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Após emplacar quatro meses consecutivos de valorização com o combustível do capital estrangeiro, a bolsa local não resistiu à iminente taxação de produtos brasileiros em 50% pelos Estados Unidos. O dólar e o ouro voltaram a subir, enquanto os títulos do Tesouro atrelados à inflação perderam valor. Quem manteve aplicações pós-fixadas, atreladas à Selic ou ao CDI, o juro das trocas entre instituições financeiras que anda colado na taxa básica, passou o mês sem sustos.
À frente, entre as alternativas locais, o investidor tem de partida 15% ao ano na renda fixa pós-fixada, de um lado, e do outro, ações que são consideradas uma barganha se o Banco Central (BC) tiver condições para afrouxar a política monetária adiante. Mas o emaranhado que vem após o “tarifaço” de Donald Trump, apesar da lista de exceções, pode ter desdobramentos adversos. Abocanhar juros reais nesse meio tempo parece ser uma boa pedida, segundo especialistas.
O Ibovespa perdeu 4,2%, mas ainda acumula no ano valorização de 10,6%. Empresas menores ou ligadas à economia doméstica tiveram desempenho ainda pior, com baixa de 6,4% para o índice de small caps, de 8,9% para o do setor de consumo e de 6,1% para os papéis do setor imobiliário. De janeiro para cá, este último ainda lidera os ganhos na B3Cotação de B3, com valorização de 37,5% para o Imob.
Na renda fixa, o IMA-B 5+, índice da Anbima que representa uma cesta de papéis do Tesouro IPCA+, com prazo acima de cinco anos, recua 1,5% no mês, mas no ano supera o desempenho do CDI, com valorização de 9,1%, ante 7,9% do referencial. Ficou também acima da inflação projetada para o período, de 3,3%. O dólar subiu 3,1% no mês, mas no acumulado de 2025 ainda perde 9,4% para o real, enquanto o ouro se valorizou mais 2,9% e já rende 14,3% desde janeiro.
“Quando se pensa no cenário até o fim do ano ou nos próximos 12 meses, as perspectivas levariam a aumentar os riscos nas carteiras, seja pelo investidor, seja pelo gestor de fundos, mas a gente tem vivido no curtíssimo prazo uma volatilidade tão alta que no mês a mês a dosagem vem variando bastante”, diz Ana Rodela, executiva-chefe de investimentos (CIO) da Bradesco Asset Management.
Com o anúncio da taxação de bens importados por Trump e as decisões de política monetária no Brasil e nos Estados Unidos nesta semana, algumas questões ficaram mais claras. Há chances de o Comitê de Política Monetária (Copom) ter encerrado o ciclo de alta, com a Selic em 15% ao ano. “[O juro] deve ficar algum tempo parado e isso trouxe convicção para o mercado de que o próximo movimento é de queda, com dados de atividade, de inflação e de crédito desacelerando”, diz Rodela.
Aos olhos do capital estrangeiro, que tanto contribuiu para a valorização dos ativos brasileiros neste ano, o diferencial de juros ficou mais atraente, já que outros bancos centrais iniciaram seu ciclo de queda ou estão mais estagnados. “Todos os fatores juntos dizem que eu poderia ter mais risco alocado na carteira, mas no curto prazo tem mais ruído porque a tensão entre Estados Unidos e Brasil saiu um pouco do âmbito comercial”, prossegue a executiva do Bradesco. “É um assunto que pode escalar ou pode morrer com as decisões já tomadas.”
O tarifaço também deu uma bagunçada no cenário eleitoral, tirando um pouco da confiança que os participantes do mercado tinham numa renovação no Planalto, diz Rodela.
Mesmo com as incertezas, a executiva espera ver o investidor mais propenso a comprar fundos de ações, multimercados e a renda fixa ativa. “Ele pode ficar de fora de movimentos relevantes se não agregar riscos na carteira.”
Com uma economia muito fechada ao comércio global, o tarifaço de Trump pesa em alguns setores, mas o efeito geral sobre a atividade tende a ser moderado, segundo Daniel Leichsering, executivo-chefe de investimentos (CIO) da WHG. Do ponto de vista político, ele vê o episódio reativando o sentimento nacionalista, mas é algo que tende a se perder rapidamente. Se as consequências são limitadas e os preços caíram, pensando na alocação, abriu-se uma oportunidade para ampliar a parcela em estratégias de renda fixa, diz.
“As taxas de juros subiram bastante no Brasil, é um bom momento para, eventualmente, alongar as posições aplicadas nas taxas de juros real e nominal. E a bolsa também caiu. Então, estou moderadamente mais construtivo”, afirma Leichsering. A WHG não elevou, por ora, a posição em ações. “A gente está contemplando a ideia de aumentar, mas ainda não tomou nenhuma atitude. O fato é que teve uma queda nas últimas semanas, o que deixa o ativo um pouco melhor.”
