O governo Donald Trump adicionou cláusulas de rescisão conhecidas como “poison pills” (pílulas de veneno) em acordos sobre tarifas comerciais feitos com países do Sudeste Asiático, criando uma nova arma diplomática na competição contra a China.
As cláusulas, incluídas em dois novos pactos assinados com a Malásia e o Camboja na semana passada, ameaçam rescindir esses acordos se o outro país firmar um tratado rival que coloque em risco “interesses essenciais dos EUA” ou “represente uma ameaça concreta” à segurança americana.
“Cláusulas são mais um prego no caixão do multilateralismo”
Segundo especialistas em comércio exterior as abrangentes cláusulas são altamente incomuns e equivalem a um “teste de lealdade” para países menores que também têm relações próximas com a China, além de ter o potencial de remodelar as futuras negociações comerciais dos EUA no Sudeste Asiático e em outros lugares.
“Isso são os EUA protegendo sua força de acesso ao mercado por meio desses acordos para tentar remodelar a ‘fábrica Ásia’ que se desenvolveu nas últimas décadas”, disse Simon Evenett, professor de geopolítica e estratégia na escola de administração e negócios IMD, em Lausanne, na Suíça.
De acordo com Evenett, as cláusulas são tão abrangentes que dão aos EUA poderes unilaterais para encerrar acordos e dão a Washington um novo poder de influência na região. O tratado com a Malásia também inclui uma provisão exigindo que o país se alinhe a sanções e outras restrições econômicas impostas pelos EUA.
“Em última análise, provisões sobre ‘poison pills’ transformam acordos comerciais de meros instrumentos comerciais em ferramentas para administrar a orientação geral da política econômica externa dos países parceiros”, escreveu Evenett em artigo.
Embora exista um precedente jurídico para cláusulas desse tipo no acordo EUA-México-Canadá, Evenett ressaltou que nesse tratado os gatilhos são definidos legalmente, e não em condições vagas como nos pactos com Malásia e Camboja.
Sam Lowe, especialista em comércio da firma de consultoria Flint Global, disse que os acordos assinados por Malásia e Camboja com os EUA são essencialmente táticos. “Antes de tudo, são tentativas de suavizar os excessos da política comercial do governo Trump; e funcionarão até o momento em que deixem de funcionar. Nesse momento, será preciso fazer algo diferente”, disse.
Segundo a chefe da área de estratégia econômica do centro de estudos Conference Board, em Bruxelas, Maria Demertzis, as cláusulas são “mais um prego no caixão do multilateralismo” e refletem as preocupações dos EUA com os esforços da China para dominar as cadeias regionais de suprimentos, embora ainda não se saiba até que ponto serão suficientes para limitar ou retardar essa integração.
“É Trump dizendo ‘eu sou o cara poderoso, é comigo que vocês lidam’, e a pergunta que você precisa se fazer é: Que poder de barganha esses países têm para recusar as ‘poison pills’? O objetivo é impedir que a China penetre o mercado americano por meio desses países da Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático]”, acrescentou.
As cláusulas de rescisão se somam às tarifas de reexportação de 40%, que os EUA estudam aplicar a produtos chineses redirecionados por meio de portos do Sudeste Asiático, que são vistas como mais um fator para afastar a China de seus parceiros na região.
Agora, analistas acompanharão o resultado das negociações em andamento sobre tarifas “recíprocas” entre os EUA e outros países do Sudeste Asiático, como Tailândia e Vietnã, para observar se essas cláusulas também serão incluídas.
O acordo comercial com a Malásia desencadeou uma forte reação no país. Críticos consideram que o tratado comprometeu a soberania do país e sua neutralidade histórica na política externa.
O Ministério do Comércio da Malásia insistiu em dizer que os EUA “não têm o poder de obrigar a Malásia a tomar qualquer decisão”. “Eles apenas requerem que sejam realizadas discussões ou consultas antes que qualquer ação seja tomada.”
Os pactos com o Camboja e a Malásia foram assinados como parte de uma blitz de tratados conduzida por Trump na recente viagem a Kuala Lumpur, onde se reuniu com líderes de países da Asean, composta por 11 membros.
De início, as negociações com muitos países da região não eram prioridade para Washington, mas as interações entre Trump e os líderes do Camboja e da Tailândia, relacionadas a um acordo de paz após conflitos violentos na fronteira no terceiro trimestre, revigoraram as conversas sobre comércio.
Os dois países asiáticos – junto com a Malásia, que mediou as negociações de paz e foi anfitriã da reunião da Asean – viram suas tarifas de importação para os EUA diminuírem de até 49% para 19%.
Por sua vez, o acordo comercial entre EUA e Tailândia foi adiado em razão da recente mudança de governo em Bangkok.
As negociações com o Vietnã vêm sendo mais difíceis. “Hanói está trabalhando em busca de melhores condições, uma estratégia que também traz riscos, e se sente prejudicada por ser alvo de uma tarifa de 20%, enquanto a maioria dos outros países da Asean recebeu uma de 19%”, disse Peter Mumford, chefe para o Sudeste Asiático da Eurasia Group.
Fonte: Valor Econômico

