Por Laura Pitel, Guy Chazan e Patricia Nilsson, Financial Times — Berlim e Frankfurt
05/05/2023 15h35 Atualizado há 2 semanas
O Ministério da Economia da Alemanha planeja subsidiar 80% do custo da eletricidade para as companhias com uso intensivo de energia, numa proposta que deverá alimentar divisões dentro da coalizão que sustenta o governo e indispor ainda mais as nações europeias que não podem arcar com medidas desse tipo.
Segundo uma proposta bastante aguardada e altamente controvertida divulgada pelo ministro da Economia, Robert Habeck (do Partido Verde), será oferecida a uma grande parte da indústria alemã eletricidade a um preço subsidiado de 0,06 euro por quilowatt/hora (kWh) até 2030.
O plano, que custaria estimados 25 bilhões a 30 bilhões de euros, visa fortalecer os fabricantes alemães de setores como os de produtos químicos, siderúrgico, metalúrgico e vidro, além de encorajar os investimentos europeus em setores vistos como fundamentais para a redução da dependência da União Europeia (UE) da China, como a produção de painéis solares e semicondutores.
O Ministério da Economia disse que a Alemanha precisa responder à “dura concorrência internacional” nesses setores, que “não está ocorrendo em igualdade de condições” devido aos enormes subsídios na China e, mais recentemente, nos Estados Unidos por causa da Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês) do presidente Joe Biden.
A proposta de Habeck aponta que os setores intensivos em energia enfrentam uma “ameaça existencial” enquanto lutam com o aumento dos preços da eletricidade provocado pela invasão de Vladimir Putin à Ucrânia, ao mesmo tempo em que tentam descarbonizar rapidamente suas operações — um processo que muitas vezes leva a um consumo maior de eletricidade.
Mas o plano já enfrenta uma forte oposição dentro da coalizão de três vias e profundamente dividida que dá sustentação ao governo de Olaf Scholz. O ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, do Partido Democrático Liberal, alertou nesta semana que “subsídios extremamente caros” são a “abordagem errada”, descrevendo-os como injustos e ineficientes.
Lindner, que também discutiu com Habeck um plano para proibir novos sistemas de aquecimento a gás e petróleo a partir do ano que vem, rejeitou explicitamente a proposta do vice-premiê de usar recursos do fundo de 200 bilhões de euros reservado para proteger as famílias alemãs e a indústria do impacto da invasão da Ucrânia por Putin sobre os preços da energia.
Um porta-voz de Scholz disse que o primeiro-ministro acredita em “preços da eletricidade que a indústria e os consumidores possam pagar sem serem permanentemente subsidiados”. Ele acrescentou: “Agora, precisamos discutir exatamente como chegar lá”.
O subsídio proposto também poderá exacerbar as tensões dentro da UE, onde muitos Estados-membros temem que a economia da Alemanha, que é a maior do bloco, se aventure em explorar uma mudança de pensamento sobre a política industrial europeia e seu enorme peso financeiro, para fornecer à indústria uma ajuda que outras nações não conseguirão reproduzir.
As decisões nacionais sobre subsídios estão sujeitas à aprovação da Comissão Europeia, mas o manual de regras de ajuda estatal do bloco foi flexibilizado nos últimos anos devido à pandemia de covid-19 e a crise energética, agravando ainda mais as queixas dos países de renda mais baixa.
Os fabricantes alemães há muito reclamam dos altos preços da eletricidade, especialmente depois que eles deram um salto com a guerra na Ucrânia. Entre as companhias que desde então vêm reconsiderando seus planos de construir fábricas na Alemanha estão a fabricante sueca de baterias Northvolt, que está avaliando a possibilidade de erguer uma unidade nos Estados Unidos. De modo parecido, a Volkswagen (VW) engavetou uma planejada fábrica de baterias no leste da Europa, priorizando em vez disso uma unidade similar no Canadá, que lhe permitirá aproveitar os subsídios e incentivos da IRA.
Oliver Blume, presidente-executivo da VW, desde então pediu que os políticos interferissem no mercado europeu de eletricidade, argumentando que os preços precisam ficar abaixo de 7 centavos de euro por quilowatt/hora para a região permanecer competitiva.
O preço médio da eletricidade para os consumidores corporativos da Alemanha era de pouco mais de 0,25 euro por kWh, incluindo impostos, no segundo semestre de 2022, segundo dados da Eurostat, a agência europeia de estatísticas — quase exatamente o nível médio da UE em geral.
O plano do Ministério da Economia diz que no longo prazo a indústria deverá ter a garantia de eletricidade barata produzida a partir de fontes renováveis por meio de contratos de prazos fixos. O preço subsidiado proposto de 0,06 euro por kWh estaria disponível apenas para certos setores e seria limitado a 80% do consumo de uma empresa, numa tentativa de incentivar a economia de energia.
O plano foi recebido com reações diversas na indústria alemã, obtendo o apoio da Federação Alemã do Aço e do maior sindicato alemão, o IG Metall, enquanto que a Câmara Alemã da Indústria expressou ceticismo.
Marcel Fratzscher, presidente do Instituto Alemão de Pesquisas Econômicas, também manifestou dúvidas. “O objetivo não deveria ser manter a produção intensiva em energia na Alemanha, e sim manter processos inovadores e bons empregos aqui”, disse ele. “Isso também não é bom do ponto de vista social. A indústria recebe subsídios, enquanto os consumidores pagam caro pela energia.”
Fratzscher disse que se empresas como a gigante química alemã BASF transferir sua produção intensiva em energia para os EUA ou a China, conforme a companhia sugeriu, isso poderá na verdade ser benéfico para a Alemanha porque aumentaria a competitividade global da companhia.
Fonte: Valor Econômico

