Por Ciara Nugent, Financial Times — Financial Times
07/08/2023 16h45 Atualizado há 16 horas
O candidato de extrema direita à presidência da Argentina diz que a austeridade imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) é “pequena” em comparação ao que o país precisa e acusa o fundo de agir em interesse próprio ao manter o apoio à terceira maior economia da América Latina.
Javier Milei, economista e congressista, disse ao “Financial Times” que o FMI, que já ofereceu à Argentina 22 pacotes de ajuda — o mais recente em 2022 para substituir um acordo fracassado de 2018 —, “não se importa” com desafios profundamente enraizados enfrentados pelo país.
“O FMI é apenas um bando de burocratas que sabem que o negócio de um banco é cobrar juros”, disse. “Se eu for eleito, será para resolver os problemas argentinos.”
O país e o FMI firmaram, após meses de intensas negociações, um acordo na semana passada para evitar que sua economia fique inadimplente com a organização. O FMI concordou em liberar US$ 7,5 bilhões sob a condição de Buenos Aires desvalorizar o peso, inflado artificialmente, e impôs cortes nos gastos para o país atingir uma meta de déficit orçamentário estabelecida antes que a seca deste ano prejudicasse as exportações.
No entanto, Milei afirmou que o que o FMI pediu é “pouco em comparação ao pacote de austeridade que estou propondo”. Ele também disse que ultrapassará “todas as metas” do problemático programa de US$ 44 bilhões do país com o FMI, se for eleito.
Milei, que ganhou destaque como comentarista de televisão criticando a má gestão econômica pela classe política, está concorrendo às eleições presidenciais de outubro com a promessa de encolher dramaticamente o Estado e dolarizar a economia para acabar com a inflação, que chegou a 115,6% em junho.
Milei crê que seus planos de austeridade e dolarização “reduzirão o risco-Argentina”, aumentando a demanda por dívida do governo e removendo a necessidade das linhas de salvamento do FMI para manter a economia à tona.
Embora seu ímpeto tenha esfriado — o partido de Milei, La Libertad Avanza (LLA), está atrás da coalizão populista e peronista que está no poder, a Unión por la Unión por la Patria (UxP, sucessora do Frente de Todos), e o bloco de oposição pró-negócios Juntos por el Cambio (JxC) —, analistas afirmam que Milei já causou um impacto significativo nas eleições.
Segundo eles, ele arrastou o debate da Argentina para a direita após décadas de desvio para a esquerda sob a influência da ex-presidente peronista Cristina Kirchner. “Milei permitiu aos políticos falar de coisas que haviam se tornado politicamente incorretas na Argentina: corte de programas sociais, responsabilidade fiscal, desperdícios do governo”, diz Ana Iparraguirre, consultora política de Buenos Aires e sócia da GBAO, uma firma de estratégias dos EUA. “Esse impacto será duradouro.”
A imagem de “outsider” e as opiniões controvertidas de Milei, desde a negação das mudanças climáticas ao apoio à legalização da venda de órgãos humanos, levaram a comparações com os ex-presidentes Donald Trump, dos EUA, e Jair Bolsonaro, do Brasil.
Mas Milei, cuja campanha vem se concentrando mais na economia do que no nacionalismo ou no conservadorismo social, minimiza isso. “Concordamos que o inimigo é o socialismo. Fora isso, cada um de nós tem suas particularidades.”
Algumas pesquisas mostram um apoio particularmente forte a Milei entre os eleitores jovens. Em uma aparição surpresa de campanha em um shopping center de Buenos Aires, no começo deste mês, dezenas de adolescentes e jovens se juntaram para tirar selfies com Milei. “Todo mundo da minha idade diz que quer ir embora da Argentina”, afirma Silvina Sánchez, 20. “Milei é o único candidato que realmente quer mudar este país para que possamos ficar.”
No entanto, a comunidade empresarial da Argentina desconfia da personalidade irascível de Milei – até mesmo os amigos dizem que ele tem pavio curto e várias vezes, frustrado, ele levantou a voz na entrevista ao “Financial Times” – e de sua visão extrema sobre a sociedade voltada para o mercado.
Milei – que tem quatro cachorros chamados Milton, Murray, Robert e Lucas, em homenagem aos economistas americanos – disse que “falhas de mercado não existem” e descartou subsídios do Estado para estimular setores incipientes como o da energia verde. Ele também defende que toda a infraestrutura seja construída por empresas privadas.
Gustavo Weiss, presidente da associação de construtoras da Argentina, disse que “apenas 15% a 20%” dos projetos podem ser entregues exclusivamente pelo setor privado, citando o longo horizonte de retorno ou a falta de lucros em áreas como a pavimentação de vias urbanas. “O mercado não pode resolver tudo. Até os países mais liberais do mundo sabem disso.”
Os preços dos bônus soberanos da Argentina aumentaram nos últimos meses em grande parte devido às crescentes expectativas de que um candidato de centro-direita vencerá as eleições em outubro. Os candidatos do Liberdade Avança obtiveram em média apenas 4% dos votos nas eleições provinciais recentes, que Milei atribui à dificuldade de “traduzir a confiança dos eleitores [nele] para os outros”.
Um sucesso surpreendente de Milei na primeira data do calendário eleitoral, a eleição primária nacional obrigatória no domingo, “seria o caos” para o mercado, disse Fernando Marull, fundador da consultoria FMyA de Buenos Aires.
O compromisso de Milei com a dolarização é uma preocupação para os investidores. “A economia argentina não está intimamente ligada aos EUA, de modo que decisões tomadas pelos EUA sobre a política monetária muitas vezes não seriam apropriadas para a Argentina”, diz Alejandro Werner, um ex-diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental.
Milei descarta um cenário em que os argentinos sejam atingidos por aumentos das taxas de juros nos EUA durante uma desaceleração econômica local. “Se você tem medo, deveria obter um empréstimo de taxa fixa, ou se você estiver em uma taxa variável, você se protege dos riscos usando derivativos.”
Milei citou um “menu” de opções para levantar os US$ 40 bilhões que ele alega serem necessários para converter pesos à taxa de câmbio do mercado.
Uma delas é oferecer ao mercado dívidas do governo mantidas pelo setor público, o que segundo afirmam os críticos poderia fazer os preços dos títulos despencarem. Outra é estabelecer uma confiança nos ativos argentinos mantidos pelos EUA, como as ações do grupo estatal de energia YPF, para usar como garantia na emissão de novos títulos.
Milei é um anglófilo — fã de Margaret Thatcher e Winston Churchill, além de cantor em uma banda tributo aos Rolling Stones na adolescência.
Mas como modelo econômico para a Argentina, ele citou a Irlanda, cujo regime de impostos baixos atraiu grandes empresas multinacionais para o país. “Eles fizeram reformas e seu PIB per capita mais do que sextuplicou em 30 anos”, disse ele. “Eu gostaria que a Argentina fosse como a Irlanda.”
Fonte: Valor Econômico
