As autoridades chinesas estão exigindo que indivíduos ricos e empresas verifiquem novamente seus impostos para obrigações não pagas, em uma medida que ameaça afetar ainda mais a confiança dos investidores na segunda maior economia do mundo.
Nos últimos meses, as autoridades fiscais solicitaram a pessoas ricas e empresas a realização de “autoinspeções” de seus pagamentos de impostos e que corrijam quaisquer deficiências, enquanto os governos locais tentam arrecadar recursos para reabastecer os cofres esvaziados por uma crise no setor imobiliário.
A campanha de arrecadação de impostos acontece no momento em que Pequim se prepara para anunciar os detalhes de um grande pacote de estímulos fiscais esta semana, que deverá se concentrar no restabelecimento das finanças dos governos locais, muitos dos quais estão tendo problemas para pagar fornecedores e funcionários.
Economistas estão depositando suas esperanças no pacote, a nova fase de um estímulo que começou em setembro, para ajudar a restabelecer a confiança das famílias e dos investidores após dois anos de pressões deflacionárias causadas pela crise imobiliária. Pequim lançou o esforço quando o crescimento econômico no terceiro trimestre ficou aquém da meta oficial de 5% para este ano.
As exigências fiscais vêm provocando desconforto e até mesmo “medo” entre os chineses ricos em cidades como Pequim, Xangai e Shenzhen, segundo um profissional em questões tributárias baseado em Pequim.
Investimentos no exterior
“Alguns deles simplesmente não souberam o que declarar quando foram solicitados a fazer as autoinspeções. Muitos também não perceberam antes que seus ganhos pessoais no exterior estariam sujeitos a impostos na China”, disse ele.
Empresas que não encontraram nada de errado durante suas autoinspeções foram instruídas a enviar atestados carimbados e a “reter suas evidências para inspeção”, segundo consta de um aviso a que o “Financial Times” teve acesso.
As autoridades também pediram que os indivíduos comecem a pagar impostos atrasados, inclusive sobre seus ganhos pessoais com investimentos no exterior, segundo disseram fontes a par do assunto, citando em alguns casos uma disposição legal pouco usada de 2019.
Um advogado disse que seus clientes ricos conseguiram negociar com as autoridades tributárias, sugerindo que há alguma “margem de manobra” em suas possíveis obrigações fiscais.
O esforço dos governos central e locais para aumentar a arrecadação, que também inclui um grande aumento nas multas e penalidades impostas ao setor privado, segue-se a uma desaceleração de três anos no setor imobiliário que atingiu as finanças das autoridades locais e minou a confiança das famílias e dos investidores.
Queda nas receitas fiscais
As receitas governamentais com as vendas de terrenos – uma de suas maiores fontes de arrecadação – caíram quase 25% nos primeiros nove meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. A receita tributária nacional caiu 5,3% no mesmo período. A receita fiscal total da China entre janeiro e setembro deste ano caiu 2,2% comparado ao mesmo período do ano passado, para cerca de 16,3 trilhões de yuans (US$ 2,3 trilhões), segundo dados oficiais.
“Obviamente, os governos locais estão sem dinheiro”, diz um executivo de uma empresa manufatureira de médio porte de Suzhou, um dos corações industriais da China perto de Xangai. Ele acrescenta que eles estão aplicando frequentemente multas pesadas a empresas de sua área.
“Os déficits da China atingiram um ponto crítico”, diz Gary Ng, um economista sênior da Natixis. “Há mais urgência em encontrar fontes de receita alternativas… e taxar os ricos e algumas empresas cria um impacto econômico menos direto sobre a maioria dos habitantes.”
O esforço da China por uma “cobrança rigorosa de receitas” é “pragmático e forçado pelos ventos econômicos predominantes”, diz Kher Sheng Lee, chefe adjunto na Ásia-Pacífico da Alternative Investment Management Association, um órgão do setor de fundos hedge. “Por outro lado, ele corre o risco de afetar a confiança das empresas e dos investidores se a repressão se ampliar.”
Nos últimos meses, houve uma onda de anúncios de empresas de capital aberto sobre suas contas de impostos. Em outubro, a Hisun Pharmaceutical disse que descobriu que devia 18 milhões de yuans em impostos e taxas atrasados, durante uma “autoinspeção”. Em setembro, a Allgens Medical de Pequim pagou 8 milhões de yuans, após seu departamento fiscal local notificá-la sobre “preocupações com riscos fiscais” de anos anteriores, levando-a a fazer uma autoinspeção. A iniciativa da Guizhou Gas resultou em um pagamento de 20 milhões de yuans extras em impostos.
Além de ordenar as autoinspeções, os governos locais impuseram multas às empresas para tentar compensar a queda das receitas com vendas de terrenos.
Sete de 16 províncias mostraram um forte crescimento nas receitas de multas e confiscos no ano passado, com Chongqing (no oeste) e a capital, Pequim, informando aumentos de 22,4% e 21,9%, respectivamente, segundo o meio de comunicação chinês Yicai. Muitos governos locais pararam de divulgar as receitas de multas devido ao crescimento “anormal” nos últimos meses, segundo informou a imprensa local.
“Esse tipo de coisa – autoridades locais cobrando multas e impostos extras das empresas – está acontecendo todos os dias e está afetando a moral”, diz um professor de economia de Pequim, que preferiu ficar no anonimato.
A China possui uma administração fiscal central de nível nacional, mas os fiscais locais geralmente lidam com os impostos dos indivíduos e das empresas registradas em suas respectivas regiões. A administração tributária nacional da China não respondeu a um pedido para comentários.
Em junho, a administração disse que não havia organizado nenhuma inspeção fiscal nacional e que havia enviado notificações de rotina para algumas companhias para assegurar que elas estivessem aplicando corretamente as políticas fiscais.
Mas Pequim implementou recentemente novas atualizações em seu sistema de vigilância fiscal e agora é capaz de compartilhar melhor os dados entre diferentes departamentos governamentais, instituições financeiras e autoridades fiscais, em um aumento do escrutínio e da fiscalização.
Ng, da Natixis, diz que o esforço de coleta de impostos visando os ricos e as empresas privadas “poderá não ser suficiente”, acrescentando que as autoridades provavelmente “considerarão em algum momento cobrar impostos relacionados às propriedades, e também a ampliação da base fiscal”.
Fonte: Valor Econômico

