Nos últimos dias, o Reino Unido testemunhou seus piores distúrbios sociais em mais de dez anos. O país deveria estar desfrutando dos benefícios da estabilidade política resultante da grande maioria conquistada pelo Partido Trabalhista, de “sir” Keir Starmer, nas eleições gerais de 4 de julho. Em vez disso, o novo governo agora se depara com casos de vandalismo e violência em cidades e vilarejos pelo país.
Os manifestantes, alguns inspirados por grupos de extrema direita, atacaram policiais e fizeram cercos a mesquitas. No fim de semana, uma multidão até invadiu um hotel que abrigava solicitantes de asilo. Na noite de domingo, o número de prisões havia chegado a 420.
Os tumultos são um lembrete de que ressentimentos latentes, ainda que nutridos por uma minoria, podem rapidamente entrar em metástase e transbordar em violência. Os episódios foram desencadeados pelo assassinato de três jovens na cidade de Southport, no Noroeste do Reino Unido, em 29 de julho. Informações falsas de que o culpado era um solicitante de asilo muçulmano circularam pelas plataformas de relacionamento social on-line, o que remexeu preconceitos anti-imigrantes e anti-islâmicos que estavam em estado latente.
O suspeito não era nem migrante nem muçulmano. Os fatos, contudo, eram irrelevantes para os manifestantes, muitos dos quais queriam exercer sua própria justiça popular ou simplesmente aproveitar o caos para saquear.
A secretária do Interior do Reino Unido, Yvette Cooper, descreveu os criminosos como uma “minoria brutal”. De fato, muitos dos distúrbios foram confrontados por manifestantes contrários, e comunidades de várias religiões e origens se uniram para ajudar a limpar as ruas. O comportamento agressivo vem de uma minoria marginal.
Os britânicos têm uma das atitudes mais positivas em relação à imigração na Europa, de acordo com pesquisas recentes. O país também tem mais sucesso em integrar imigrantes na sociedade do que outros países avançados, apesar do que a extrema direita possa pensar.
Ainda assim, os distúrbios representam um grande teste para o governo de Starmer. Primeiro, a lei e a ordem precisam ser rapidamente restauradas. Isso significa incrementar a presença policial e assegurar que a justiça para os culpados seja rápida. Após uma reunião emergencial nesta segunda-feira nas Salas de Reunião do Gabinete (Cobra, na sigla em inglês) para decidir como reagir, o primeiro-ministro disse que a polícia teria acesso a um “exército permanente de oficiais especializados” e que o sistema jurídico seria reforçado.
Os tumultos, porém, também são um lembrete de que o sistema de justiça penal do Reino Unido precisa de investimento de longo prazo; os policiais são poucos para a área necessária de atuação, os tribunais já estão sobrecarregados e as prisões estão perto da capacidade máxima. O sistema precisa estar pronto para lidar com eclosões como esta e precisa atuar como um fator crível de dissuasão.
Em segundo lugar, as autoridades precisam trabalhar com as empresas de plataformas sociais on-line para ajudar a prevenir a disseminação de informações falsas e convocações on-line à violência. Rumores sobre o agressor de Southport se disseminaram pela plataforma X, antes de sua verdadeira identidade ser revelada. Infográficos promovendo os protestos também foram compartilhados no TikTok e no aplicativo de mensagens Telegram. As plataformas precisam ser muito mais eficazes na identificação e remoção de conteúdo mal-intencionado.
Por fim, o governo precisa desaquecer o debate sobre a imigração no país. O sentimento contra os imigrantes foi exacerbado recentemente, inclusive por nomes do governo anterior do Partido Conservador. Em 27 de julho, foi realizada a maior reunião de extrema direita em Londres em muitos anos, que juntou até 30 mil participantes. A eleição também viu Nigel Farage e seu partido populista direitista Reforma Reino Unido conquistarem um punhado de assentos.
Convencer as pessoas de que a imigração é boa para o país como um todo, no entanto, exige mais do que citar alguns dados econômicos. Áreas carentes precisam de oportunidades econômicas e melhor acesso a serviços públicos. Muitos dos distúrbios ocorreram em cidades do norte, como Liverpool, Manchester, Hull e Stoke, que foram deixadas para trás pela prosperidade no Sudeste do Reino Unido. Se o crescimento não for bem distribuído, narrativas que transformam os estrangeiros em bodes expiatórios continuarão a encontrar terreno fértil.
Uma vez que a violência seja contida e os culpados, punidos, os esforços para combater as raízes dos motivos que alimentam o medo da imigração — assim como os canais que o amplificam — precisam ser intensificados.
Fonte: Valor Econômico

