A 12ª edição do Fórum Brasil África será realizada na segunda (14) e terça-feira (15) em São Paulo, em meio à persistente indagação: qual é afinal a estratégia do governo Lula 3 para os 54 países do continente africano?
Em agosto do ano passado, Lula esteve na África do Sul, na Etiópia e em Angola, e anunciou que o Brasil estava de volta, depois da ausencia durante o governo Bolsonaro, e faria ‘grandes investimentos’ no continente africano. Num fórum empresarial em Angola, sob aplausos, o presidente prometeu: ‘Vamos voltar a fazer financiamento para os países africanos’.
No governo Lula 3.0 foram anunciados até agora alguns acordos de cooperação que parecem bem modestos comparados à retórica presidencial de volta do Brasil. E a ideia de o Brasil retormar rapidamente as vendas de produtos nacionais e ampliar as compras de produtos africanos sofre fissuras.
Apesar da troca de preferencias para as empresas (redução de tarifas), o fluxo de comércio com a União Aduaneira do Sul da África (Sacu, reunindo África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namibia e Suazilândia) fez foi cair 11,1% (total de US$ 1,53 bilhão) entre janeiro e setembro, comparado ao mesmo período de 2023. As exportações declinaram 15,8%, enquanto as importações subiram modesto 1,6%.
Com a Nigéria, a maior economia da África, as exportações brasileiras diminuiram 8,5% neste ano (US$ 700,5 milhões), mas nesse caso as importações aceleraram em 112,7% (US$ 880,7 milhões) essencialmente com compra de petróleo e de fertilizantes químicos, resultando num fluxo de comércio 34,1% maior.
Enquanto movimentos concretos do governo para a região continuam sendo aguardados, iniciativa como o Fórum organizado pelo Instituto Brasil-África tenta reanimar os negócios na medida do possível.
Será assinado um acordo do instituto com o porto de Las Palmas, Espanha, como hub para a transferência de carga e manutenção de navios, ligando o Brasil, o continente africano e a Europa. Como parte do acordo, haverá a capacitação de operadores africanos.
O Afreximbank, provedor financeiro para governos africanos e empresas privadas em apoio ao comércio da África, estará presente com agenda de industrialização do continente.
Está prevista uma ação entre Eurofarma e um grupo nigeriano. Um banqueiro de Senegal, Moustapha Sow, presidente de SF Capital, busca acertar compra de açúcar. O presidente do fundo soberano de Angola estará presente para ver possibilidades futuras de negócios bilaterais, apesar da situação angolana dificil atualmente. Uma delegação da Zona de Comércio Livre Continental Africana participará de plenária sobre agroindústria.
Uma delegação dos Emirados Árabes Unidos também participa. O fórum busca estimular parcerias, novas oportunidades de negócios e colaboração entre parceiros do Brasil, África e outras geografias, diz o presidente do Instituto Brasil África, João Bosco Monte.
A concorrência envolvendo grandes e também médias potências para fazer negócios no continente africano é crescente, e há razões para isso.
2023: Lula chega a Joanesburgo, na África do Sul. — Foto: Ricardo Stuckert/PR
As Nações Unidas estimam que metade do crescimento populacional até 2050 estará concentrada em nove países, sendo cinco no continente africano. A Nigéria deverá ter a terceira maior população do mundo, só atrás da India e da China.
A Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA), lançada em 2021 reunindo a maioria dos países africanos, poderá ter US$ 6,7 trilhões de gastos em consumo e negócios até 2030, segundo o Forum Economico Mundial.
A China continua sendo o maior parceiro comercial bilateral do continente africano. Os empréstimos diminuiram, mas o comércio aumentou, impulsionado pela demanda por minerais africanos. O volume total de comércio em 2023 atingiu um recorde de US$ 282 bilhões, ou 9,9% do PIB da África – mais que o dobro do registrado com a Índia, o segundo maior parceiro comercial individual da África.
O relacionamento da China com a África é menos frenético, como nota The Economist, do que nas décadas de 2000 e 2010, quando os bancos estatais chineses canalizaram bilhões de dolares para as estradas, ferrovias e portos da África como parte da Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), o grande projeto de expansão da influencia definido por Xi Jinping.
Recentemente a China em todo o caso fez novas promessas financeiras para a África que somam US$ 40 bilhões – um terço a menos do que havia prometido em 2015 e 2018, mas ainda assim significativo. Nada menos de 3 mil empresas chinesas investiram na África. Os fluxos de investimentos chineses para a região desde 2013 superaram os fluxos dos EUA.
O governo de Joe Biden, na tentativa de recuperar espaço na África, diz ter estimulado 1.695 negócios valendo US$ 63,5 bilhões em 41 países africanos desde 2021 através de um programa focado na região.
O Brasil não tem condições de competir com chineses e americanos, e seus recursos são limitados também para disputar espaço com médias potências. A Turquia menciona bilhões de dolares de negócios na região. Recentemente, uma companhia turca ganhou um contrato de US$ 2,35 bilhões para melhorar uma rede ferroviária na Tanzania. A Turquia aumentou o número de suas embaixadas na África de 12 em 2002 para 44 em 2022. A Turkish Airlines voa para 62 destinações africanas. O país vende também mais armamentos na região.
Também companhias do Conselho de Cooperação do Golfo (Emirados Árabes Unidos, Omã, Arábia Saudita, Catar, Bahrein e Kuwait) anunciaram 73 projetos de investimentos na África valendo mais de US$ 53 bilhões no ano passado.
Os africanos ‘tem gosto’ pelo Brasil mas na prática veem outros parceiros ocupando mais o espaço regional. As atenções estarão voltadas ao que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o assessor especial Celso Amorim, dirão de concreto na abertura e no fechamento dessa edição do Fórum Brasil África.
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Celso Amorim em discurso no Fórum Brasil África em 2023 — Foto: Reprodução/Twitter
Fonte: Valor Econômico