congresso.
“O problema do balão foi lançado por congressistas radicais para impedir a melhora gradual nas relações que Biden quer promover com a China”, disse Wu.
Ele disse que os EUA teriam agido “muito antes” se ele fosse realmente um balão espião. Autoridades americanas disseram que o balão não foi derrubado quando sobrevoava o continente para evitar possíveis baixas em terra e afirmaram que coletaram informações de inteligência enquanto ele sobrevoava os EUA.
Medeiros disse que embora a China tenha sido relativamente comedida em sua resposta, muita coisa vai depender de Xi ficar sob pressão, quando os cidadãos chineses assistirem o vídeo do incidente. “Talvez Xi Jinping mude de tom e se sinta pressionado a responder de forma assertiva… Então, vamos aguardar”, acrescentou.
Fonte: Valor Econômico

