Por Marsílea Gombata, Valor — São Paulo
21/11/2023 13h41 Atualizado há 14 minutos
O Brasil tem duas preocupações na arena econômica neste fim de ano: a queda da atividade e a incerteza em torno da eleição de Javier Milei, na Argentina. No que diz respeito à atividade, a grande dúvida é como o governo irá ler isso e se buscará impulsionar a economia via estímulos fiscais. Se decidir por esse caminho, haverá consequências para o ciclo de queda de juros, que pode entrar em ritmo mais lento, alerta o Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre).
Em sua edição de novembro, o Boletim Macro lembra que a atividade econômica segue em desaceleração significativa neste segundo semestre. Esse cenário se deve aos efeitos defasados de condições financeiras mais apertadas, que impactam o crescimento de atividades mais sensíveis à política monetária como indústria de transformação, comércio e serviços, e à contribuição negativa do setor agropecuário. Esses fatores devem levar o PIB a recuar 0,1% no terceiro trimestre, em relação ao segundo, afirmam os economistas Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro.
Segundo sondagens preliminares feitas em novembro, os índices de confiança do FGV Ibre confirmam esse cenário, seguindo a tendência de outubro. No mês passado, o Índice de Confiança Empresarial recuou pelo segundo mês seguido, em 1,2 ponto, devolvendo boa parte dos ganhos do ano. O Índice de Confiança dos Consumidores caiu 3,8 pontos, após sequência de cinco altas consecutivas.
O ambiente externo também pode contribuir para o arrefecimento da atividade econômica, após ano de forte contribuição das exportações. Além da desaceleração do crescimento dos Estados Unidos, espera-se menor expansão do PIB da China.
Apesar disso, o FGV Ibre mantém a projeção de crescimento de 2,7% do PIB para 2023, e de 1,2% para 2024. O Boletim Macro lembra, contudo, que na divulgação do PIB do terceiro trimestre deve haver revisão dos dados anteriores — como o PIB definitivo de 2021, de 5% para 4,8% —, o que pode alterar as projeções para o quarto trimestre e para 2023.
“Demorou a acontecer, mas parece que a atividade desacelerou. Temos de separar o que é desaceleração decorrente da agropecuária de, por exemplo, acomodação do consumo das famílias, sob efeitos defasados da política monetária”, diz Matos, ao prever contração média de 0,25% no segundo semestre, ante crescimento de 1,35% na primeira metade do ano. “Por outro lado, a construção civil também mostra resultado pior, o que nos levar a ver 2024 com tensão por conta dos juros ainda altos.”
Para 2024, o FGV Ibre prevê carregamento estatístico de -0,2% da agropecuária e um cenário bem menos auspicioso do que o deste ano. Depois de crescimento recorde de quase 15% em 2023, o setor deve expandir apenas 1,7% no ano que vem, contribuindo com 0,2 ponto percentual para o crescimento do PIB de 2024, ante quase 1,2 ponto neste ano. Mas, alerta o Boletim, se os riscos climáticos afetarem safras de soja e milho, o crescimento do PIB no ano que vem pode ser menor que 1%.
No PIB de 2024, afirmam Matos e Castelar Pinheiro, estima-se contribuição de 0,6 ponto percentual de componentes exógenos, como agropecuária, indústria extrativa, setor de aluguéis e serviços de administração pública, após contribuição de 1,6 ponto em 2023. Por ora, Matos estima média de crescimento de 0,5% em cada trimestre no ano que vem.
O viés preocupante da desaceleração da atividade, contudo, têm reflexo positivo no front inflacionário, afirma o Boletim.
“As últimas divulgações reforçaram um cenário de desinflação consistente no curto prazo. A alta nos preços de serviços manteve a trajetória de desaceleração, sobretudo na métrica subjacente”, diz o texto. “Os núcleos de inflação ficaram abaixo do esperado, com destaque para a descompressão mais intensa nas métricas mais sensíveis ao ciclo econômico.”
Na parte sobre inflação, o economista André Braz observa que o desempenho do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em outubro fortalece a previsão de que a inflação deste ano permaneça dentro do intervalo de tolerância estabelecido, de até 4,75%.
A expectativa de inflação em 2023 continua em queda, observa, passando de 4,75% em outubro para 4,59% em novembro, segundo o Boletim Focus. Ele acrescenta que, se o preço dos combustíveis seguir a tendência de queda do petróleo, a expectativa é de recuo ainda maior da inflação.
Matos, contudo, se preocupa sobre a postura do governo diante da desaceleração da atividade — e da inflação aparentemente sob controle. “Como o governo aceitará a desaceleração da economia, que consolidará a desinflação brasileira e permitirá a queda de juros consistente?”
No Boletim, Matos e Castelar Pinheiro afirmam que “o grande risco para os próximos meses é que, diante da desaceleração da atividade, o governo mude de postura, atuando na direção contrária, de ampliação das políticas anticíclicas, através de maiores gastos públicos e/ou políticas parafiscais, via bancos públicos, dificultando a convergência da inflação para a meta”.
Isso, na visão dos economistas, inviabilizaria um cenário de sustentabilidade da dívida pública, devido à manutenção de déficits primários em patamares elevados e à dificuldade de queda da taxa real de juros da economia.
Soma-se a esse ponto de alerta a incerteza que ronda a Argentina após a eleição de Javier Milei, que se autodefine anarcocapitalista. No cenário internacional, Samuel Pessôa escreve sobre a economia do país vizinho e a “Difícil Tarefa” de Milei para encontrar uma “forma civilizada de gerir o conflito distributivo”.
“Ele [o conflito distributivo] acaba sendo solucionado por meio de inflação [na Argentina]”, afirma o economista, ao lembrar a inflação nos últimos 12 meses até outubro chegou a 142%. “Milei terá que tratar no curto prazo os benefícios que Massa concedeu em uma tentativa desesperada de conseguir vencer as eleições”.
Milei aposta na dolarização da economia. Pessôa alerta, contudo, que ninguém sabe como isso será feito. “Provavelmente a Argentina tem hoje reservas negativas. Tem uma dívida de mais de US$ 40 bilhões com o FMI. O FMI ajudaria mais uma vez a Argentina liberando mais recursos para financiar a dolarização? Não parece ser o caso”, escreve.
O presidente eleito da Argentina, argumenta o economista, não conseguirá “fugir do problema”.
“Terá que produzir um fortíssimo ajuste fiscal logo. Quando tiver uma posição superavitária nas contas públicas poderá caminhar para a fixação do câmbio em alguma moeda, pode ser o dólar americano ou o real, e eliminar a inércia inflacionária. Pode fazer essa operação por meio de uma reforma monetária e criar uma nova moeda”, enumera, ao acrescentar que planos heterodoxos, em geral, pioram a situação fiscal.
“Milei pode encaminhar para uma flutuação do câmbio e para a construção do regime de metas de inflação. Essencialmente esse foi o roteiro seguido por nós entre 1993 e 1999”, observa Pessôa.
A verdade, contudo, é que ninguém sabe o roteiro de Milei. E isso também mergulha o Brasil em grande incerteza, dado o alto grau de integração econômica e os laços entre os países.
Fonte: Valor Econômico

