23/07/2022 – Jornalista: Marcelo Ninio
O escândalo envolvendo quatro bancos rurais na província central de Henan voltou a levantar dúvidas sobre a estabilidade do setor financeiro da China e expôs os perigos de um sistema que combina alta competitividade, proliferação de meios eletrônicos e regulação mais frouxa do que se supõe.
O governo afirma que são casos isolados e que não há risco sistêmico, o que faz sentido levando-se em conta que as quantias comprometidas são relativamente pequenas para o tamanho da China. Mas em meio à desaceleração da economia, a pressão sobre o setor imobiliário e as incertezas criadas pela política de Covid zero, o problema é que a turbulência em Henan alimente uma crise de confiança generalizada, com indesejáveis abalos na estabilidade social.
O caso começou a chamar a atenção ao deflagrar protestos no fim de maio, quando clientes foram aos bancos exigir a liberação de seus depósitos, bloqueados desde o mês anterior. A crise ganhou repercussão fora e dentro da China quando imagens de clientes sendo reprimidos por homens à paisana em Zhengzhou, capital da província, se espalharam pelas redes sociais. A revolta cresceu com os relatos de que clientes tiveram o status do aplicativo de controle da Covid-19 adulterado indevidamente para limitar seus movimentos. Criou-se um coquetel indigesto: a descrença no sistema bancário misturada à desconfiança no controle da pandemia.
ESQUEMA OBSCURO
No centro do escândalo em Henan está um obscuro esquema de depósitos fraudulentos. Segundo as autoridades, um grupo privado de investimentos obteve acesso ao sistema on-line dos quatro bancos rurais de Henan (e um na província vizinha de Anhui) e oferecia taxas de poupança bem acima da média no mercada Seduzidos pelo alto retorno, milhares de clientes de Henan e de outras províncias depositaram sua renda nos bancos, acreditando que eram contas seguras.
Uma investigação do órgão regulador chinês mostrou que o grupo agiu em conluio com empregados dos bancos para atrair fundos de forma ilícita por meio de plataformas on-line. proibidas desde 2021. O líder do grupo está foragido, supostamente nos EUA.
É um dos maiores escândalos bancários já ocorridos na China. As autoridades se apressaram a apagar o incêndio antes que a desconfiança se alastre. A grande preocupação é que o esquema de pirâmide também tenha sido aplicado em outras províncias.
Clientes em Henan com depósitos de até 50 mil yuans (R$41 mil) começaram a ser ressarcidos, informou o órgão regulador, que pediu paciência aos que ficaram de fora da primeira leva. A estimativa é de que as fraudes tenham envolvido 40 bilhões de yuans (R$ 32 bilhões) em depósitos de 400 mil clientes. Segundo testemunhos, algumas contas tinham milhões em depósitos. Os poupadores alegam que caíram na fraude ao achar que movimentavam seu dinheiro num esquema seguro, de grandes instituições para os bancos rurais, por meio de transferências on-line.
ARCAR COM OS PREJUÍZOS
Não está claro como o pagamento das compensações será dividido entre o governo local e central. Em muitos casos, os clientes terão de arcar com as perdas devido à falta de proteção legal, disse Liqian Ren, economista formada pelas Universidades de Pequim e Chicago, ao portal SupChina.
Segundo ela, a proliferação de plataformas financeiras eletrônicas tornou mais difícil a regulação de transações feitas por pequenos bancos e a desaceleração da economia contribuiu para o aumento de dívidas de risco. Para reduzir os danos, o governo autorizou a emissão de 103 bilhões de yuans (R$ 84 bilhões) em títulos a Henan e outras três províncias para reforçar a capitalização de pequenos bancos.
Para Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim, a determinação é um sinal claro de que Pequim reconhece na crise em Henan um problema sistêmico, ?e não específico de uns poucos bancos mal administrados?. Pettis há anos aponta para o alto endividamento como um dos principais riscos para a economia chinesa. A questão agora é como o governo vai alocar as perdas em Henan e outros casos semelhantes que, prevê ele, surgirão. Transferir as dividas de bancos para governos locais só adia o problema, ?porque ele é grande demais para ser resolvido?.
As autoridades chinesas afirmam que as redes de proteção existentes são suficientes para impedir um efeito dominó. Segundo o Banco Central, um exame recente mostrou que 93% dos cerca de 4 mil bancos do país são seguros, e os riscos financeiros ?em geral são controláveis?.
Para o governo, inflar a crise em Henan como um sinal de fragilidade sistêmica é mais uma tentativa do Ocidente de ?manchar? a imagem da China, conforme acusou o jornal estatal Global Times, minimizando o fato de que a preocupação também foi dominante nas mídias sociais do país. Muitos foram descuidados ao exagerar a reação do governo para abafar as repercussões do caso: imagens de tanques supostamente percorrendo as ruas de Henan que viralizaram na verdade eram de outra província e faziam parte de um exercício militar que nada tinha a ver com o caso.
Fonte: O Globo

