Shanna Swan tem a convicção de que o mundo pode estar caminhando como um sonâmbulo para uma crise de fertilidade
Por Sarah Neville, Valor — Financial Times
27/06/2023 17h55 Atualizado há 17 horas
Em uma noite chuvosa em Copenhague no ano passado, uma mulher baixinha de jeans, botas de cano curto e uma camisa casual esperava nos bastidores do Koncerthuset, uma grande casa de espetáculos conhecida por sua acústica. Ela era convidada da Science & Cocktails, uma organização dinamarquesa sem fins lucrativos que combina palestras e drinques. Muitos na plateia eram décadas mais novos que ela e o clima era mais de show de rock que de palestra, quando uma voz anunciou: “A primeira e única, Shanna Swan!”
Swan, que fez 87 anos em maio, caminhou ao som de uma música tecno em meio a gritos e aplausos. “Uau! Demais”, ela riu entusiasmada. Depois que a sala se aquietou, ela começou a falar sobre o propósito que move sua vida profissional. “Vou contar a vocês uma história de mistério”, disse.
O mistério é esse: desde o fim da década de 30, a contagem de espermatozoides em todo o mundo parece ter caído significativamente. Embora o declínio tenha sido observado inicialmente em países ocidentais, há evidências do mesmo fenômeno no mundo em desenvolvimento, e ele parece estar acelerando. Swan, uma estatística formada por Berkeley e que acabou virando epidemiologista, acredita saber por quê.
Há mais de duas décadas ela dedica a vida ao estudo dos efeitos das substâncias químicas “desreguladoras endócrinas” (EDCs, na sigla em inglês), que podem interferir nos hormônios naturais do nosso organismo. Elas incluem pesticidas, bisfenóis, que endurecem o plástico para que ele possa ser usado em recipientes para armazenamento de alimentos e mamadeiras, e ftalatos, que amolecem o plástico para seu uso em embalagens e produtos como mangueiras de jardim. Nos últimos anos, vestígios de EDCs foram achados em leite materno, placenta, urina, sangue e fluido seminal.
Sob o brilho cor de laranja dos holotes, Swan levou a plateia de Copenhague à sua conclusão: os produtos inocentes da prateleira da sua cozinha, do gabinete do banheiro ou do jardim podem estar reduzindo a contagem de espermatozoides. Eles também podem afetar os sistemas reprodutivos de seus filhos ainda não nascidos. As implicações das EDCs para a saúde humana não param aí: elas podem prejudicar a função da tireoide, desencadear câncer a obesidade.
Então, Swan passou a falar para a plateia em Copenhague sobre a distância anogenital (AGD) enunciando gírias para o espaço entre os genitais e o ânus com tal inocência que as privava de obscenidade. A plateia ouviu atentamente enquanto ela descrevia uma de suas principais descobertas: a de que a AGD pode atuar como um prognosticador da capacidade de um homem, anos depois, de conceber um filho. Ela forneceu evidências para a sua tese de que a exposição inadvertida a EDCs no útero pode prejudicar um feto em desenvolvimento.
Várias semanas depois, quando visitei Swan em casa em Nova York, ela disse que falar para o público fora de sua área nem sempre acontece naturalmente: “Às vezes significa falar sobre ereções e outras coisas que não saem da minha boca facilmente”. O que a impeliu para a arena pública é a convicção de que o mundo pode estar caminhando como um sonâmbulo para uma crise de fertilidade. Se sua hipótese estiver correta, precisamos mudar a maneira como cozinhamos, comemos, produzimos e embalamos bens de consumo, e também repensar os processos industriais.
Mesmo que a contagem média de espermatozoides tenha caído, os motivos disso ainda são contestados pelos cientistas. Alguns questionam se devemos nos preocupar com isso. “Eu não diria com certeza, é claro, de que seremos reduzidos a ‘O conto da Aia’, diz Swan, referindo-se ao romance de Margaret Atwood que imagina um mundo em que os poluentes contribuem para uma calamidade reprodutiva. Mas um aumento dramático das barrigas de aluguel e do uso da reprodução assistida são presságios para ela. Ao se aproximar de sua décima década, ele teme estar ficando sem tempo para alertar sobre o que chama de “uma ameaça à humanidade”.
