Dirigentes do Federal Reserve (Fed, banco central americano) se uniram ontem em um movimento para reforçar a narrativa do presidente do banco central americano, Jerome Powell, de que a inflação dos EUA ainda é resiliente e que os cortes nos juros podem não acontecer este ano. Até uma nova alta não foi totalmente descartada.
O resultado foi uma forte recuperação nos rendimentos dos Treasuries e do dólar, além de um movimento de maior aversão ao risco que acabou respingando em Wall Street.
Embora todos os comentários enfatizam que um corte de juros está distante, o momento projetado do início do afrouxamento monetário difere. Para o presidente da distrital do Fed de Atlanta, Raphael Bostic, os cortes nos juros serão possíveis apenas no fim do ano diante de uma inflação que vai demorar mais tempo que o esperado inicialmente para voltar para meta. Em um evento na Flórida, Bostic disse que estima que a inflação deve continuar recuando gradualmente para a meta de 2% pelos próximos dois anos.
Neil Kashkari, da distrital de Mineápolis, acredita que os cortes serão ainda mais distantes, apenas em 2025, e que para controlar a inflação o Fed deverá manter os juros inalterados no patamar de 5,25% a 5,50% até o fim de 2024.
Em entrevista à Fox News após o fechamento dos mercados, Kashkari disse ainda que o Fed precisa ter confiança de que a inflação está caindo em direção à meta de forma sustentável. Para ele, é preciso ter cautela diante das recentes leituras inflacionárias maiores que o esperado.
Em linha com Kashkari, o presidente do Fed de Nova York, John Williams, disse que não vê urgência em cortar os juros e que a política monetária está em um bom lugar. Porém, em um tom mais “hawkish” [favorável ao aperto], Williams não descartou uma nova alta nos juros se os dados da economia indicarem que mais um aperto é necessário.
O mesmo tom foi adotado pela diretora do Fed, Michelle Bowman, na noite de quarta-feira. Segundo ela, embora os juros estejam em terreno restritivo, é incerto se eles se encontram em terreno restritivo “o suficiente”. “O tempo dirá se estão suficientemente restritivas”, disse.
Progresso de desinflação parece insuficiente para o gosto do Fed e é essa a mensagem dos decisores”
— Ian Lygen
Já Loretta Mester, do Fed de Cleveland, reiterou que não há pressa para cortar os juros porque a economia está em um bom lugar mas lembrou que devolver a inflação para a meta de 2% ficou mais difícil, com os primeiros três meses de 2024 sendo um obstáculo na luta contra a inflação.
“À medida que 2024 se desenrola, o progresso de desinflação parece insuficiente para o gosto do Fed e é precisamente essa a mensagem atual dos decisores de política monetária. É um exercício de reflexão interessante imaginar o que seria necessário para levá-los a estarem abertos de verdade a outra alta”, avalia o economista da BMO Markets, Ian Lygen.
Os comentários que sugerem juros mais elevado por muito mais tempo elevaram os rendimentos dos Treasuries, com o rendimento da T-Note de 2 anos chegando perto dos 5% novamente. No fechamento, o “yield” do papel de 2 anos ficou na máxima do dia a 4,999%, ante 4,945% do fechamento anterior. O retorno do papel de 10 anos avançou a 4,631%, de 4,593%, e o do título de 30 anos subiu a 4,734%, de 4,705% anteriormente. Já o índice DXY – que mede a relação da moeda americana com uma cesta de moedas – avançou 0,20 % a 106,16 pontos.
Para Padhraic Garvey, economista do ING, só um índice de preços de gastos com consumo (PCE) de março – a ser divulgado na próxima sexta – de 0,2% poderá evitar que os rendimentos dos papéis atinjam 5% em um movimento de recomposição do “term premium” (prêmio exigido pelos investidores para carregar os papéis mais longos). “Se o PCE ficar em 0,3% ou mais, a jornada para os 5% continuará.”
Fonte: Valor Econômico

