Por Liane Thedim — Do Rio
20/09/2023 05h03 Atualizado há 5 horas
O início do ciclo de queda dos juros e a desaceleração da inflação estão levando mais fundos de investimento imobiliário (FIIs) a buscar operações de equity (participação em capital) como alternativa para aumentar os retornos. Essas operações consistem na compra de fatias em Sociedades de Propósito Específico (SPEs) montadas por empresas de construção e incorporação, o que adiciona risco à carteira – mas concentrado no empreendimento, não na companhia. Segundo estudo da gestora Cy Capital, da Cyrela, os fundos híbridos e “de papel” (concentrados em títulos imobiliários) que utilizam essa estratégia apresentaram crescimento real no valor médio mensal dos dividendos distribuídos, desde 2018, de 35% e 21%, respectivamente.
Na média, diz o estudo, o incremento só aparece a partir do quinto ano, quando esses investimentos amadurecem. Conforme os aportes para compra de participações em SPEs avançam, os dividendos mensais declinam suavemente de R$ 0,10 para R$ 0,09 para cada R$ 1 investido no fundo. Ao fim do quinto ano, o valor médio mensal de dividendos sobe para o equivalente a R$ 0,16, ante os R$ 0,10 mensais de um FII de papel.
Com a maior base de investidores da bolsa (953 mil cotistas, de um total de 2,2 milhões em FIIs) e patrimônio líquido (PL) de R$ 2,6 bilhões, o Maxi Renda (MXRF11), da XP Asset, foi um dos pioneiros a usar a modalidade, que, segundo o gestor André Masetti, agora é favorecida pelo cenário macroeconômico. “O investimento em SPEs ficou menos atrativo a partir da pandemia. O preço dos terrenos e o custo da construção subiram, e o valor de venda não aumentou na mesma proporção. Tudo isso comprimiu margem do incorporador e elevou o risco dos novos investimentos.” Agora, avalia, o ciclo de redução de juros beneficia o setor.
Segundo ele, são hoje 12 projetos no portfólio, ocupando uma fatia de até 10% do PL, a terceira em tamanho na carteira. A alocação principal é em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e, em segundo lugar, outros fundos. “Temos várias SPEs ao mesmo tempo, para que haja um fluxo de retornos contínuo, e não aconteça essa queda nos anos iniciais. Boa parte do retorno vem quando a obra está pronta.” Ele explica que é preciso, em média, três anos para construir um prédio residencial. Nesse período, o retorno corresponde a 20% a 30% do que é vendido do empreendimento. O restante é pago em seis meses, e, assim, a SPE dá um pico de retorno.
“O risco é maior que o de CRI, que tem um cronograma de recebimentos, mas, quando dão certo, essas operações remuneram bem mais.” Segundo ele, projetos associativos, como os do Minha Casa Minha Vida, por exemplo, dão retorno mais rápido, assim como os voltados à alta renda, público que paga mais à vista. O fundo, que em julho captou R$ 350 milhões em uma operação de “follow-on”, tem retorno em dividendos (o “dividend yield”) de cerca de 13% em 12 meses. Masetti afirma que todas as suas SPEs são em São Paulo, mas que avalia outras praças. “Estamos num momento interessante, porque está favorável para captar dinheiro e os preços para compra de terrenos ainda estão bons.”
Na RBR Asset Management, que tem R$ 8 bilhões sob gestão, a estratégia de equity concentra R$ 1,5 bilhão no momento, em 51 SPEs, considerando todos os fundos da empresa. De acordo com o CEO Ricardo Almendra, seu FII de varejo, o RBR Plus (RBRX11), criado há um ano e meio, anunciará nas próximas semanas seu primeiro investimento na modalidade. Ele explica que, até então, o fundo vinha alocando apenas em CRIs, outros FIIs e ações do setor imobiliário e, há dois meses, começou a migrar para “tijolo”. “Vamos comprar uma participação minoritária em uma SPE com rentabilidade de IPCA mais 15%. Como é um projeto em andamento, o prazo será mais curto que uma equity tradicional. Em até dois anos teremos retorno.”
O fundo tem dividend yield de 16,3% em 12 meses, patrimônio de R$ 181 milhões e 4.323 cotistas. “A gente deixa um ‘colchão’ investido em papel para garantir bons dividendos recorrentes, mas agora estamos vendendo para alocar em ativos com maior potencial de retorno.” Ele cita ainda outro empreendimento com ganho médio de 20% em Belo Horizonte, que está sob avaliação e que seria a estreia da gestora fora do mercado paulista. “Quem tiver paciência vai ganhar um bom rendimento.”
Almendra diz que a asset também dá preferência ao segmento econômico ou de altíssima renda. Desde a fundação da empresa, há quase dez anos, já foram, por exemplo, quase 8 mil unidades só no Minha Casa e 2.700 de médio e alto padrão. “A demanda por escritórios vem melhorando, os galpões já vinham com vacância baixa e as vendas de apartamentos residenciais vão ficando mais acessíveis com a queda dos juros. Temos tentado fugir da classe média, que sofre com a renda apertada e tem pouco acesso a crédito barato.”
Na Manatí Capital Management, o fundo MANA11, que começou a ser negociado na B3 em maio de 2022, aloca hoje majoritariamente em CRIs, outros fundos e 0,5% em ações. Agora avalia estrear em equity. Samuel Pereira, um dos sócios-fundadores, explica que não via sentido em alocar na modalidade, já que vinha conseguindo estruturar CRIs com retorno nominal de 19% ao ano e menos risco, enquanto o do equity ficava em torno de 22%. “Agora estamos entrando num momento diferente, com a Selic em patamar alto, mas em ritmo de queda. A tese é começar a olhar cada vez mais produtos de desenvolvimento com SPEs.”
Segundo Pereira, a gestora tem no radar boas oportunidades a IPCA mais 18%, em áreas fora de São Paulo e direcionadas ao público de alta renda. Eduardo Mekbekian, outro sócio, lembra que é uma equação desafiadora incluir esses empreendimentos na carteira, já que investidores pessoas físicas são muito voltados aos dividendos. “Eles não conseguem enxergar o que essas operações podem adicionar à carteira a médio e longo prazos. Além disso, depende do projeto a que você está exposto.” O fundo tem 4 mil cotistas, PL de R$ 210 milhões e dividend yield de 15,5% em 12 meses.
Danny Gampel, gestor de fundo de crédito da Cy Capital, ressalta a dificuldade de fazer operações de equity, por demandar controle e conhecimento do mercado, já que, na prática, o fundo entra de sócio do empreendimento. O CYCR11, negociado na B3, foi lançado em junho de 2021, mas só começou a alocar em SPEs em 2022. Já teve três operações, mas agora mantém duas. “Chegamos a ter uma exposição de quase 10%. Para o varejo, o teto de 33%, permitido pela regulamentação, é muito.”
O fundo tem mais de 13 mil cotistas, PL de R$ 160 milhões e, em 12 meses, dividend yield de 13,54%. Para Gampel, a ideia é crescer nessas operações. “Por termos a particularidade de estar em uma incorporadora, é interessante poder fazer isso. E vem dando certo. Muito difícil hoje fazer um fundo sem equity, porque é um diferencial.” Pereira, da Manatí, faz coro: “Fundos monotemáticos ou de gestão passiva estão ultrapassados. Mercado e investidores foram entendendo ao longo do tempo que ficar sentado em cima de um ativo não paga a conta”.
Fonte: Valor Econômico

