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Alexandre Tavazzi, da Pictet: Fed pode desacelerar ritmo se não houver deterioração no mercado de trabalho — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
A decisão do Federal Reserve (Fed, banco central americano) de iniciar o afrouxamento monetário nos Estados Unidos em um ritmo de 0,5 ponto foi uma surpresa para a Pictet – gigante suíça com aproximadamente US$ 775 bilhões sob gestão – e pode ter tido relação com a proximidade de datas entre a próxima reunião do comitê e a eleição americana.
Ainda que o presidente do banco central americano, Jerome Powell, tenha enfatizado sua intenção de proteger o mercado de trabalho do país, o cenário de desaceleração rápida da economia parece muito improvável, o que pode beneficiar empresas de menor capitalização e que ficaram baratas em comparação às teses ligadas à tecnologia dentro do mercado acionário americano.
A avaliação foi feita pelo diretor de investimentos e chefe de pesquisa da Pictet Wealth Management, Alexandre Tavazzi, em entrevista ao Valor, em São Paulo, momentos após o anúncio da decisão do banco central americano. “O mercado reagiu imediatamente ao corte de 0,5 ponto, com alta das bolsas em Nova York; recuo do dólar e o ouro atingindo novas máximas históricas”, afirma, apontando a ênfase que Powell deu à tentativa de proteger o mercado de trabalho.
“Ele disse que quer proteger o mercado de trabalho, o que significa que eles estão menos preocupados com a inflação e mais preocupados com o crescimento. Mas, nos comentários seguintes, ele disse: ‘não esperem que um ritmo de 0,5 ponto percentual seja a norma a partir de agora’. O mercado reverteu imediatamente e tivemos os juros de 2 anos passando a subir”, observa Tavazzi.
Nesse contexto, o executivo ainda vê com bastante ceticismo a possibilidade de um pouso forçado (“hard landing”) nos EUA. Para Tavazzi, os sinais emitidos pelas empresas ainda parecem positivos e incompatíveis com uma desaceleração brusca no mercado de trabalho. “Quando você vê a atitude das companhias em relação ao emprego, elas dizem que não podem demitir em grande escala, porque não têm certeza de que encontrarão trabalhadores se as condições melhorarem. Não é o típico cenário de ‘hard landing’. Também porque, do ponto de vista financeiro, não há um grande desequilíbrio”, diz.
Por qual razão, portanto, o Fed teria optado por iniciar o ciclo de cortes em um ritmo de 0,5 ponto? Segundo Tavazzi, na próxima reunião do Fed, o país estará imerso em seu processo eleitoral. “Talvez eles possam sentir que não gostariam de interferir no processo eleitoral. Então acabaram mandando um sinal forte, ligado às preocupações relacionadas ao crescimento. E a decisão por 0,5 ponto também ocorre porque o mercado já estava bastante preparado para o 0,5 ponto. Então, eles deram o sinal e podem dizer que os cortes seguintes serão em um ritmo de 0,25 ponto – que é mais ou menos o que está nas projeções”, conclui.
Tavazzi ainda acredita que, caso não haja uma deterioração no mercado de trabalho, é possível que o Fed consiga desacelerar o ritmo de cortes a partir da próxima reunião, conforme indicou a mediana das projeções divulgadas ontem.
Em relação aos ativos, a Pictet vê com bons olhos as oportunidades no mercado acionário americano, em especial de empresas de pequena e média capitalização, que acabaram ficando baratas em comparação às gigantes de tecnologia. “Elas são as grandes beneficiárias de custos de financiamento mais baixos, já que são mais alavancadas”, afirma o executivo. A gestora suíça também revela preferências pelo crédito privado americano “high yield”, especialmente em suas parcelas de menor risco.
“Em um mundo complicado como este em que vivemos, os preços do ouro atingiram um novo recorde hoje [ontem]. Se tivermos problemas com as próximas eleições nos EUA e, em algum momento, o mercado começar a se preocupar com o déficit fiscal e coisas desse tipo, ficaremos felizes em ter ouro em nossos portfólios. Mas eu diria que, como regra geral, dada a alta das taxas de juros e a queda da inflação, é melhor ser um investidor ativo e buscar empresas em vez de setores e praticar a gestão ativa.”
Tavazzi diz que as surpresas com o crescimento brasileiro têm sido um fator positivo aos olhos dos investidores globais, mas a dinâmica da dívida ainda segue como um fator de atenção. Neste sentido, a classe de ativos preferida da Pictet no ambiente local é o crédito privado, com companhias em situação financeira bastante sólida oferecendo retornos elevados.
O executivo ainda avalia que a divergência entre os cenários de política monetária no Brasil e nos EUA é compreensível, dada a resiliência da atividade econômica brasileira. “Se olharmos especificamente para o PIB mais recente, veremos um resultado muito forte e isso ajudando uma volta da inflação neste momento, o que significa que é possível aumentar as taxas de juros em 0,25 ponto. Mas não se deve esquecer que estamos em um ciclo em que muitas coisas estão começando a desacelerar”, afirma.
Segundo ele, ao se observar os números do PIB brasileiro, há uma elevada contribuição dos estoques corporativos. “Portanto, parece que as empresas acumularam estoques dos quais terão de se livrar na próxima fase do ciclo. Mas é óbvio que o Banco Central quer dar um sinal já que a inflação chegou ao limite superior da meta. É por isso que os 0,25 são compreensíveis. Mas, depois disso, ainda é preciso esperar como o setor manufatureiro vai se comportar, em meio aos problemas observados na China”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

