Um ano atrás, a tensão entre os Estados Unidos e a China era tão forte que Janet Yellen não conseguiu permissão para ir até lá. Hoje, a secretária do Tesouro dos EUA faz sucesso nas redes sociais na China. As duas viagens de Yellen – a mais recente na semana passada, quando recebeu tratamento VIP – não renderam mudanças de posição em Pequim: os EUA e a Europa continuam a sofrer com o dumping de mercadorias da China. Na quarta-feira, o presidente americano, Joe Biden, disse que iria triplicar as tarifas sobre as importações de aço chinesas – uma jogada eleitoral pura, já que elas respondem por apenas 0,6% da demanda total de aço dos EUA. Ainda assim, grande parte da ameaça foi drenada da relação mais perigosa do mundo. Parte disso decorre da interação da China com uma autoridade que para muitos lembra a avó favorita. “Existe um elemento pessoal nisso”, diz Yellen. “Ele envolve respeito e escutar o outro lado.”
No clima atual dos EUA, até mesmo falar com a China de uma maneira civilizada põe uma pessoa sob suspeita. Isso é uma verdade mesmo que ela esteja “discordando em um tom agradável”, como faz Yellen. É assim também que o conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, interage com Wang Yi, o ministro das Relações Exteriores da China. Mas esses diálogos que parecem improdutivos levaram a um degelo gradual na guerra fria entre os EUA e a China. É da natureza dos meios de comunicação só notar quando as coisas dão errado. O discurso de Biden sobre “concorrência administrada” não é nem uma distensão nem uma guerra. Contudo, quando as tensões entre os EUA e a China crescerem de novo, como sem dúvida crescerão, esse trabalho de cultivo ajudará.
É muito pouco provável que Yellen tenha algum sucesso com relação ao dumping chinês. E isso apesar de que a União Europeia e outros países partilham a preocupação dos EUA de que seus setores automobilístico e de energias renováveis possam ser afetados de maneira desastrosa por rivais chineses fortemente subsidiados. O problema do excesso de capacidade da China deve se agravar mais. Elon Musk, cuja Tesla passa por uma fase difícil, abandonou faz pouco tempo os planos de lançar um veículo elétrico ao preço reduzido de US$ 27 mil. Ele ainda custaria quase o triplo do que seus concorrentes da chinesa BYD.
Yellen apresentou essas queixas a seu equivalente chinês, He Lifeng, sem sucesso. Mas de uma perspectiva mundial, as ações da China parecem menos absurdas. Os EUA também subsidiam seus setores de veículos elétricos e de energia limpa. A mal chamada Lei de Redução da Inflação de Biden é uma versão light da solução chinesa para o mesmo problema. O fato de a China inundar os mercados mundiais com produtos baratos ligados a energias renováveis – baterias, painéis solares e turbinas eólicas – é ótimo em termos de emissões de gases de efeito estufa, mas ruim para os empregos na manufatura americana. Yellen diz que haverá mais tarifas punitivas se a China se recusar a mudar seu comportamento. De qualquer modo, a humanidade como um todo se beneficia dessa disputa específica sobre subsídios.
Em algumas áreas eles até trabalham juntos. Quando Donald Trump assumiu como presidente, ele abandonou o diálogo estratégico e econômico entre os EUA e a China que fora estabelecido por George W. Bush e expandido com Barack Obama. Em tudo menos no nome, Yellen ressuscitou a parte econômica desse diálogo. He e ela criaram grupos de trabalho bilaterais sobre dinheiro ilícito, estabilidade financeira mundial e finanças verdes.
O primeiro deles trata também do fentanil, que está matando centenas de milhares de americanos e vem principalmente da China. O deputado Mike Gallagher, que preside a comissão linha-dura da Câmara sobre o Partido Comunista Chinês, afirmou esta semana que o partido “quer mais americanos mortos”. Isso é caricaturesco. Na prática, Yellen diz que a China finalmente começou a tomar medidas para conter o problema: “Agora eles estão sendo cooperativos a respeito do fentanil.”
As forças armadas dos dois países também voltaram a dialogar – uma medida de segurança contra o risco de um erro de cálculo letal em relação a Taiwan. Na terça-feira, Lloyd Austin, o secretário de Defesa dos EUA, conversou pela primeira vez com seu equivalente chinês, Dong Jun. Estas rotinas são importantes precisamente porque é provável que o problema estrutural entre a China e os EUA seja insolúvel. Mesmo que os dois países não fossem, respectivamente, a autocracia e a democracia mais poderosas do mundo, uma China em ascensão estaria destinada a entrar em conflito com o líder mundial. O plano de proteção de tecnologias essenciais de Sullivan para semicondutores e inteligência artificial da China, o “quintal pequeno com uma cerca alta”, continua a se expandir para se tornar um pátio de tamanho médio com uma cerca mais alta. Isso poderia levar ao desacoplamento econômico que as autoridades de Biden juram que não é o objetivo dos EUA.
Seja como for, Biden está tentando encontrar uma maneira de minimizar os riscos de um confronto do tipo “armadilha de Tucídides” entre os poderes hegemônicos e em ascensão da nossa época. Isso incorpora as ambições do presidente chinês, Xi Jinping, de suplantar os EUA, antes de mais nada na sua parte do mundo. Também leva em consideração as vozes mais barulhentas de Washington que instam Biden a fazer o que for necessário para manter a China no seu lugar. A realidade é que se a China e os EUA não aprenderem a tolerar um ao outro, o aquecimento global parecerá o menor dos nossos problemas. Às vezes, o cachorro que não late merece ganhar um osso.
(Tradução de Lilian Carmona)
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— Foto: Ting Shen/Bloomberg
Fonte: Valor Econômico