No front monetário, após o BC interromper o ciclo de aumento de juros Leichsering diz que o processo inflacionário no Brasil caminha para um desenvolvimento ligeiramente mais favorável. As estimativas no boletim Focus, em que a autoridade coleta as projeções do mercado, vêm caindo para 2025 e 2026. “O cenário está avançando de maneira mais construtiva para haver cortes de juros”, afirma, fazendo a ressalva de que a inflação projetada segue acima da meta e que a virada da atividade parece longe, com a economia num ritmo “insuficiente para aumentar a ociosidade doméstica”.
Com a taxação de Trump, o governo deve compensar os setores afetados com crédito subsidiado. “Depois, as tarifas caem e o crédito subsidiado fica para sempre”, diz o CIO da WHG. “Tem algum sinal de que tanto o fiscal quanto o parafiscal no segundo semestre vão estar mais soltos.” A injeção de dinheiro na economia dificulta o trabalho do BC de conter as pressões inflacionárias.
O Brasil vinha se beneficiando da sua “irrelevância geopolítica, econômica e militar”, virou uma alternativa para o capital externo que realocou parcela de recursos concentrada nos Estados Unidos nos últimos anos. “A neutralidade estava trazendo fluxo de recursos para o país com o começo atabalhoado do governo Trump”, diz Walter Maciel, principal executivo (CEO) da AZ Quest. “Quando pensou em desconcentrar, o estrangeiro olhou para a Rússia, para a China, para o México? Não. O Brasil estava recebendo dinheiro mesmo sem nada de diferente acontecer.”
Para o executivo, esse fluxo cessou com os holofotes de Trump sobre o país. “O Brasil passou a ser uma voz elevada na mobilização dos Brics [que inclui, além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] para buscar alternativas ao dólar como principal moeda ao comércio internacional. A Índia não fez isso, a China não fez, e o Brasil, de bobo, foi liderar esse papo”, diz Maciel.
Embora num primeiro momento o tarifaço dos EUA contra o Brasil tenha dado munição para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuperar pontos nas pesquisas de popularidade, Maciel vê chances de os ativos brasileiros se recuperarem em cima do “trade eleitoral”, que traz como hipótese a troca no Planalto por um nome mais pró-responsabilidade fiscal.
“A política monetária tem surtido o efeito de desacelerar a economia, o real vinha se valorizando, era uma janela para o BC começar a pensar a cortar juros e para que a bolsa no ano que vem fosse para o seu ‘all time high’ [nível recorde], recebendo mais investidores, mas esse fluxo foi interrompido. Agora, os investidores estão mais retraídos, voltaram a ter mais medo”, afirma Maciel. “Não dá para dizer que no segundo semestre o mercado vai sair comprando tudo.”
Ele diz que o melhor a fazer nesse intervalo é lentamente apimentar o risco, mantendo a carteira diversificada, reconhecendo o custo de oportunidade altíssimo, que é o juro real em 10%. “Vai devagar, mas fica de olho. Tem um calendário definido [até a eleição] para abrir mão disso agora, vai que Trump aplique novas sanções e daí é 10% a 15% para baixo [na bolsa].”
Alongando o olhar para 2026, a dinâmica inflacionária começa a se mostrar mais benigna, convergindo para o topo da meta de 4,5%. É o que poderia abrir espaço para a redução da Selic e novas rodadas de recuperação dos ativos domésticos, diz Fernando Donnay, sócio e gestor de fundos de fundos da G5 Partners. “O que se espera é que o BC continue com juros de 15% até o fim do ano e em janeiro comece um ciclo de cortes”, diz. Mas, como o tarifaço é o principal tema agora, nesse curto prazo o investidor fica um pouco mais “desprevenido”.
Com a sucessão presidencial no Brasil à frente, Donnay diz que o cenário é binário para a performance dos ativos locais. “Ao mesmo tempo em que o investidor tem que se proteger, não pode deixar de aproveitar a oportunidade que surgir ao longo do tempo.” O gestor diz gostar de estratégias ligadas a juros reais, que no relativo performam bem num cenário ruim para o Brasil e “super bem” se prevalecer o marketing das eleições. “É uma assimetria interessante de proteção ou para capturar parte de um eventual rali.”
Ele sugere uma pequena exposição em bolsa no Brasil, com o Ibovespa ainda num ponto de entrada interessante. “A economia brasileira e o balanço das empresas mostram bons resultados e o ‘valuation’ [cálculo de valor justo] segue atraente.” Lá fora, o gestor da G5 diz manter exposição em ações pela leitura de que os Estados Unidos reúnem “as melhores companhias do mundo, a economia segue saudável e a inteligência artificial tem potencial de destravar valor”.
Fonte: Valor Econômico

