O foco do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) está mudando, não para deixar a inflação de lado, mas para começar a dar mais atenção para a situação do mercado de trabalho, que também faz parte do seu duplo mandato, afirma Andrew Hollenhorst, economista-chefe do Citi para os EUA. Com uma visão que não é consenso no mercado, ele prevê quatro cortes de juros pelo Fed neste ano, começando em julho.
Hollenhorst explica que julho seria o momento ideal para começar a cortar os juros porque até lá o Fed terá mais três leituras mensais de inflação e dois dados sobre o mercado de trabalho. A expectativa é que a inflação vá desacelerando mês a mês — o Citi projeta uma alta mensal de 0,31% para o indicador que será divulgado nesta semana — e que, de outro lado, o mercado de trabalho comece a piorar de maneira mais firme.
O economista diz que, historicamente, o mercado de trabalho começa a se deteriorar de forma suave, como mostrou o relatório de empregos (“payroll”) de abril. A geração de vagas diminui, o desemprego sobe um pouco e as contratações também desaceleram. Entretanto, o mais provável é que essa deterioração se acelere nos próximos meses.
“A inflação deve mostrar uma leve desaceleração, mostrando que está na direção certa, e não uma reaceleração, como o mercado chegou a temer há algumas semanas. Enquanto isso, o mercado de trabalho vai apresentar uma deterioração mais forte. Não dá para prever exatamente quando, mas vai acontecer. Eu não ficaria surpreso se nos próximos ‘payrolls’ a gente observar geração zero ou até negativa”, explica.
Enquanto a inflação desacelerando dá espaço para o Fed cortar juros, embora não gere uma urgência nesse sentido, no caso do mercado de trabalho é diferente. “Se isso acontecer, quanto mais tempo o Fed demorar para agir, e quanto mais lento for, mais as pessoas ficam sem emprego. Então, nessa situação eles cortam os juros até ter certeza de que o mercado de trabalho parou de sangrar.”
Além dos indicadores econômicos, há outro fator que pode influenciar no “timing” das decisões do Fed: a eleição presidencial americana. Se deixar para começar o ciclo de cortes em setembro, estará muito perto do pleito, e se deixar para novembro, poucos dias após a votação, pode parecer que está respondendo ao resultado das urnas. “É claro que, se os dados indicarem, eles podem cortar em setembro ou novembro, mas acho que seria mais ‘confortável’ começar a cortar em julho”, opina Hollenhorst.
O cenário do economista do Citi também não é consensual no mercado porque, além de prever quatro cortes, ele espera um PIB estável dos EUA neste ano. Como a leitura do PIB do primeiro trimestre foi de uma taxa anualizada de 1,6%, isso exigiria uma recessão ao longo dos próximos trimestres, o que configuraria um cenário de “hard landing” (desaceleração abrupta). Há poucos meses, a maioria dos economistas apostava em um “soft landing” (pouso suave) ou mesmo “no landing” (sem recessão).
“A questão é que viemos de alguns anos de crescimento, e essa recessão será mais ‘livro-texto’, o que normalmente ocorre no fim dos ciclos econômicos. Não será algo como 2020 ou 2008, quando tivemos contrações muito fortes”, explica o executivo.
Sobre as eleições presidenciais, Hollenhorst aponta que o presidente do Fed, Jerome Powell, vai terminar seu segundo mandato em 2025 e, assim, pode deixar o BC americano independentemente de quem seja o presidente do país. Com Donald Trump, a incerteza é maior, porque ele tem um histórico de indicar diretores que não têm passagens anteriores pelo Fed ou mesmo pelo Departamento do Tesouro, então é mais difícil conhecer e entender sua linha de atuação.
Em um momento em que os EUA enfrentam uma inflação persistentemente elevada e, provavelmente, terão de lidar com as dores de uma economia no chão, pode até mesmo crescer o debate sobre eventuais mudanças na meta de inflação. Nesse cenário, com eventuais diretores mais desconhecidos indicados por Trump, essas incertezas podem crescer, diz o economista do Citi.
Do ponto de vista de políticas econômicas, Hollenhorst diz que as administrações Joe Biden ou Donald Trump não seriam tão diferentes assim. Ele lembra que Biden manteve boa parte das tarifas de importação implementadas pelo antecessor, embora ambos tenham posturas diferentes em termos de políticas de comércio externo e relações internacionais.
O cenário-base é de um Congresso bem dividido nos EUA, seja quem for o presidente do país. Assim, não haveria espaço para grandes mudanças políticas. Isso pode mudar se Trump vencer e os republicanos ganharem também o controle do Senado — o que as estimativas dizem que vai acontecer — e também a Câmara — o que é incerto, mas não impossível. “Aí sim poderíamos ver políticas fiscais mais expansionistas, cortes de impostos”, diz o economista.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2022/7/F/sGyM2iS2W6jtOdHX3vTg/andrew01.jpg)
Andrew Hollenhorst, economista do Citibank — Foto: Divulgação
fonte: valor econômico

