Por Demetri Sevastopulo, Eleanor Olcott e Joe Leahy, Financial Times — Hiroshima, Hong Kong e Pequim
22/05/2023 12h53 Atualizado há 13 horas
A previsão do presidente dos EUA, Joe Biden, quanto a um iminente “descongelamento” das relações entre EUA e China foi logo seguida por um lembrete do grau de tensão ainda existente entre Washington e Pequim.
Horas depois da fala do presidente dos EUA no fim do encontro do G-7 (grupo das sete maiores economias ricas) no domingo, a China ordenou que algumas das empresas locais de infraestrutura deixassem de comprar chips da fabricante americana Micron.
O anúncio chinês evidenciou o desafio que é estabilizar as relações EUA-China depois que Biden e outros líderes teceram duras críticas a Pequim no comunicado final do G-7 — embora também tenham reconhecido a necessidade de cooperar com a China.
O comunicado provocou uma resposta irritada de Pequim, que convocou o embaixador do Japão na China para protestar.
Segundo especialistas em política externa chinesa, o comunicado do G-7 — que também mostrou o sucesso dos EUA e Japão em persuadir os europeus, como Alemanha e França, a adotar uma posição mais dura contra a China — vão complicar ainda mais as relações.
“O comunicado do G-7 faz acusações contra a China em todas as dimensões”, disse Wu Xinbo, diretor do Instituto de Estudos Internacionais, da Universidade Fudan, em Xangai. Isso deixará a “China ainda menos disposta a cooperar com o G-7 para resolver questões de interesse deles”, acrescentou.
Há meses, Washington e Pequim tentam avançar um acordo acertado entre Biden e o presidente Xi Jinping na Indonésia em novembro de 2022 para estabelecer um “piso” para o relacionamento. O balão-espião chinês encontrado no espaço aéreo dos EUA neste ano — ao qual Biden se referiu no domingo como um “balão tolo” — levou Washington a cancelar uma visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a Pequim.
No sábado, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, reiterou que as conclusões do G-7 não afetariam os esforços para reagendar a viagem de Blinken nem para acertar possíveis visitas da secretária do Tesouro, Janet Yellen, e da secretária de Comércio, Gina Raimondo.
Dennis Wilder, ex-analista da CIA na China e ex-funcionário da Casa Branca, acredita que Xi ainda prosseguirá com “esforços táticos” para tentar alcançar o que foi discutido com Biden. “Isso exige um ambiente internacional estável no qual os EUA e aliados não descolem suas economias da China ou tomem medidas para levar Taiwan à independência”, disse Wilder.
Um possível foco é a economia. “Os chineses parecem querer se empenhar num esforço para estabilizar as relações EUA-China […] em parte em razão de preocupações com a economia”, disse Bonnie Glaser, especialista em China do German Marshall Fund.
Um primeiro teste para a reaproximação entre as duas potências acontecerá nesta semana, quando o ministro do Comércio da China, Wang Wentao, se tornará o primeiro alto funcionário chinês a visitar Washington desde 2020. Wang deve se encontrar com a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, numa reunião do Fórum de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec, na sigla em inglês) em Detroit e depois viajar a Washington para reunir-se com Raimondo.
A China também fez um aceno de distensão depois que o jornal estatal “Global Times” classificou, no fim de semana, que a agenda de reuniões de Wang mostram que ambos os lados “reconheceram a importância das relações econômicas e comerciais”.
Embora os encontros de Wang nos EUA e as possíveis visitas de Yellen e Raimondo à China possam ajudar a aliviar as tensões na área comercial, especialistas dizem que as divergências entre os dois países agora estão muito mais centradas em questões de segurança nacional relacionadas à tecnologia, medidas de coerção econômica e tensões sobre Taiwan.
Mas um ex-funcionário do governo dos EUA advertiu que a mais nova tensão, em torno da Micron — empresa que, segundo um órgão regulador de Pequim, representa riscos à segurança nacional — teria sérias ramificações para as relações entre EUA e China. “A liderança chinesa deveria entender que esta ação tornará impossível estabilizar as relações, e que a tentativa de ‘matar’ a Micron resultará em ações de distanciamento muito mais fortes e de longo alcance por parte do governo Biden e do Congresso dos EUA”, disse.
Embora EUA e China queiram melhorar as relações, alguns especialistas questionam se o envolvimento entre as autoridades terá muito impacto, tendo em vista que Washington e Pequim parecem empenhados em manter medidas às quais o outro lado se opõe.
Wu disse não ter “grandes expectativas” de muito progresso, ressaltando que a eleição presidencial dos EUA em 2024 e a candidatura de Biden significam que a política guiará a agenda de Washington em relação à China.
Zhao Hai, diretor do Instituto Nacional de Estratégia Global, do centro de estudos governamental da Academia Chinesa de Ciências Sociais, acrescentou que há uma grave falta de confiança entre os dois lados. Ele citou os controles de exportação adotados pelos EUA contra a China logo após Biden e Xi se encontrarem na Indonésia.
“Mesmo que continuemos a nos comunicar, não há frutos, não há resultados”, disse Zhao. “Agora é nossa vez de querer ver resultados”, acrescentou.
Fonte: Valor Econômico

