Surpresas positivas na economia americana estão tornando menos óbvio qual será o fim do ciclo de aperto monetário do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).
Na semana passada, o forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no terceiro trimestre, de 4,9% – há alguns meses se esperava um resultado negativo para o período – veio se juntar a outros indicadores que mostram uma economia resiliente e aquecida, que pode dar mais trabalho para o banco central americano levar a inflação de volta à meta de 2% ao ano.
O índice de gerente de compras preliminar da indústria voltou a subir em outubro e atingiu o patamar de expansão da atividade, em um movimento contrário ao desejado pelo Fed. Vendas do varejo e gastos do consumidor de setembro mostraram que os americanos ainda estão gastando, enquanto o relatório de empregos revelou a criação de 336 mil vagas no mês passado, quando se esperava menos da metade desse contingente.
Nem com a taxa de juros básica dos EUA escalando de perto de zero para a faixa de 5,25% a 5,50% em um período de 18 meses – a alta mais rápida da história – as condições econômicas parecem restritivas. O próprio presidente do Fed, Jerome Powell, fez esse comentário em evento recente no Economic Club de Nova York: “Não parece que a política monetária está apertada demais”. O índice nacional de condições financeiras medido pelo Fed de Chicago – que dá um peso importante ao setor bancário – mostra inclusive que existe um maior afrouxamento da economia agora do que no início do ano. Com a atividade ainda pujante, na semana passada a expectativa de inflação para 12 meses medida pela Universidade de Michigan subiu 1 ponto percentual, de 3,2% para 4,2%.
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“Embora os dados de inflação tenham surpreendido recentemente com elevação, a tendência mais ampla é de desaceleração, e as autoridades do Fed deixaram claro que não irão mudar de rumo baseadas em dados de um mês apenas”, disse ao Valor o economista John Canavan, da Oxford Economics, que não projeta uma nova alta de juros na reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) desta quarta-feira. No entanto, a maior preocupação do Fed agora está na economia resiliente e não na inflação. E se é quase unânime no mercado que o Fed manterá os juros estáveis agora em novembro, existe um dilema no mercado sobre o que vai acontecer a seguir.
Segundo Canavan, depois da pausa em novembro existe o risco de mais uma alta nos juros em dezembro ou janeiro, porque a economia terminou o terceiro trimestre com mais força que o esperado. A força da atividade também tem levado analistas a projetar um período mais longo de juros elevados. “Nossa atual previsão é que o atual ciclo de aperto já terminou e que o Fed irá começar a cortar no segundo trimestre de 2024, mas a força surpreendente dos dados recentes sugere que o primeiro corte pode precisar ser feito apenas no terceiro trimestre”, diz.
Para Paul Donovan, economista-chefe do UBS Wealth Management, o Fed já encerrou seu ciclo de alta, mas o aperto continuará à medida que a inflação desacelere. “Os juros reais ajustados pela inflação continuarão a subir com a maior queda da inflação. O aperto quantitativo – a redução do balanço de ativos do Fed – também continua, o que vai fazer com que a política monetária geral do Fed continue a ser apertada em 2024, apesar de os juros nominais já terem atingido seu pico”, afirmou ele em entrevista ao Valor. Para o economista, apesar de o PIB do terceiro trimestre ter mostrado força, o dado também sugere uma desaceleração no quarto trimestre, no volume de estoques, por exemplo, que deverá continuar pelo próximo ano, levando o Fed a iniciar seus cortes apenas em meados de 2024.
Já para o economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, o banco central americano ainda não encerrou seu ciclo. “Agora em novembro, ele deve pausar e o comunicado deverá repetir as palavras do comunicado anterior, indicando que futuras decisões continuam em aberto e dependentes de dados, e os dados estão mostrando uma economia resiliente, com o PIB vindo com uma força cavalar”, disse.
Para Fonseca, a economia ainda resiliente depois do tamanho do aperto feito pelo Fed indica que novas altas deverão acontecer. “Projeto duas novas altas, uma em dezembro e outra em janeiro, de 0,25 ponto percentual cada, antes de encerrar o ciclo”, afirma. O economista lembra que, nas projeções econômicas feitas em setembro, o Fed previa duas novas elevações e só uma foi realizada, e a expectativa de que a economia fosse desacelerar.
Futuras decisões seguem em aberto e dependentes de dados, e os dados mostram PIB com uma força cavalar”
Fonseca acredita que juros altos por mais tempo nos EUA não devem alterar a direção da política monetária dos países, mas reduzir sua intensidade. “No Brasil, não teremos cortes de 0,75 ponto, como se esperava há algum tempo, nem juros de um dígito. O Banco Central continuará cortando juros, mas com mais cautela, de forma gradual e com menor intensidade, para não valorizar o dólar”, afirma. Segundo ele, o bloco emergente se antecipou à inflação e subiu os juros com agressividade antes dos EUA, o que gerou uma proteção contra a política monetária americana.
Segundo Donovan, do UBS, as taxas de juros sempre devem refleter o ambiente doméstico. “Mas, para um país como o Brasil, o principal impacto das taxas externas altas vem por meio dos mercados de câmbio e por meio de aumento de demanda por títulos domésticos”, afirma. O economista britânico espera que a pressão externa para que o Brasil mantenha juros elevados começará a moderar em meados de 2024, quando o Fed e o Banco Central Europeu (BCE) devem começar a cortar juros, e “os investidores voltarão a focar em políticas domésticas”.
“O emergente que não for cauteloso nesse cenário pode ter problemas de depreciação da moeda”, pondera André Diniz, economista da Kinea Investimentos. Ele usa o exemplo do banco central do Chile, que iniciou seu ciclo de cortes com reduções de 1 e 0,75 ponto e, na semana passada, teve de reduzir o ritmo para 0,5 ponto, após forte depreciação do peso chileno.
Outro fator de risco deve vir da política fiscal americana, que tem se deteriorado e deve obrigar o Departamento do Tesouro dos EUA a aumentar os volumes dos leilões de títulos públicos nos próximos trimestres para financiar a dívida. “Isso deve pressionar a curva de juros do mundo todo, incluindo dos emergentes”, disse. (Colaborou Gabriel Caldeira)
Fonte: Valor Econômico