Por Edward Luce, Financial Times
28/02/2024 16h54 Atualizado há 15 horas
A história padrão do declínio das grandes potências é que elas extrapolam e vão à falência. Nada desse tipo está acontecendo com os Estados Unidos. O país pode estar moralmente exposto a conflitos no exterior que carecem de apoio interno. Contudo, representando pouco mais de 3% do PIB, o orçamento do Pentágono pode ser facilmente sustentado. A não ser que um meteoro caia, os EUA não irão quebrar.
No entanto, por razões muito diferentes, os americanos tanto da esquerda como da direita acreditam que sua república está à beira do abismo. As medidas convencionais esclarecem pouco sobre o do por que. No ano passado a economia dos EUA cresceu 2,5%, mais do que o crescimento do ano anterior, de 1,9%. O crescimento deste ano promete ficar entre esses dois números. O desempenho do país está em linha com o das últimas duas décadas. Comparado com o de qualquer outra nação avançada, porém, ele é estelar.
O outro caminho para a ruína é moral: o centro político é vítima da autoindulgência e da complacência. O músculo civilizacional se transforma em gordura. É difícil reconciliar esse quadro com as elites “workaholics” dos EUA.
A recuperação da pandemia também se baseou na tecnologia de vacinas desenvolvidas internamente. A 3,7%, a taxa de desemprego está próxima do menor patamar em 50 anos. Muitos dos empregos são precários e mal remunerados – mas eles são melhores que a alternativa.
Então, qual é o problema com os EUA? Não é preciso recapitular a ameaça que Donald Trump representa para a democracia dos EUA, ou as dúvidas populares sobre a idade de Joe Biden. Esses temas predominarão entre agora e novembro. Aqueles que estão fartos de uma eleição que parece destinada a uma repetição sem fim (algo como o filme “O Feitiço do Tempo”), deveriam se mudar para uma caverna ou outro hemisfério. Dois meses se passaram no ano infernal da república.
Em 2024, a política dos EUA está enfrentando uma tempestade perfeita de ódio partidário em uma sociedade em que os algoritmos se tornam cada vez mais hábeis em gerar indignação entre a maioria exausta. As condições são as melhores possíveis para um empresário ultrajado como Trump. O resto do ano promete ser mais desagradável do que qualquer coisa que já vimos.
O custo de oportunidade para os EUA é grande. Em tempos normais, os partidos estariam debatendo o tamanho do déficit fiscal do país, que disparou desde a pandemia e deverá permanecer elevado. Grandes déficits fiscais representam uma ameaça? Caso afirmativo, a solução deveria ser impostos mais altos ou gastos menores? Eles também deveriam estar discutindo o futuro dos militares americanos.
Alguns acreditam que o país precisa aumentar muito seu orçamento de defesa em um momento de crises múltiplas. Outros querem repatriar a presença militar dos EUA. A história mostra que as civilizações ascendem e declinam com base nos resultados de tais discussões. Nos EUA de hoje, elas mal merecem um minuto de exposição no horário nobre. Essas questões estão confinadas a pequenos grupos de criaturas dos pântanos de Washington.
No entanto, a culpa não é da complacência. Os EUA se tornaram uma sociedade desconfiada e, em muitos aspectos, paranoica. A causa básica é a aversão mútua entre dois países muito diferentes. Eles desprezam os valores um do outro e rapidamente acreditam no pior do outro. As plataformas das redes sociais garantem que assim seja. Ao ponto em que quaisquer questões reais que vierem a ser expostas na campanha, serão, em sua maioria, embates de soma zero sobre a identidade dos EUA. A imigração, os direitos reprodutivos das mulheres, os temores com a criminalidade e questões sobre a diversidade ocuparão a maior parte do tempo de transmissão. Mesmo que Biden consiga uma vitória em novembro, seria um ato de muita fé acreditar que isso desarmaria a política dos EUA.
Nos próximos dias, pela enésima vez o Congresso fará o papel de covarde em relação à paralisação do governo. Se ela não acontecer desta vez, acontecerá na próxima. A ameaça de uma paralisação do governo federal é agora tão rotineira quanto as estações do ano.
O mesmo se aplica ao espectro de um calote soberano dos EUA. Cada movimento republicano é existencial. O apoio dos EUA à Ucrânia também está em jogo. O elevado retorno em dólares do apoio à sobrevivência de uma nação menor contra o adversário mais perigoso dos EUA é vítima da política de soma zero.
A história oferece uma cura? A doença dos EUA é uma Guerra Fria civil. É questionável o que o passado do mundo pode nos dizer sobre essa mistura nacional muito específica de boa sorte e autoaversão.
Os impérios antigos adotaram homens fortes para enfrentar a instabilidade. No caso dos EUA, isso poderia partir o país. Uma vitória apertada de Trump provocaria resistência e a ameaça de secessão por parte dos estados liberais. Um mandato apertado de Biden provavelmente ficaria sitiado. Seja o que for, os inimigos dos EUA provavelmente sentirão mais aberturas. O velocímetro nos diz que os EUA estão em velocidade de cruzeiro. Na prática, a recuperação não parece estar sendo registrada.
Fonte: FT / Valor Econômico

