Desde o começo do ano argumentamos que havia alta probabilidade de o Fomc, o comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed), iniciar em 2024 o ciclo de corte de juros. A taxa de 5,25% a 5,50% sugeria restrição monetária sob diversas métricas. Ademais, para além do salto no primeiro trimestre, vimos indicações de arrefecimento da atividade econômica, do mercado de trabalho e da inflação a partir do segundo trimestre.
Em um ciclo econômico marcado pelo vaivém dos indicadores mensais, chamam particular atenção os dados na margem do terceiro trimestre. Eles indicam reaceleração da atividade, aquecimento do mercado de trabalho e estabilização da inflação subjacente em patamar elevado.
A julgar pelas falas recentes de integrantes do Fomc, é evidente que o ritmo de cortes não será mantido em 0,5 ponto percentual como foi em setembro. Ainda assim, cabe questionar se não há a possibilidade de que o ciclo de cortes seja encerrado antes do que está precificado atualmente pelo mercado.
Alguns elementos têm de ser respondidos para que possamos averiguar a trajetória apropriada do ciclo. Em primeiro lugar, os dados preliminares indicam que o PIB do terceiro trimestre deverá avançar próximo a 3,4% anualizado, acima do já forte 3% observado durante o segundo trimestre.
Ademais, alguns membros do Fomc sugeriam que os dados das contas nacionais poderiam ser revisados para baixo. Passadas as revisões, o fato é que essa revisão baixista não se materializou.
Ato contínuo da atividade econômica aquecida, o mercado de trabalho também dá indicações de que permanece sustentado. A taxa de desemprego, que chegou a 4,3% em julho, recuou para 4,1% em setembro; o saldo de vagas criadas subiu na última leitura do relatório de emprego (com revisões significativas para os meses anteriores) e não há sinal de amplas demissões.
Notam-se, em contrapartida, indicadores relevantes, como a taxa de desligamentos voluntários (“quits rate”), que sugere não estarmos em patamares de mercado de trabalho superaquecido como há dois anos. A manutenção da tendência recente de arrefecimento desses indicadores sugerirá para alguns membros do Fomc que persistem os riscos a uma parte de seu mandato.
O balanço das empresas e das famílias está saudável. No somatório dos elementos destacados, a avaliação da conjuntura não sugere uma iminente deterioração da demanda privada doméstica. Sob essa ótica, o Fed terá, inevitavelmente, de revisar as suas projeções de crescimento e desemprego no próximo sumário de projeções econômicas (SEP, na sigla em inglês), em dezembro.
Quanto à inflação, há menos clareza. A divulgação de setembro do índice de preços ao consumidor mostrou avanço subjacente de 0,3% no mês, acima do esperado. Esse número deve ser repetido no deflator do consumo das famílias (PCE), indicador favorito para a meta de inflação do Fed.
Ante economia e mercado de trabalho aquecidos, junto de salários elevados, é natural supor que os riscos para a inflação pendam mais para uma estabilização acima da meta.
Assim, resta evidente que o Fomc não deverá, salvo novas informações que apontem para fraqueza da atividade, conduzir os juros para um nível neutro neste momento.
A dificuldade reside justamente em estimar o patamar neutro acima do qual a taxa de juros deve permanecer. A julgar pela tendência central do último SEP, o neutro nominal encontra-se entre 2,5% e 3,5%, com a mediana em 2,9%. Logo, se a taxa tem de estar acima do patamar neutro, seria razoável esperar que a Fed Fund Rate se estabilize entre 3,5% e 4,0%.
Os riscos à frente são relevantes. Claro, efeitos defasados da política monetária restritiva ainda podem se materializar à frente, mas as consequências do ciclo eleitoral não podem ser desconsideradas.
O pleito ainda não permite clareza sobre quem sairá vencedor, mas o fato é que as pesquisas e indicadores de registros de eleitores nos Estados mais disputados mostram aumento na chance de o ex-presidente Donald Trump retornar à Casa Branca.
Sua política comercial, que deverá ser implementada de forma contínua, ainda que não imediata, implica aumento da pressão inflacionária no tempo. Ademais, a perspectiva de desregulamentação sugere novo impulso para a atividade, enquanto a deterioração fiscal (esperada em qualquer configuração de resultado) aponta para aumento do prêmio de risco e das expectativas de inflação.
Logo, os riscos neste momento corroboram a ideia de que o Fed precisa manter os juros em patamar restritivo. Se terá de ser tão ou mais restritivo quanto o comitê antevê atualmente, dependerá em última instância da evolução da taxa de juro real neutra e das expectativas de inflação. O mix de política econômica do próximo governo será central para determinar se, além das expectativas, a taxa real neutra também estará em ascensão.
Felipe Sichel é economista-chefe da Porto Asset
E-mail: felipe.sichel@portoseguro.com.br
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Fonte: Valor Econômico
