Por Michael Stott, Valor — Financial Times
05/10/2023 14h51 Atualizado há 18 horas
O chefe do maior banco de desenvolvimento da América Latina conclamou os líderes políticos da região a transformar o sucesso econômico de seus países aproveitando as oportunidades para exportar fontes de energia verdes, alimentos e minerais críticos.
Ilan Goldfajn, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), planeja incrementar a concessão de créditos pela instituição em US$ 20 bilhões nos próximos dez anos. Ele acredita que isso ajudará a região a aproveitar tanto a transição para as energias limpas quanto as iniciativas para aproximar as instalações produtivas do mercado dos Estados Unidos, além de também atender às demandas dos cidadãos para que se melhore a saúde, a educação e a infraestrutura digital.
“Este é um ponto de inflexão”, disse Goldfajn ao “Financial Times” durante visita a Londres. “Não se trata apenas de uma narrativa, há realmente uma oportunidade a ser aproveitada […] participaremos em tudo que pudermos fazer em termos de fontes de energia limpas e renováveis e em minerais limpos e afins”.
A América Latina tem cerca de 70% das reservas de lítio do mundo e 38% das de cobre, de forma que poderia ter um grande papel em suprir o mundo com as matérias-primas necessárias para a transição aos veículos elétricos e à energia renovável, acredita Goldfajn.
Atualmente, a China domina o mercado de muitas das terras-raras e de minerais essenciais para esse processo, o que gera preocupações entre os países ocidentais quanto à segurança energética.
A América Latina também é uma das principais regiões mundiais exportadoras de alimentos, o que a torna potencialmente parte da solução para alguns dos desafios mais prementes do mundo, segundo o presidente do BID. As exportações de grãos foram duramente impactadas pela invasão da Rússia na Ucrânia.
Mas Goldfajn também alertou que os governos da região, para aproveitar ao máximo o potencial de lucro, precisam investir na melhoria da educação e da produtividade e assegurar um clima de estabilidade para os investimentos.
Para que a região explore sua energia solar e eólica abundante e barata para exportar hidrogênio verde, “você precisa se organizar, planejar, trazer recursos, ter o Estado de Direito, ter regulamentações”, disse. O Chile tem sido pioneiro nessa área e o novo governo de esquerda do Brasil também tem mostrado entusiasmo.
Ex-presidente do Banco Central do Brasil, que também trabalhou no Credit Suisse e dirigiu a divisão do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), Goldfajn disse que priorizará resultados, em vez do volume de créditos.
Ele colocou como exemplo um projeto hipotético de digitalização de US$ 500 milhões. “Você o aprova e o desembolsa e todos ficam felizes quando você desembolsa tudo. Mas agora queremos saber: ‘Me diga quantos, como você vai mensurar, como vamos acompanhar?’ Essa será nossa medida de eficácia”.
Goldfajn também defendeu uma maior coordenação com outros bancos multilaterais de desenvolvimento.
O BID assinou uma parceria de quatro anos com o Banco Mundial no fim de agosto para colaborar no combate ao desmatamento na Amazônia, ajudar o Caribe a lidar com desastres climáticos e melhorar o acesso à internet na América Latina para populações mais pobres.
“O acordo com o Banco Mundial é um avanço”, disse Goldfajn. “É o primeiro acordo em que não apenas assinamos uma carta de intenção dizendo ‘vamos ser amigos’. Temos realmente grupos de trabalho e só assinamos quando eles apresentam planos de ação”.
O BID está discutindo pactos de cooperação semelhantes com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e com o FMI, mas só assinará acordos quando forem acertadas metas claras, acrescentou.
Goldfajn assumiu o BID em meio a turbulências depois que seu antecessor americano, Mauricio Claver-Carone, nomeado por Donald Trump, foi demitido em setembro. Uma investigação externa revelou que o ex-lobista cubano-americano havia mantido um relacionamento íntimo não divulgado com uma subordinada a quem concedeu dois grandes aumentos de salário. Claver-Carone nega as acusações.
Goldfajn foi eleito presidente em novembro com o apoio dos EUA e agiu rápido neste ano para orientar a equipe de acordo com uma nova visão para o banco com sede em Washington.
Sua equipe trabalha em uma proposta formal para que os 48 países acionistas aprovem um aumento de capital para o braço do BID de empréstimos a empresas do setor privado. O aumento dever girar na faixa de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões, embora Goldfajn não tenha confirmado um valor específico.
A proposta será apresentada na próxima reunião anual do banco em março de 2024, juntamente com uma nova estratégia de sete anos para o BID. O foco estará em ajudar a América Latina e o Caribe na adoção das energias limpas e no enfrentamento ao que Goldfajn chama de “triplo desafio” da região: governos com falta de dinheiro, populações pressionando por melhores serviços públicos e baixo crescimento econômico da região.
Novas ferramentas financeiras podem ajudar. Entre elas, podem estar empréstimos a países caribenhos que preveem a suspensão de pagamentos em caso de desastres climáticos ou créditos verdes pioneiros, como o título soberano do Uruguai de US$ 1,5 bilhão lançado em 2022. O BID prestou assistência técnica na concepção do instrumento, cuja taxa de juros diminui se as metas de redução de emissões gases causadores do efeito estufa forem atingidas.
“Toda a região tem problemas com a mudança climática”, disse Goldfajn. “Portanto, há uma oportunidade aqui para a região aproveitar, ser aquela que investe em energia limpa, mudar a matriz [energética], exportar parte dela”.
Como exemplo, ele cita o empréstimo de US$ 400 milhões concedido pelo BID em junho para ajudar o Chile a usar sua eletricidade renovável, barata e abundante, para construir uma indústria de exportação de hidrogênio verde. “O hidrogênio verde está decolando porque você tem muita demanda chegando da Europa”, disse Goldfajn. “E esta é uma região que pode produzi-lo de uma forma mais limpa […] Precisamos aproveitar a oportunidade.”
Fonte: Valor Econômico

