Por Martin Arnold, Financial Times — Frankfurt
11/09/2022 15h29 Atualizado há 18 horas
O Banco Central Europeu (BCE) concordou em começar a discutir, no início de outubro, a redução de seu balanço, o que aumenta as pressões sobre os orçamentos já sobrecarregados dos governos do sul da Europa.
As autoridades monetárias da zona do euro reuniram-se na última quarta-feira e elevaram os juros em 0,75 ponto percentual para enfrentar o nível recorde de inflação. Mas algumas delas também questionaram por quanto tempo a instituição poderá manter sua carteira de 5 trilhões em bônus — acumulada ao longo dos últimos sete anos — nas atuais dimensões.
Duas pessoas envolvidas nas negociações disseram que o BCE provavelmente decidirá até o fim do ano reduzir a quantidade de bônus por vencer que substitui, em uma carteira predominantemente formada por papéis governamentais, que deixou de reforçar só em julho.
A mudança proposta, que faz o balanço de um banco central encolher e é conhecida como aperto quantitativo (“quantitative tightening”, ou QT), pode entrar em vigor no primeiro trimestre de 2023, disseram as fontes.
O BCE informou na sexta-feira: “O conselho diretor não discutiu nem o mérito nem o momento em que será adotado qualquer aperto quantitativo futuro”.
Uma mudança alinharia o BCE a outros bancos centrais relevantes, como o Federal Reserve dos EUA e o Banco da Inglaterra. Tanto o BC do Reino Unido quanto o dos EUA já começaram a diminuir suas carteiras de bônus como parte de seus esforços destinados a enfrentar a disparada da inflação por meio da alta dos custos de financiamento, o que levou a acusações de que as autoridades reunidas em Frankfurt permanecem “atrás da curva”.
A discussão sobre encolher o balanço do BCE deverá começar na reunião do conselho diretor em Chipre, em 5 de outubro, quando não haverá decisões de política monetária. Qualquer anúncio sobre a questão é pouco provável antes dos últimos meses deste ano, com a primeira oportunidade para isso sendo possivelmente a reunião de política monetária em Frankfurt em 27 de outubro.
A presidente do BCE, Christine Lagarde, disse na quinta-feira que “agora não é o momento” de começar a diminuir a carteira de bônus.
O balanço do BCE — que inclui ativos mantidos pelos bancos centrais nacionais da zona do euro — aumentou a partir dos 2,21 trilhões de euros contabilizados no fim de 2014 para os 8,76 trilhões de euros apurados neste verão (de junho a setembro no hemisfério Norte), devido a ondas extravagantes de compras de bônus destinadas a enfrentar a baixa inflação e apoiar a economia durante a pandemia. Com a inflação atual de 9,1%, percentual mais de quatro vezes superior à meta, as autoridades questionaram se é de bom senso manter as carteiras de bônus na magnitude atual.
“Alcançamos um ponto em que, quanto mais reforçarmos as taxas de juros de curto prazo, mais incoerente ficará para nós ter um balanço no ponto em que está e ter o programa de reinvestimentos que temos”, disse uma pessoa envolvida nas discussões. Outra pessoa disse: “Os reinvestimentos [de bônus por vencer] podem continuar, mas não precisam ser equivalentes aos resgates, e isso fará com que o balanço encolha”.
No entanto, se o BCE reduzir a quantidade de bônus que compra a título de reinvestimento, tenderá a aumentar os custos de tomada de empréstimos de longo prazo para os governos da zona do euro, que já dispararam para níveis próximos às altas recordes de oito anos nas últimas semanas.
O rendimento do bônus de 10 anos da Itália subiu a mais de 4% na sexta-feira, nível mais de cinco vezes superior ao do ano passado. Os custos de empréstimos de Roma estão sendo puxados para cima pela alta dos juros do BCE, por temores com relação ao custo de neutralizar o impacto dos elevados preços da energia a famílias e empresas e pela ansiedade em torno da potencial volatilidade política após a eleição no país, neste mês.
No entanto, as autoridades ficaram cada vez mais alarmadas com a inflação da zona do euro, descrita por Lagarde como “alta demais”, superior à meta de 2%.
“O atual percentual da inflação está tão descompassado com a nossa meta que temos de reagir”, disse uma pessoa envolvida nas discussões da semana passada. O BCE provavelmente continuará elevando as taxas de juros até a inflação começar a cair, mesmo que a crise energética provocada pelo corte pela Rússia do fornecimento de gás arraste a zona do euro para uma recessão, acrescentou a fonte.
Lagarde resumiu a posição mais linha dura tomada pela instituição ao dizer que aumentar os juros pouco fará para “convencer os grandes atores deste mundo a reduzir os preços do gás”, mas que a medida “transmitirá um forte sinal às pessoas de que levamos as coisas a sério e de que contribuiremos para reduzir a inflação”. Ela disse que o BCE pretende “diminuir a demanda e se defender do risco de uma alta persistente das expectativas de inflação”.
Algumas autoridades do BCE que participam da fixação das taxas estão preocupadas que os juros de longo prazo permanecerão baixos demais se a instituição continuar a comprar bilhões de euros em bônus a cada mês, via reinvestimentos, promovendo, ao mesmo tempo, a alta dos custos de empréstimos de curto prazo por meio do aperto monetário.
Isso cria o risco, disseram, de inversão da curva de rendimentos, pela qual o custo dos empréstimos de curto prazo subirá para níveis superiores ao custo dos empréstimos de mais longo prazo. Um resultado desse gênero seria um problema para os bancos da zona do euro, que dependem da possibilidade de tomar empréstimos a custos mais baixos, a taxas de curto prazo, do que o que ganham com empréstimos de longo prazo.
As negociações de outubro se concentrarão em reduzir o volume de reinvestimentos feitos pelo BCE na principal carteira de 3,26 trilhões de euros em bônus, predominantemente constituída por papéis do governo, mas também de bônus corporativos, bônus cobertos e títulos lastreados em ativos. Os reinvestimentos nessa carteira deverão alcançar neste ano 299 bilhões de euros, segundo Frederik Ducrozet, diretor de pesquisa macroeconômica do Pictet Wealth Management.
O BCE planeja continuar os reinvestimentos em uma carteira distinta, de 1,7 trilhão de euros, que adquiriu sob o programa de compras emergenciais (PEPP), lançado em resposta à pandemia. O banco disse que reinvestimentos pelo PEPP poderão seguir até o fim de 2024.
Fonte: FT / Valor Econômico