Rudolph Wittenberg, o pai de Swan, era descendente de uma família judia culta de Berlim e escritor, que costumava ler no rádio capítulos de seus romances. No começo da década de 30, ele se juntou ao movimento antinazista. Certo dia, ele mandou um segurança comprar cigarros e lhe deu dinheiro. Aproveitou isso e usou sua transmissão para denunciar Hitler. Quando saiu do prédio, o guarda veio correndo atrás dele. Wittenberg ficou apavorado, mas o guarda, que não havia ouvido a transmissão, simplesmente queria lhe devolver o troco. Mais tarde ele fugiu para Praga e conheceu uma jovem americana, Goldie Ray Polturak. Ela carregava mensagens para a resistência em seus sapatos.
Os pais de Swan se apaixonaram e trocaram a Europa pelos Estados Unidos em 1934. Ela me contou isso em meio a copos de água filtrada na cozinha de seu espaçoso apartamento da metade do século em Manhattan. Sempre racional, ela foi cautelosa em tratar os elementos cinemáticos da história como fatos puros, alertando que nem ela nem sua irmã mais nova haviam verificado os detalhes de forma independente.
Nascida na Pensilvânia em 1936, Swan estava dolorosamente ciente das diferenças entre ela e as outras crianças, tanto em razão da relativa pobreza de sua família, que diminuiu somente depois que seu pai se tornou um psicanalista, como pela filiação de seus pais ao Partido Comunista. “Eu sempre vivi com uma certa vergonha sobre minha criação”, disse ela. Swan tem uma lembrança vívida de andar com os pais em uma carroça puxada por cavalos em uma parada de 1 de maio e rezando para não ser vista por nenhum conhecido. Brilhante e independente, Swan costumava brincar em uma grande caixa de papelão que, por razões obscuras para ela, ela batizou de Casa da Juxey, e que era seu domínio inviolável. Ela se lembra de repetir em voz alta e mentalmente: “Eu posso fazer isso sozinha”.
Ela iniciou sua educação em uma escola pública para crianças superdotadas, onde se destacou, e posteriormente estudou matemática com especialização em lógica no City College de Nova York, atraída pela “beleza estética” da disciplina. Na Universidade Columbia, onde fez mestrado, ela trabalhou com a ilustre bioestatística polonesa Agnes Berger, uma das poucas mulheres a atuar no campo na época. Swan chegou ao departamento de estatísticas da Universidade da Califórnia em Berkeley as 24 anos, armada apenas com uma carta de apresentação de Berger para seu chefe, o também polonês Jerzy Neyman. “Ele era um grande homem e não uso esse termo levianamente. Ele foi o pai da estatística.”1 de 1 Shanna Swan, professora de Medicina Ambiental e Saúde Pública na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai, em Nova York — Foto: Divulgação
Shanna Swan, professora de Medicina Ambiental e Saúde Pública na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai, em Nova York — Foto: Divulgação
Após deu doutorado, Swan trabalhou no braço de pesquisas da seguradora Kaiser Permanente, estudando as ligações entre a pílula anticoncepcional e doenças como o câncer cervical. Mais tarde foi para o departamento de saúde da Califórnia, onde investigou uma série de abortos espontâneos inexplicados no condado de Santa Clara.
Em 1995, ela foi convidada para participar de uma comissão da National Academy of Sciences que examinava o impacto de “agentes hormonais ativos no ambiente” (EDCs). Como única estatística do grupo, ela foi convidada a revisar um estudo dinamarquês que alegava ter encontrado uma queda significativa da contagem de espermatozoides entre 1938 e 1991. “A comissão disse: ‘Você olha isso? Pois não parece muito convincente. Achamos que não precisamos prestar muita atenção nele, mas dê uma olhada e nos fale”, disse-me ela. O estudo foi realizado depois que um médico experiente notou que as contagens de espermatozoides em amostras de sêmen em seu laboratório pareciam estar caindo com o tempo. Ele encomendou uma análise dos estudos existentes, quase a metade deles originados nos EUA.
