Por Marta Watanabe — De São Paulo
26/09/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
O governo depende do Congresso para endereçar a questão fiscal, disse ontem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O ministro defendeu gastos na área social ampliados recentemente e disse que, do lado das receitas, há uma “erosão fiscal”.
O ministro citou medidas do governo de Jair Bolsonaro destinadas a “ganhar as eleições”, como a desoneração de combustíveis fósseis, comparou o período entre 2013 e 2022 à chamada década perdida de 1980 e disse que houve uma “desarrumação na casa” e que o país tem “uma herança para administrar, que não é simples”.
“O que nós temos pedido para o Congresso e o Judiciário é a compreensão desse momento que nós estamos vivendo.” As declarações foram dadas em evento promovido pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp).
Há uma agenda que precisa ser cumprida e o governo depende do Congresso para endereçar a questão fiscal, disse. Ele defendeu a recente expansão de despesas ligadas à área social citando, entre eles, Fundeb, aumento do piso da enfermagem e Bolsa Família.
O ministro destacou que fatos anteriores, de 2017, afetam as receitas de hoje. “Temos uma corrosão da base fiscal do país. Estou falando da arrecadação, não da despesa.” Um dos eventos de 2017, citou, foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, representando perda de receitas que variam de 0,5% a 1% do PIB (R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões), conforme o cálculo. No mesmo ano, lembrou, “colocaram também jabuti na Lei Complementar nº 160, que tirou R$ 149 bilhões da base de cálculo do IRPJ e da CSLL”. A medida, disse, resulta em perda de mais de R$ 50 bilhões.
Somados, os dois episódios resultam em “erosão” de R$ 100 bilhões, considerando a conta subestimada do efeito da retirada do ICMS na base do PIS e Cofins. “Aí pegamos todas as medidas aprovadas a torto e a direito em incentivos fiscais. O fato é que chegamos a uma realidade absurda na qual, no plano federal nós temos mais de 6% do PIB em desonerações.”
Não foi pouco o que o Congresso entregou. No 2º semestre queremos o mesmo tanto”
“É preciso endereçar temas que não dependem somente do Executivo”, disse. Das duas medidas de erosão fiscal sofridas em 2017, lembrou, uma foi do Judiciário, outra foi uma derrubada de veto no governo Michel Temer. Haddad ressaltou medidas já tomadas que devem resultar em receitas, como o retorno do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O marco fiscal, destacou, permite “aritmeticamente” fazer o ajuste no tempo. “O problema é que o tempo do marco fiscal é um pouco maior do que a área econômica entende como adequada. Temos que corrigir distorções do sistema tributário e nas despesas para encurtar o prazo do marco fiscal.” “Estamos muito vulneráveis na defesa do interesse público para não fazer o reajuste fiscal recair sobre quem não tem.” O ministro lembrou que o governo tem tomado medidas também no lado das despesas, para mapear programas que podem ser “revisitados” e “repensados”.
Após o evento, Haddad disse que a atuação do Congresso no primeira semestre foi “espetacular”, com aprovação da nova regra fiscal, da reforma tributária, além de marcos regulatórios. “Não foi pouco o que o Congresso entregou. No segundo semestre queremos o mesmo tanto.” “Quanto mais rápido tomarmos medidas de estruturação de setores econômicos, mais cedo colheremos os frutos. Estamos em ambiente democrático e precisamos respeitar o ritmo do outro Poder.”
Haddad disse que considera “imprescindível” a votação da MP do Desenrola, o programa de renegociação de dívidas destinado a pessoas físicas inadimplentes. A MP caduca em 3 de outubro. O programa entra agora na segunda fase e a MP, se não for aprovada, frisou, perderá sua validade antes do término do programa.
Durante o evento, questionado, Haddad disse que o Congresso já tem falado que o BNDES deveria recuperar parte da atuação, não atendida hoje por bancos comerciais. “Saímos de uma situação em que o BNDES fazia coisas talvez fora do seu papel para uma situação na qual ele deixa de fazer coisas do seu papel, como os investimentos da transição energética.”
Fonte: Valor Econômico

