O videoclipe que viralizou mostra um conhecido apresentador de TV anunciando a notícia alarmante de que o presidente francês Emmanuel Macron havia cancelado uma planejada viagem a Kiev em razão de um plano para assassiná-lo.
O palácio do Eliseu e o canal de TV envolvido, o France 24, rapidamente informaram que o vídeo era falso e havia sido gerado por inteligência artificial (IA). Mas eles não conseguiram conter a sua propagação, especialmente depois que o ex-presidente russo Dmitry Medvedev repostou o vídeo, descrevendo Macron como “com medo de um assassinato real ou presumido”.
Autoridades de Bruxelas e outras capitais europeias alertam que será necessário uma maior vigilância e penalidades mais duras para as plataformas online, para combater as campanhas de desinformação da Rússia criadas para enfraquecer o apoio à Ucrânia e interferir nas eleições que serão realizadas na Europa em junho.
Com os partidos nacionalistas de tendência russa pontuando forte nas pesquisas de intenção de voto na França, Alemanha e outros países, o Kremlin tem interesse em reforçar suas mensagens, enfatizando a disposição cada vez menor do Ocidente em enviar ajuda a Kiev dois anos após a invasão em grande escala por Moscou.
Vera Jourova, a vice-presidente da Comissão Europeia que lidera o esforço contra a desinformação, alertou que as eleições para o Parlamento europeu em junho serão atingidas por uma “avalanche de desinformação”, incluindo vídeos “deepfake” criados para minar a confiança pública no voto.
Ela disse que um “esforço especial” é necessário para proteger as eleições da UE de um aumento do uso de novas tecnologias e da possível “manipulação oculta e interferência externa, especialmente da parte do Kremlin”.
Na próxima semana, a Comissão Europeia deverá anunciar regras mais duras contra a desinformação online que poderão impor multas ao TikTok, X e outras plataformas de redes sociais se elas não conseguirem reprimir deepfakes e outras notícias falsas.
Em um relatório divulgado em janeiro, o serviço diplomático da UE disse ter descoberto 750 campanhas de desinformação em 2023. O estudo categorizou as campanhas de influência estrangeiras como uma “ameaça à segurança”, especialmente durante as eleições deste ano.
A França, em particular, está reagindo. Ela encarregou a Viginum, um órgão de vigilância contra a desinformação estrangeira criado em 2021 e com uma equipe de 50 profissionais, de erradicar esses esforços de desestabilização. A Viginum não só monitora contas de redes sociais ligadas à Rússia em aplicativos de mensagens como o Telegram, como também expõe publicamente as operações para influenciar a opinião pública para aumentar a conscientização.
A Rússia tem um longo histórico de desinformação e operações psicológicas que data da Guerra Fria. Nos anos após o colapso da União Soviética, Moscou se fiou cada vez mais nas emissoras estatais de televisão Rússia Today (RT) e Sputnik para espalhar mensagens ao público estrangeiro.
Com o advento da internet, Moscou mudou para o mundo online, com fazendas de trolls, operações de hackers e campanhas de desinformação visando eleições na Europa, EUA e Reino Unido ao longo da última década.
A mudança para as campanhas online se acelerou desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, que levou a UE a banir a RT e a Sputnik, diz Maxime Audinet, pesquisador do Irsem, think tank associado às Forças Armadas francesas.
“É um jogo de gato e rato”, diz ele. “A Rússia se adaptou ao novo ambiente desde a guerra na Ucrânia e a Europa está reforçando suas defesas no espaço informativo, como aconteceu durante a Guerra Fria, quando os dois lados estavam envolvidos em uma batalha invisível.”
Como exemplo, Audinet observa como a Rússia desenvolveu cerca de 30 “sites-espelho” para a RT, para garantir que os usuários da internet na UE ainda possam acessar o canal apesar das proibições.
Autoridades francesas afirmam que a Rússia está recorrendo a operações mais “híbridas”, que combinam ações no mundo real com propaganda online, como um incidente ocorrido em novembro, quando pichações da Estrela de Davi apareceram em prédios de Paris.
Inicialmente retratados pela imprensa francesa como parte de um aumento dos incidentes antissemitas após os ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro, as pichações também evocaram lembranças da perseguição aos judeus durante o Holocausto.
Mas descobriu-se que as centenas de Estrelas de Davi azuis, um símbolo de Israel e da fé judaica, foram pintadas por cidadãos moldavos agindo em nome de um empresário que autoridades de Chisinau [capital da Moldávia] acreditam ser um agente russo.
Anatoli Prizenco nega estar na folha de pagamento do Kremlin, mas disse que fazia parte de uma rede mais ampla pró-Israel que encomendou as pichações: “Eu queria fazer algo para apoiar os judeus na Europa”, disse ele ao “Financial Times”.
As pichações foram potencializadas nas redes sociais por intermédio de uma rede de “bots” e sites de propaganda ligados à Rússia, segundo a Viginum, tudo isso numa tentativa de dividir a sociedade francesa, que abriga a maior população judaica da Europa e também a maior comunidade muçulmana.
O DGSI, serviço de segurança interna da França, descobriu que a operação foi liderada pela FSB, a agência de espionagem da Rússia, segundo informou o jornal “Le Monde”, como parte de uma campanha mais ampla que também visou a Polônia, a Espanha e a Alemanha.
“As operações de influência apoiadas pela guerra de informações e as medidas ativas exploradas por agentes de influência são os principais componentes dos conceitos de guerra não convencional da Rússia”, escreveu o Royal United Institute (RUSI) em um relatório recente.
Na França, autoridades revelaram em fevereiro uma rede de 193 sites apelidada de Portal Kombat, que segundo elas foi criada por uma companhia baseada na Crimeia para disseminar notícias pró-Rússia em francês, inglês, espanhol e alemão. Ela equivalia a um “sistema dormente” que podia ser “rapidamente ativado para saturar o espaço informativo” durante as eleições.
Autoridades alertam que mesmo informações autênticas podem ser transformadas em armas. Uma conversa grampeada de autoridades militares alemãs de alto escalão que discutiam uma questão delicada sobre o envio de mísseis poderosos para a Ucrânia, foi prazerosamente vazada pele mídia estatal russa este mês, deixando claro o quanto o Kremlin pode ser agressivo.
O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha disse em janeiro ter identificado o que acredita ser uma das maiores redes de desinformação desenvolvidas pela Rússia: 50 mil bots ativos no X que questionavam o apoio de Berlim a Kiev. A rede era notavelmente mais sofisticada do que operações passadas, segundo autoridades do Ministério das Relações Exteriores.
“O fluxo constante de mentiras visa incutir a noção de que toda informação não é confiável. Fazer com que suspeitemos de tudo”, disse em janeiro Josep Borrell, diretor de Política Externa da UE . “A desinformação enfraquece o tecido social e envenena as democracias, porque apenas a informação torna a democracia possível.”
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— Foto: Reprodução
Fonte: Valor Econômico