Swan disse que era “totalmente ingênua” sobre as políticas internas da comissão, que incluía um representante de um grupo lobista que havia trabalhado para a Monsanto e a Chemical Manufacturers Association (associação dos fabricantes de produtos químicos). Acabou sendo uma “experiência muito tumultuada”, lembra ela. Assim como o resto da comissão, ela inicialmente estava cética de que a queda nas contagens de espermatozoides sugerida pelo estudo dinamarquês pudesse ser real. Ela procurou por “fatores confundidores”, que poderiam distorcer os resultados. Mas quando Swan obteve os 61 estudos originais e analisou como os espermatozoides haviam sido contados, as idades dos homens, quantos deles eram obesos, como eles haviam sido recrutados, de que país eles eram, os resultados a surpreenderam.
“Quando juntei tudo e analisei os números, eles não haviam mudado para a segunda casa decimal… Pensei: ‘Nossa!’” Mesmo assim, ela não aceitou as constatações. Ela cogitou a possibilidade de os estudos terem sido selecionados de uma maneira tendenciosa. Ela acrescentou outros 40, publicados desde o trabalho inicial. A conclusão geral correspondeu “quase que exatamente” à da equipe original. O processo levou quase cinco anos e a transformou de cética em crente.
Fred vom Saal, o professor de ciências biológicas que realizou alguns dos primeiros estudos sobre desregulação endócrina e também participava da comissão, lembra que quando Swan apresentou suas constatações, ela enfrentou resistência de membros que ficaram desconfortáveis com suas conclusões. O relatório final da comissão, publicado em 1999, refletiu essa tensão. Os autores observaram que a unanimidade foi “prontamente alcançada” em algumas áreas, confirmando que a exposição a altas concentrações de EDCs “podem afetar a vida selvagem e a saúde humana” e levar a anormalidades de desenvolvimento na vida selvagem. Mas ela provou ser “extremamente difícil em outras”, inclusive na questão da queda da produção de espermatozoides em humanos, disse o relatório.
Outro cientista poderia voltar a trabalhar em algo menos controverso. Mas Swan sentiu que estava no começo, e não no fim, de um quebra-cabeça. O estudo dinamarquês original não havia feito nenhuma tentativa de estabelecer a causalidade, embora tenha levantado a possibilidade de a culpa ser de algo no ambiente. O que ela sabia era que havia uma tendência, e era rápida – uma queda de 50% na contagem média de espermatozoides em 50 anos. “Isso não é evolução. É rápido demais”, concluiu.
Swan abordou seu chefe no departamento de saúda da Califórnia com uma proposta para estudar a desregulação endócrina. O pedido foi devolvido com uma rejeição rabiscada: “Isso não me anima”. Enquanto pensava no que fazer em seguida, Vom Saal sugeriu a ela que se juntasse a ele na Universidade de Missouri. Ele disse a ela: “Vamos criar problemas juntos”.
Quando pequena, os pais de Swan a apelidaram de “a dama vitoriana” e desencorajaram a prática de esportes, aparentemente pensando em sua estrutura franzina (ela mede 1,52 m) e constituição delicada. Na verdade, ela irradia um inconformismo silencioso. No tempo que passei com ela, percebi que ela tem uma curiosidade profunda e subversiva. “Acho que sou uma detetive. Gosto de escavar e encontrar coisas”, disse.
No Missouri, ela começou a examinar se a qualidade do esperma variava em ambientes diferentes. Para seu “Estudo para as Famílias Futuras”, ela arregimentou gestantes em quatro localidades nos EUA, enquanto os colegas dinamarqueses selecionaram outras quatro na Europa. Os homens de uma área semi-rural do Misssouri apresentaram metade do número de espermatozoides em movimento do que o dos centros urbanos. (A motilidade fraca dos espermatozoides é um fator conhecido da infertilidade masculina.)
