Por Lucinda Pinto e Victor Rezende — De São Paulo
25/04/2022 05h02 Atualizado há 7 horas
O salto de 4,04% do dólar na última sexta-feira, para perto de R$ 4,80, é sinal de que os tempos de firme valorização cambial devem dar lugar à volta da volatilidade. A leitura de que os juros americanos vão subir mais que o esperado coloca em questão alguns dos fundamentos que fizeram do real a moeda que mais subiu em relação ao dólar neste ano. E, com isso, analistas colocam em dúvida os cenários em que a trajetória de alta da moeda brasileira se mantenha.
A alta do dólar da sexta-feira foi provocado pela indicação por parte de integrantes do Federal Reserve, o banco central americano, de que um aumento de juros mais acelerado estará sobre a mesa na próxima reunião. Essas declarações, feitas na quinta-feira, quando os mercados brasileiros estavam fechados por causa do feriado local, provocou uma forte valorização do dólar no mundo. O real foi a moeda que mais sofreu, em um movimento que assustou e provocou até mesmo uma atuação extraordinária do Banco Central (BC).
Para o diretor de tesouraria do Fator, Bruno Capusso, a declaração de Powell, na quinta-feira, e a indicação do presidente da distrital de St. Louis do Fed, James Bullard, de que um aumento de 0,75 ponto pode ocorrer, a depender da dinâmica inflacionária, “mudaram a percepção de todo mundo”, o que pode trazer agitação ao mercado nas próximas semanas. “Tem boa chance da cotação [do dólar] voltar para R$ 5, porque o mercado ficou mais avesso ao risco.”
De fato, na sexta-feira, o índice DXY, que mede o desempenho do dólar contra uma cesta de seis moedas fortes, subiu 0,54% e fechou a 101,12 pontos, no maior nível desde março de 2020. Os estrategistas de câmbio do J.P. Morgan observam em relatório que o a perspectiva de um crescimento econômico mais suave e de inflação mais alta persistiu na semana “e, combinado com o aumento dos juros reais americanos, continua apoiando a força do dólar”.
O comportamento do real na sexta-feira, contudo, chamou a atenção. Embora o feriado de Tiradentes tenha deixado os mercados domésticos fechados na quinta-feira, o que exigiria um ajuste adicional na sexta, o movimento de depreciação da moeda brasileira assustou. De acordo com levantamento do Valor Data, o real foi a divisa de pior desempenho no dia. O dólar subiu 4,04%, e foi seguido de longe pelo peso colombiano e, depois, pelo peso chileno e pela libra.
É importante observar que o real ainda é a moeda que mais se valoriza no ano e, mesmo com a alta de sexta-feira, o dólar ainda recua expressivos 13,79% no acumulado deste ano ante o real. Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total, nota que o real se beneficiou tanto da alta das commodities quanto do aumento no diferencial de juros, variáveis que são colocadas em questão no momento.
Mollica observa que dúvidas quanto à economia chinesa abalam a perspectiva positiva para os preços das matérias-primas e que o Fed pode ajudar a esfriar a economia global e os preços de commodities, além de reduzir o diferencial de juros, variável que vinha dando apoio ao real. “Não diria que [a alta do dólar] seja uma tendência ainda, mas tem algo mais estrutural nesse movimento”, afirma. “Acho que isso tudo pelo menos tira o viés de apreciação [do real], podendo levar a uma correção maior se esses vetores se acentuarem.”
Parte do desempenho pior do real veio na esteira de sinalizações do BC brasileiro lidas como mais “dovish” (suaves) pelo mercado. Em evento em Washington na quinta-feira, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, teria passado uma mensagem de maior tranquilidade em relação à inflação. Segundo relatos ouvidos pelo Valor, Campos Neto teria dito que o BC se surpreendeu com o IPCA de março, mas reforçou que parte disso se deveu à antecipação do reajuste da gasolina. Além disso, teria sugerido ao mercado que tentasse decompor eventos estruturais e não-estruturais e reforçado a mensagem de que o BC não faz política monetária com base só em um número.
Para Capusso, do Fator, os sinais mais suaves emitidos por Campos contribuíram para a reação do câmbio na sexta. “Mas, para mim, a mensagem que vale é a de que o IPCA de março surpreendeu. Embora o mercado tenha reagido, ainda acredito que a ideia de que haverá apenas mais uma alta de 1 ponto da Selic subiu no telhado”, afirma.
Diante do ajuste visto na sexta, a economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória, avalia que é possível acreditar que o movimento de valorização do real das últimas semanas tenha sido interrompido. “Não significa que voltaremos aos R$ 5, mas aqueles cenários mais otimistas, muito abaixo de R$ 4,50, não devem se confirmar.” Para ela, a perspectiva de crescimento global menor se contrapõe aos fundamentos que justificaram a queda do dólar no ano.
Essa nova leitura teve como principal justificativa a indicação pelo Fed de que vai subir o juro mais rapidamente do que se previa. “O Fed está mudando o tom com a inflação”, afirma Vitória. Apesar disso, ela acredita que a mudança no cenário internacional não deverá justificar uma ação mais contundente do BC brasileiro, já que o diferencial de juros já está alto o suficiente.
O cenário também é defendido pelo estrategista-chefe da Renascença, Sérgio Goldenstein, para quem o diferencial de juros elevado já é bastante atrativo. “E a velocidade de apreciação da moeda estava muito forte. O real tem sido a melhor moeda do ano e esse ambiente de aversão a risco no exterior gerou alguns movimentos de ‘stop loss’ na moeda”, aponta.
Nesse sentido, Goldenstein aponta que os sinais do BC tiveram impacto, mas enfatiza que outros fatores, como a aversão a risco nos mercados globais, tiveram mais relevância. “Não é 0,5 ponto a mais ou a menos que vai alterar esse quadro”, afirma. Ele nota ainda que a Selic a 12,75% já está bem acima do observado em outros emergentes.
Fonte: Valor Econômico

