Por Adriana Cotias — De São Paulo
04/09/2023 05h03 Atualizado há 6 horas
Fora do agronegócio, o PIB brasileiro vai cair no segundo semestre, “mas ninguém vai perceber”, segundo Leonardo Linhares, diretor da SPX Investimentos, responsável pela estratégia de renda variável da casa. Só que a perda de ritmo vem na sequência do encaminhamento de uma proposta orçamentária considerada fraca, que deixa em aberto como será o incremento de receitas que fará frente ao aumento de gastos previstos. No curto prazo, isso não deve influenciar o script de corte de juros pelo Banco Central (BC), mas é uma fragilidade adiante.
“Da forma como foi desenhada, a proposta de orçamento joga receitas para cima para justificar as despesas, e depois o governo se vira no ano que vem. Não fazia sentido mandar um projeto com déficit zero, mas é normal. Num governo petista, era esperado um barulho de curto prazo, mas isso não vai impactar as discussões de política monetária agora”, disse Linhares, ao participar de painel reservado a investidores institucionais na Expert XP 2023, na semana passada.
Apesar de certa animação dos investidores com a bolsa de abril para cá, após o novo marco fiscal chegar ao Congresso – com alta de 15,7% do Ibovespa, mesmo com a sequência de quedas em agosto -, o equacionamento da dívida pública está longe de ser resolvido e pelas informações conhecidas até aqui o plano vai ser insuficiente para jogar a trajetória de endividamento para baixo.
Isso preocupa no segundo semestre porque excluindo-se o agronegócio, o PIB vai ficar negativo, prosseguiu Linhares. Num governo com pouca tolerância a qualquer tipo de freio, tal dinâmica pode trazer algum ruído com falta de paciência da ala política, e “essa discussão no ano que vem pode contaminar e trazer algum risco para o ciclo.”
Para o gestor há outros efeitos adversos no médio e longo prazos, dada a política de salário mínimo e a indexação de gastos com saúde e educação, “a conta não fecha”. Uma fonte adicional de incerteza é chegar à eleição de 2026 com um quadro frágil, um período em que tradicionalmente se gasta mais. “No último ano [do governo de Jair Bolsonaro] valeu tudo e a gente vai viver esse passivo, isso vai impactar as discussões de política monetária”, disse Linhares “Em 2024, vai trocar a presidência do BC e tenho certeza que vai trazer mais risco para a inflação.”
O ciclo de queda de juros está dado, a dúvida é como o fiscal vai impactar a taxa final, se vai ser 7%, 8% ou 10%, dos 13,25% atuais, comentou Marcos Peixoto, gestor da XP Asset. Essa é uma variável que impacta diretamente a bolsa.
“Até dois meses atrás, a preocupação com o fiscal era imensa. O juro começou a cair e parece que todo mundo esqueceu o problema. O [projeto] fiscal está cheio de penduricalhos e quem paga o pato são as empresas”, afirmou. “Quando se vê Selic a 9% [nas projeções dos contratos futuros] e a NTN-B a 5,5%… a curva longa não vai fechar [cair] enquanto não tiver visibilidade fiscal. As discussões não estão bem encaminhadas, e as ideias de arrecadação não parecem ser eficientes no longo prazo.”
Nesse ambiente, Peixoto tem dado preferência a concessionárias de serviços públicos, em casos que sofrem menos com questões regulatórias. “Tem muita empresa boa com TIR [taxa interna de retorno] real de 10% a 12%, algumas 15%. Com NTN-B a IPCA mais 5,5% versus 12% em ‘utilities’ é difícil perder dinheiro.” Linhares também tem privilegiado o setor, depois de passar os últimos seis meses comprado em empresas de construção civil, mas que agora já são negociadas acima do valor patrimonial.
O segmento de varejo, que seria um clássico ganhador em ciclos de juros para baixo, foi atropelado por discussões como o fim do rotativo do cartão de crédito e do parcelado “sem juros”, liberação de importações on-line sem impostos até certo valor, e medidas tributárias como a que pode acabar com o instrumento do Juros sobre Capital Próprio (JCP).
“Os últimos dois meses foram menos óbvios para achar teses que são impactadas pela queda de juros”, disse Peixoto, citando que algumas empresas subiram de 50% a 100%, a exemplo de alguns nomes do setor de construção civil.
Linhares disse que quando faz alocação gosta de identificar combinar momento com preço atrativo, um mix poderoso para o retorno. Ele também olha para a posição técnica do mercado. Depois de os juros subirem para dois dígitos e a pessoa física deixar a bolsa maciçamente, “pior do que estava não podia ficar” o fluxo. Não significa comprar qualquer tese maluca nem ações de boas companhias com preços ruins. “Adoro antecipar o momento, o ‘trigger’ de alavancagem que vai deixar as coisas ficarem mais caras do que deveriam, e comprar abaixo do justo.”
O recuo da atividade vem pelo efeito dos juros restritivos, de medidas fiscais e retiradas de estímulos. “Não vejo toda a euforia com os resultados das empresas como foi a safra recente [de resultados]”, disse Linhares. Além disso, o que se discute no lado fiscal impacta o bolso de empresas e famílias, a exemplo do imposto semestral para fundos fechados exclusivos, taxação de dividendos e o fim do JCP.
Fonte: Valor Econômico

