Mesmo estando na contramão da maior parte do mercado, o Morgan Stanley segue firme em sua convicção de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) não irá reduzir juros neste ano. Apesar dos dados recentes terem vindo relativamente fracos, para Seth Carpenter, economista-chefe global do banco americano, o impacto da guerra comercial sobre a inflação irá atingir seu pico nos próximos meses, o que deve manter o banco central americano em compasso de espera.
Em entrevista ao Valor na sede do banco em Nova York, ele também alertou para as restrições à imigração nos Estados Unidos, que têm sido subestimadas pelos investidores e devem pesar sobre o mercado de trabalho.
Para 2026, o Morgan Stanley também está na contramão e espera mais reduções de juros do que a média dos participantes do mercado, com o retorno dos cortes na reunião de março de 2026 e uma projeção de que a taxa final fique próxima a 2,5%.
Nesse cenário, Carpenter vê espaço para uma desvalorização adicional de cerca de 10% para o dólar americano. Além de prever uma desaceleração da economia que comece ainda em 2025, ele também observa alguma relutância por parte dos investidores em alocar em ativos americanos. “Essa realocação de portfólios para longe do dólar e dos Estados Unidos, junto com o maior hedge cambial, pode causar uma queda ainda maior no valor do dólar.”
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Valor: O Morgan Stanley tem mantido uma posição bastante firme de que o Fed não vai cortar as taxas de juros este ano. Por quê?
Seth Carpenter: Se olharmos para o passado, parece que as tarifas impostas pelos EUA tendem a ter dois efeitos: elevar a inflação e reduzir o crescimento econômico, duas forças que geralmente confundem o banco central, pois apontam para direções opostas em termos de política monetária. A história sugere que o efeito inflacionário ocorre primeiro. Já o impacto sobre o crescimento econômico leva mais tempo, de dois a três trimestres. Esperamos, então, que os próximos dados comecem a demonstrar um aumento da inflação por causa das tarifas e, nos meses seguintes, a inflação continuará subindo. Assim, teremos uma situação em que a inflação está mais alta do que o Fed deseja. Por outro lado, acreditamos que o mercado de trabalho continuará razoavelmente saudável, então enfrentaremos uma situação em que o emprego está bem, mas a inflação está alta e subindo. Como resultado disso, o Fed não vai querer cortar as taxas de juros até ter certeza de que a inflação parou de subir e começou a cair. Essa é a lógica por trás da nossa previsão de que o Fed não vai cortar as taxas este ano.
Valor: O mercado de trabalho, de fato, parece bastante resiliente
Essa discussão sobre realocação de portfólios vai durar alguns anos, não vai acabar nos próximos meses”
Carpenter: Um fator importante para nós é que o governo dos EUA impôs restrições muito severas à imigração, o que significa que a taxa de crescimento da oferta de trabalho da economia diminuiu drasticamente. O Fed tenta monitorar a saúde da economia e do mercado de trabalho observando a taxa de desemprego. Achamos que ela não vai subir tanto quanto normalmente subiria durante uma desaceleração, por causa das restrições à imigração, ou seja, será muito mais difícil para o Fed justificar um corte nas taxas de juros se a economia desacelerar, porque a taxa de desemprego não mostrará tanto esse enfraquecimento como mostraria em outras circunstâncias. A economia desacelera, mas a taxa de desemprego não sobe muito. Então, quando o Fed tiver que avaliar qual é o problema maior, inflação ou mercado de trabalho, acreditamos que o lado da inflação vai continuar parecendo mais grave do que o lado do emprego.
Valor: Há uma desconexão entre a política atual do Fed e a de outros bancos centrais, já que muitos deles já começaram a cortar juros?
Carpenter: No momento, os EUA são o país que está impondo tarifas e os efeitos inflacionários disso são muito diferentes para os EUA do que para as outras economias, então o Fed precisa reagir de forma diferente. Agora, quanto às nossas projeções, somos bem diferentes do mercado não apenas porque não esperamos nenhum corte de juros neste ano, mas também porque acreditamos que o Fed provavelmente irá reduzir ainda mais as taxas no ano que vem do que o resto do mercado acredita, para algo próximo de 2,5%. Então o Fed pode acabar cortando mais juros do que o Banco Central Europeu (BCE), por exemplo.
Valor: Por quê?
Carpenter: Acredito que no próximo ano teremos muito mais clareza em relação à inflação. A história sugere que a inflação causada por tarifas é temporária. Então, se isso estiver certo, teremos essa clareza até o início do próximo ano, e será mais fácil para o Fed reduzir as taxas de juros assim que tiver certeza de que a inflação está voltando a cair. Além disso, acreditamos que a economia vai desacelerar ao longo do ano. Achamos que o quarto trimestre deste ano e o primeiro trimestre do ano que vem serão particularmente fracos para a economia dos EUA. E assim, acreditamos que haverá um motivo forte para o Fed começar finalmente a cortar as taxas de juros com mais intensidade no ano que vem. É uma questão de ser cauteloso agora.
Valor: Dado que investidores estão repensando suas alocações nos EUA, como isso pode impactar os fluxos para outros países?
