Por Gillian Tett — Financial Times
06/10/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
Até há pouco tempo, o fundo negociado em bolsa (ETF, na sigla em inglês) chamado de “$TLT” – que segue os bônus de longo prazo do Tesouro americano – parecia tão monótono como um dia de chuva. O preço costumava mudar em pequenos incrementos, com volumes de negociação modestos, o que o tornava adequado para viúvas e órfãos – investidores avessos ao risco, em outras palavras.
Não mais. Na terça-feira, houve 71 milhões de negociações diárias do ETF, um número muito acima do normal. O preço caiu 3% só nesta semana e está 20% abaixo dos últimos seis meses, e 50% mais baixo em comparação com o início de 2020. Isso supera até mesmo a debandada do mercado de ações depois da bolha das “pontocom”.
O que investidores afetados devem concluir? Há cinco pontos-chave para entender. O primeiro é que o padrão atual do mercado de bônus não é apenas uma repetição do que já vimos nos últimos anos. Quando o Federal Reserve (Fed) começou a elevar os juros, há 18 meses, os “yields” (rendimentos) de curto prazo subiram à medida que os preços dos bônus de curto prazo caíram (estes se movem de maneira inversa).
Apesar disso, as taxas de longo prazo não dispararam, aparentemente porque os investidores presumiram que a inflação e o crescimento acabariam por cair.
Neste ano, porém, as taxas de longo prazo deram um salto, embora as taxas de curto prazo tenham se estabilizado (aparentemente porque o aperto do banco central está quase terminado). Isto sugere que as taxas de longo prazo têm evoluído por causa de mudanças estruturais mais profundas na oferta e na demanda por bônus; portanto, não se trata “só” do Fed.
O segundo ponto-chave é que, embora o ritmo da queda dos preços dos bônus seja surpreendente em termos históricos, o nível real das taxas não é. Pelo contrário. Durante a maior parte do século XX, um rendimento de 4,8% para os bônus de dez anos do Tesouro era considerada normal, se não benigno.
Assim, o que é mais bizarro hoje, em uma perspectiva de longo prazo, não é que os yields estejam subindo, e sim que tenham estado tão baixas durante a última década. Ainda mais estranho é que a curva da taxa de retorno ainda está ligeiramente invertida (ou seja, as taxas de curto prazo estão mais altas do que as de longo prazo).
Terceiro, se você quiser entender as mudanças estruturais que impulsionam a oscilação das taxas, não olhe apenas para os dados econômicos. Sim, recentemente os investidores elevaram suas projeções para a inflação e o crescimento futuros. E, sim, aumentaram as preocupações com a dívida dos EUA, que duplicou para US$ 33 trilhões desde 2011, em meio ao impasse político. Mas as métricas de mercado relativas às expectativas de inflação não mudaram nos últimos tempos. E essa pilha de dívida está aí à vista de todo mundo há muito tempo; daí os dramas do Congresso.
Taxas de longo prazo têm oscilado por causa de mudanças estruturais mais profundas
Isto leva, portanto, a um quarto ponto-chave: as últimas quedas nos bônus põem no centro das atenções o comportamento dos investidores não americanos.
Um fator que parece afetar o sentimento do mercado é o temor de que investidores japoneses possam vender bônus do Tesouro americano para comprar ativos em ienes se o Banco do Japão permitir que a taxa de retorno de seus bônus de dez anos suba para mais de 1%.
Outro fator é a China. Alguns analistas, como Torsten Slok, da Apollo, acreditam que os chineses têm reduzido suas compras de bônus do Tesouro dos EUA, seja por causa das tensões geopolíticas, seja pelas tensões financeiras internas. E os dados do Treasury International Capital (“TIC”) parecem sustentar essa opinião: as participações chinesas caíram de US$ 939 bilhões para US$ 821 bilhões ao longo do último ano.
Mas Brad Setser, do Council on Foreign Relations, considera que esta série TIC é enganosa: não só os chineses têm adquirido bônus do Tesouro americano, como também compram ativos dos EUA por intermédio de entidades europeias, como a Euroclear, que a série não leva em conta. Ele avalia que se isso for incluído no cálculo, “as participações em ativos americanos declaradas pela China parecem estar basicamente estáveis, entre US$ 1,8 trilhão e US$ 1,9 trilhão”.
Deste modo, hoje os mercados lembram o padrão de risco de 2007: um sistema fortemente interligado está muito exposto a acontecimentos num canto nebuloso e pouco compreendido das finanças – mas em vez de crédito imobiliário subprime, a questão é o interesse de Pequim por bônus do Tesouro americano.
O quinto ponto-chave é que no meio desta incerteza há pelo menos um aspecto que é absolutamente cristalino: o que está acontecendo é uma má notícia para a Casa Branca. Tesoureiros experientes já correm para reestruturar as dívidas de suas empresas, de modo a garantir os baixos custos da tomada de crédito da última década pelo maior tempo possível. Mas a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, não consegue fazer isso. O que significa que os custos do serviço da dívida explodirão em breve; na verdade, já explodiram.
Alguns investidores acham (ou rezam para) que este aperto fiscal incitará o Fed a cortar as taxas de curto prazo. Outros acreditam que o Fed será obrigado a entrar em ação para evitar uma repetição do drama que o Silicon Valley Bank viveu; mais uma vez o tombo dos preços dos bônus provoca perdas nas carteiras de bancos e seguros.
E se o Fed baixar de fato as taxas de curto prazo, isso poderá convencer investidores alavancados, como os fundos de hedge, a começarem a comprar bônus de longo prazo do Tesouro de novo.
O resultado final, então, é que as pessoas que detêm aquele ETF de bônus de longo prazo, não tão monótono assim, poderão se ver diante de mais situações dramáticas. Mas ninguém nunca disse que sair do relaxamento quantitativo seria fácil; o verdadeiro desafio mal começou.
Fonte: Valor Econômico