Supondo que algum aspecto da agricultura moderna, especialmente os pesticidas, poderia estar afetando a qualidade do sêmen, Swan lançou um estudo-piloto, enviando amostras de urina de homens do Missouri para o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Os participantes com sêmen de baixa qualidade apresentaram níveis significativamente mais altos de oito pesticidas, em comparação aos participantes da área urbana de Minneapolis, cuja qualidade do sêmen estava acima da média.
As descobertas contribuíram para o consenso crescente de que certos pesticidas eram prejudiciais. E Swan acredita que os legisladores falharam em agir suficientemente até agora. “Até hoje temos restrições muito inadequadas aos tipos de pesticidas que podem ser usados e as culturas nas quais eles podem ser usados.” A capacidade do setor de resistir a uma regulamentação mais rígida, seja por lobby ou causando confusão, seria uma frustração constante para ela nos anos que se seguiram.
Sua missão seguinte começou em um voo para o Japão para uma conferência no fim dos anos 90. Ela estava sentada ao lado de um químico do CDC chamado John Brock, hoje professor da Universidade da Carolina do Norte, que disse a ela que cientistas haviam identificado uma “síndrome de ftalato” em ratos. Quando os fetos masculinos foram expostos ao di-2-etilhexil ftalato (DEHP), um dos piores agentes entre os ftalatos, não ocorreu um aumento normal de testosterona no inicio da gravidez. Os efeitos sobre os ratos incluíram pênis menores, às vezes malformados, testículos que não desceram e AGD mais curto. Swan ficou fascinada. Era uma nova charada: poderia algo como a síndrome de ftalato afetar os humanos?
O sucesso dela em descobrir uma maneira de medir a AGD em bebês e crianças para ajudar a responder a essa pergunta foi uma de suas contribuições mais importantes para o campo. Quando a visitei em Nova York, ela foi até um armário e trouxe um boneco anatomicamente correto – chamado Willy, disse ela, meio travessa – e um paquímetro para demonstrar a simplicidade do procedimento, que é indolor. A AGD, ou comprimento do períneo, explicou ela, pode refletir a quantidade de testosterona ou andrógeno a que um feto foi exposto durante uma janela muito pequena na gravidez. “Se há muito pouco andrógeno para um menino, ele não fica totalmente masculinizado”, disse ela. “Se há muito andrógeno para uma menina, ela fica masculinizada demais”. Uma mãe com síndrome de ovário policístico, por exemplo. Produzirá um excesso de testosterona e sua filha poderá ter uma AGD mais longa, mais masculina.
Pete Myers foi um dos primeiros a alertar o mundo para os perigos das EDCs quando, juntamente com outro cientista e um jornalista, publicou o best-seller de 1996 “Our Stolen Future”. Colaborador de longa data de Swan, ele elogia sua capacidade de casar a epidemiologia com um entendimento profundo da biologia humana. “A maioria dos epidemiologistas são mastigadores de números, só isso. Eles não têm a menor ideia sobre a biologia envolvida. Portanto, eles fazem testes sem sentido.” Ele sugere que mais cientistas estão agora combinando essas habilidades, “mas Shanna foi uma pioneira”.
Ao analisar a urina das mães do projeto “Famílias Futuras”, Swan pôde determinar a que nível de um ftalato específico elas foram expostas e verificar a correlação com uma AGD encurtada em seus filhos. Ela constatou que as mulheres do quartil superior de exposição tinham 13 vezes mais chances de ter um filho com um AGD mais curto que a média, do que aquelas do quartil mais inferior. Mas isso levantou outra questão, segundo Swan: “Por que nos importamos se uma AGD é um pouco mais curta em alguns homens? Isso não parece engraçado. Não é uma deformidade.”
Determinar se uma AGD curta prenunciava problemas de fertilidade posteriores significava avançar no tempo para prever como os homens seriam afetados na idade adulta. Em 2009, enquanto trabalhava na Universidade de Rochester, Swan lançou o Rochester Young Men’s Study, envolvendo 126 voluntários com idades entre 18 s 22 anos. Ele forneceu o elo que faltava para mostrar que quanto mais curta a AGD, menor a contagem de espermatozoides. (Os alunos da universidade receberam um pequeno cachê para passar pelas medições intrusivas, disse Swan, que se lembra de um jovem lhe dizer: “Faço qualquer coisa por US$ 75.”)