Carpenter: As diferenças nas taxas de juros e as expectativas sobre o movimento das taxas de política monetária têm um grande efeito sobre as moedas. Nós acreditamos que o mercado está esperando razoavelmente bem o que outros bancos centrais vão fazer. Onde achamos que o mercado está errado é em relação ao quanto o Fed vai cortar. Tudo indica que o valor do dólar provavelmente vai continuar caindo. E o que isso significa para os outros bancos centrais? Significa que o trabalho deles fica um pouco mais fácil. Se o dólar está caindo de valor em geral, isso facilita para um banco central, como o do Brasil, reduzir as taxas de juros.
Valor: Há espaço para uma desvalorização ainda maior do dólar?
Carpenter: De forma geral, uma queda adicional de cerca de 10% no valor do dólar a partir de onde estamos agora parece razoável, talvez um pouco mais do que isso, mas esse é um cenário base razoável. Um dos principais motores disso é o que o Fed vai fazer. Se estivermos certos e o banco central americano cortar juros mais do que o mercado espera, isso deve ajudar a empurrar o dólar para baixo ainda mais. Falando mais amplamente, quando converso com clientes e investidores globais em Nova York, Londres e pelo mundo, há uma questão sobre o quanto eles devem alocar em ativos denominados em dólar. Tenho a sensação de que há uma maior relutância em investir em ativos denominados em dólar, um movimento para ser mais cauteloso. Pode haver também um aumento na cobertura cambial por parte dos investidores, porque agora as pessoas não sabem o quanto o dólar pode cair mais. Acho que essa discussão sobre realocação de portfólios vai durar alguns anos, não vai acabar nos próximos meses. É algo para o médio e longo prazo.
Valor: Mas, ao mesmo tempo, temos visto as bolsas de NY batendo recordes. Isso poderia dificultar a saída de investimentos dos EUA?
Carpenter: Somos razoavelmente construtivos com o mercado acionário dos EUA. A economia dos EUA não é a mesma coisa que o S&P 500, e o S&P 500 não é a economia dos EUA. Quando o valor do dólar cai, isso dá um pequeno suporte à economia americana, mas tem um efeito positivo maior nos ganhos do S&P 500. Os lucros do S&P 500 têm mais exposição ao resto do mundo do que a própria economia dos EUA tem. Além disso, a legislação fiscal que foi aprovada recentemente trouxe muitas mudanças e impacto no código tributário, o que vai beneficiar o fluxo de caixa das empresas, ou seja, vai ajudar os lucros das empresas. Não acho provável que investidores internacionais, por exemplo da Europa ou da Ásia, simplesmente tirem todo o dinheiro dos EUA. A questão é o quanto da alocação marginal de capital vai para os EUA.
Valor: Até que ponto acha que as preocupações dos investidores em relação às finanças públicas dos EUA neste momento podem pesar nos mercados?
Carpenter: Eu acho que isso importa para os mercados. É definitivamente um tema que os clientes me perguntam, mas, em última análise, podemos ver o nível das taxas de juros. Por exemplo, a taxa de juros do título do Tesouro de 10 anos está mais baixa do que estava em janeiro. Para mim, isso indica que claramente há outros fatores além da simples perspectiva fiscal que estão influenciando o nível das taxas de juros. Historicamente, fatores macroeconômicos são mais importantes para determinar as taxas de juros do que o déficit fiscal. Achamos que vai ser o caso novamente desta vez. E nossa previsão é que a taxa de juros do título de 10 anos fique bem abaixo de 4% até o fim do ano. Isso porque esperamos que a economia desacelere, como acreditamos.
Valor: Como o sr. interpreta os comentários mais recentes de Trump sobre as tarifas?
Carpenter: Acho que a incerteza gerada pela comunicação tem efeitos negativos; dificulta para os investidores terem certeza sobre se o pior já passou. Acho que torna mais difícil escolher investimentos. Uma pergunta que temos é: quanto essa incerteza afeta os investimentos? Você pode imaginar uma empresa que não sabe quão forte será a demanda no próximo ano. Ela pode investir menos, pode contratar menos pessoas porque quer esperar para ver como a economia vai se comportar. Então, a incerteza pode ser ruim para a economia também e, por consequência, ruim para o mercado. Acho que temos que esperar para ver, mas eu diria que nós temos a ideia de que, mesmo depois de um mês ou dois meses atrás, quando parecia que as coisas haviam se estabilizado, ainda existia um risco claro de reescalada. É onde estamos agora.
Valor: No Brasil, neste ano, temos visto o real se valorizar bastante, assim como as ações brasileiras. Os fluxos de saída dos EUA continuarão beneficiando mercados emergentes, como o Brasil?
Carpenter: Acho que isso é definitivamente possível. Normalmente, os investidores globais têm diferentes camadas na alocação dos seus portfólios, e não são muitos os investidores que pegariam todo o portfólio investido nos EUA e decidiram colocar tudo em uma única economia de mercado emergente. Isso é um pouco mais extremo do que a maioria dos investidores faz. Muitas vezes, ocorre uma realocação dentro dos mercados desenvolvidos. Então, eu não acho que haverá uma mudança abrupta, do tipo ‘de repente não há investimento nos EUA’. Em vez disso, os comitês de investimento, que têm diretrizes e parâmetros de alocação, vão ajustar isso gradualmente. Talvez fiquem um pouco abaixo do ‘benchmark’ em ativos denominados em dólar neste ano, e, indo para o próximo ano, mudem essa alocação alguns pontos percentuais para menos. Eu acho que é esse tipo de ajuste, em vez de uma mudança dramática e total.
Fonte: Valor Econômico