A pesquisa foi apoiada por outros. Na mesma época, Michael Eisenberg, professor de urologia da Escola de Medicina da Universidade Stanford, realizou uma série de estudos envolvendo homens nas faixas dos 30 e 40 anos. Da mesma forma, ele encontrou uma associação entre a AGD mais curta e a infertilidade.
Em 2011, Swan e uma equipe de andrologistas, estatísticos, epidemiologistas e um bibliotecário de referência começaram a conduzir a pesquisa mais completa da literatura sobre queda na contagem de espermatozoides até o momento. Um total de 185 estudos foram examinados detalhadamente, usando métodos de meta-análise não disponíveis para os acadêmicos dinamarqueses 30 anos antes. A conclusão foi bastante perturbadora. A contagem de espermatozoides parece ter diminuído 52% em 38 anos, ou algo como mais de 1% ao ano. Quando o estudo foi publicado em 2017, rendeu “grandes, grandes notícias”, lembra ela, o que acabou a levando a publicar “Count Down” (“Contagem regressiva”), um livro voltado para o público em geral. Pode ter parecido um triunfo, mas a batalha de Swan para convencer autoridades reguladoras, legisladores e a indústria, vem avançando lentamente.
A era dos plásticos iniciada no começo do século 20 trouxe infinitas conveniências, higiene e maior acessibilidade em termos de preço. Em meio à enxurrada de mamadeiras, brinquedos, potes para comida, aparelhos médicos e talheres descartáveis, os fabricantes propagaram uma nova narrativa: a de que os polímeros sintéticos não apenas eram seguros, mas essenciais para uma boa vida. “Plásticos: uma parte importante de sua dieta saudável”, dizia um anúncio nos anos 90 patrocinado pelo hoje extinto Conselho Americano dos Plásticos. “Você pode pensar neles como o sexto grupo alimentar básico”.
Por ironia, os humanos acabaram ingerindo plástico literalmente, na forma de partículas, inclusive no vapor. Produtos químicos dos plásticos se desprendem dos recipientes para os alimentos, principalmente quando aquecidos. Bebês alimentados com mamadeira engolem milhões de partículas microplásticas por dia, segundo um estudo de 2020, cujos impactos na saúde são desconhecidos. Um ingrediente que era usado no Teflon, o PFOA, tem sido associado ao câncer, colite ulcerativa e deformidades congênitas. (Constatou-se que a DuPont, fabricante do Teflon, sabia dos riscos à saúde há décadas, mas só interrompeu a produção de PFOA em 2013.)
Enquanto estamos na cozinha de Swan, ela aponta para o detergente não biológico na bancada e as panelas de ferro fundido em seu fogão. Ela deixou, há tempos, de cozinhar com as variedades antiaderentes, revestidas quimicamente. Todos nós podemos tomar medidas para reduzir os perigos dos ftalatos e de outros produtos químicos em nossas vidas, acredita Swan. Ela tenta comprar frutas e vegetais orgânicos e não embalados, e só bebe água do filtro. Ela recomenda o uso de garrafas de água de aço inoxidável ou de vidro e usar recipientes de vidro ou cerâmica para aquecer alimentos no micro-ondas — nunca de plástico.
No entanto, a situação é demasiado grave para ser atenuada apenas por escolhas individuais, alertou Swan. “Isso não é algo que possamos resolver por meio da forma em que compramos como consumidores”, disse. Precisamos de um plástico de materiais que não sejam hormonalmente ativos, como um garfo feito a partir de batatas que Swan viu recentemente. Embora sua produção tenha uma pegada de carbono alta demais para ser sustentável, “confio em químicos e cientistas brilhantes, que, por exemplo, em pouco tempo conseguiram nos dar a vacina [contra a covid], para pensar nisso”, disse.
Uma dificuldade para calcular o impacto dos produtos químicos na reprodução é que uma série de outros fatores também afeta as taxas de fertilidade ao redor do mundo. Richard Sharpe, professor da Universidade de Edimburgo, acredita que a dieta ocidental ultraprocessada e de alto teor de gordura é a principal fonte de exposição ao BPA e a alguns ftalatos. Dieta, estresse, obesidade, fatores sociais e uma tendência a começar uma família mais tarde na vida são fatores importantes, reconhece Swan, mas isso não significa que os EDCs não estejam desempenhando um papel importante.
Em nenhum lugar a resistência ao campo de pesquisa de Swan tem sido mais forte ou constante do que na indústria química, que sofreria um enorme golpe financeiro com uma regulamentação mais rígida para seus produtos. A partir da década de 1990, uma série de artigos de cientistas lançou dúvidas sobre as descobertas de Swan e seus colegas. Embora algumas das questões levantadas sejam críveis – o grau de abstinência prévio à contagem de esperma, por exemplo, pode influenciar os resultados e não foi contabilizado de forma confiável em alguns estudos iniciais – outras são menos. Swan foi uma das cientistas ridicularizadas como os “bebês chorões dos desreguladores endócrinos” pelo JunkScience.com, um site administrado por um negador das mudanças climáticas e ex-defensor da indústria do tabaco, Steve Milloy. (Swan e seus colegas inscreveram o epíteto em camisetas como um símbolo de orgulho.)
“Fabricar dúvidas” faz parte da cartilha há muito usado por indústrias que resistem à regulamentação, desde a de tabaco à de combustíveis fósseis, de acordo com David Michaels, um ex-regulador que comandou a Agência de Saúde e Segurança Ocupacional dos EUA no governo de Barack Obama. Atualmente professor da Escola de Saúde Pública do Milken Institute, em Washington, ele me disse que pesquisas realizadas por cientistas aparentemente independentes costumam ser usadas para convencer reguladores, parlamentares e até o público de que não há consenso quanto aos danos causados por alguma determinada substância química ou produto.
Andrea Gore, professora de farmacologia da Universidade do Texas, em Austin, que liderou o trabalho para a Endocrine Society sobre EDCs, disse que entre os clínicos da área há uma ampla aceitação de que exposições a produtos químicos no início da vida podem ter influência no desenvolvimento de doenças. “Acho que houve uma controvérsia há algum tempo”, disse. “E acho que houve um esforço por parte da indústria química de manter a polêmica viva. Mas não acho que continue sendo um campo controverso. Há muito conhecimento a esta altura.”
Nos anos 80 e 90, Swan foi convocada como testemunha especialista em uma série de casos na Justiça sobre a DES, uma droga desreguladora do sistema endócrino muito receitada nos anos 70 para reduzir o risco de abortos espontâneos. O medicamento acabou provocando casos devastadores de câncer nas filhas de algumas mulheres que o usaram. Certa noite, enquanto preparava seus argumentos para comparecer a um tribunal no dia seguinte, ela jogou fora algumas de suas anotações no cesto de lixo do hotel. No dia seguinte, enquanto era questionada pelo advogado de um laboratório farmacêutico, ela viu suas anotações descartadas à frente dele. “E a única maneira de ele ter conseguido isso seria ter revirado o lixo do meu quarto de hotel”, disse. “Apenas pense no que isso requer.” Ela lembra, com um toque de satisfação, de ter descoberto que a equipe jurídica adversária se referia a ela como “aquela vadia da Califórnia”.
Nem todos os cientistas aceitam a premissa de que a contagem de espermatozoides diminuiu, embora estudos independentes na China, França, Brasil e sul da Índia tenham chegado a conclusões semelhantes. Alguns críticos argumentam que, mesmo se a queda for real, o impacto nas perspectivas de um homem ter filhos foi superestimado. Um estudo de 2021 de pesquisadores de Harvard – vários dos quais com formação em filosofia e história – sinalizou que, “acima de um limite crítico”, mais espermatozoides não são necessariamente um indicador de saúde ou fertilidade. A contagem de espermatozoides varia “entre corpos, ecologias e períodos de tempo”, disseram. Eles viram um tom racista e sexista no trabalho de Swan e dos colegas dela, observando que esses estudos “situam os corpos e ambientes dos homens sob o rótulo ‘Ocidental’ como exemplares, naturais e agora sob risco”.
Swan refuta isso, destacando que seu trabalho mais recente, publicado em novembro, sugere que a contagem de espermatozoides está diminuindo em todo o mundo. Cientistas das mudanças climáticas enfrentaram ceticismo semelhante, observou Swan. “As pessoas diziam: ‘Oh, está quente agora. Mas [as temperaturas vão] cair. E o clima é assim.’ Bem, na verdade, não é esse o caso.” Embora ela reconheça que uma contagem de espermatozoides abaixo da média não condena necessariamente um homem à esterilidade, há um consenso de que, uma vez que a contagem de espermatozoides cai para certo nível – abaixo de cerca de 40 milhões de espermatozoides por mililitro de sêmen – a fertilidade pode ser prejudicada.
Os produtos químicos que ela conseguiu vincular mais diretamente à saúde reprodutiva são os ftalatos e pesticidas, nos quais ela e outros encontraram evidências convincentes de uma ligação causal entre distúrbios reprodutivos e a categoria “triazina” de herbicidas. Outros pesquisadores, diz ela, encontraram evidências igualmente incontestáveis de danos à saúde reprodutiva provocados por outras classes de EDCs, como os bisfenóis. “Quando começamos este trabalho, estávamos num deserto médico e científico, porque ninguém acreditava em nós”, contou-me Myers, que escreveu o best-seller de 1996. “E então, gradualmente, fomos construindo base científica.” Mas o clima na regulamentação continua fortemente inclinado para o lado da indústria. Algumas empresas declaram orgulhosamente que suas mamadeiras e produtos para bebês são “livres de BPA”, referindo-se ao bisfenol-A, um produto químico que pode se infiltrar em alimentos e bebidas e, segundo alguns pesquisadores, prejudicar a saúde humana – apenas para depois descobrir-se que o produto substituído consistia de “moléculas ligeiramente modificadas”, disse Swan.
Algumas noites, Swan fica acordada, preocupada. “O alarme que sinto é um alarme global”, disse. “Sinto isso igualmente pelas espécies humanas e não humanas.” Ela e seus colegas ativistas tiveram alguns sucessos. Em 2008, por exemplo, brinquedos infantis e itens de cuidados infantis contendo mais de 0,1% de três tipos de ftalatos foram proibidos em caráter permanente nos EUA. Em 2023, a Agência Europeia de Segurança dos Alimentos recomendou a redução da “ingestão diária tolerável” de BPA em um fator de cerca de 20 mil. (A Agência Europeia de Medicamentos se opõe à mudança.)
Em abril, os ministros do clima, energia e meio ambiente do G-7 (grupo das sete maiores economias ricas) emitiram um comunicado comprometendo-se a “prevenir ativamente a poluição química, ou […] minimizar seus riscos associados, inclusive quando causados por liberações de produtos químicos desreguladores endócrinos”. Swan descreve isso como um momento “muito, muito importante” em sua longa batalha para fazer governos e autoridades reguladoras despertarem para os perigos dos EDCs.
Enquanto vou passando tempo com ela, percebo que, acima de tudo, é o hábito curiosidade, mantido ao longo de todo sua vida, o que a faz continuar. Agora morando em San Francisco, ela continua em busca de grandes avanços nas pesquisas em seu campo. Quando estudava matemática na juventude, ela ganhou um prêmio depois de conceber a noção de que a lógica não precisa ser binária, com verdadeiro ou falso como únicas opções, e desenvolver um sistema de lógica de “três valores”. Ela resiste à segurança do status quo e, embora se deleite com a colaboração, também se manteve fiel à garotinha independente, determinada a navegar pelo mundo em seus próprios termos, que encontrou refúgio na Casa de Juxey.
Sua maior preocupação continua sendo descobrir o que fazer para alertar um mundo ainda em grande medida alheio à ameaça dos EDCs. “Você e eu, e todos neste planeta, estamos realmente servindo de ratinhos de laboratório”, diz. “E sem que ninguém tenha nos pedido.”
(Tradução de Mario Zamarian e Sabino Ahumada)
Fonte: Financial Times