Com quatro transações na rua este ano, negócios têm potencial para superar os R$ 10 bilhões
— De São Paulo
14/02/2025 05h01 Atualizado há 3 horasPresentear matéria
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Quatro importantes operações de fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês) envolvendo farmacêuticas que operam no Brasil estão na rua, com potencial de movimentar mais de R$ 10 bilhões ao longo deste ano, apurou o Valor. O negócio mais avançado envolve a Cimed, que busca um sócio minoritário para o laboratório. Já a francesa Sanofi contratou o banco Lazard para reestruturar a Medley, produtora de medicamentos genéricos e sem prescrição (OTC, na sigla em inglês), para depois vendê-la.
O mercado também está atento aos próximos passos do empresário Carlos Sanchez, dono da EMS. A companhia fez, em outubro do ano passado, uma oferta hostil para união dos negócios com a concorrente Hypera, de João Alves de Queiroz Filho, conhecido como Júnior. Sanchez começou a comprar ações da companhia na bolsa e possui hoje cerca de 5% de fatia na rival. A Hypera rejeitou a oferta por 20% da companhia, avaliada à época em quase R$ 4 bilhões.
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Nas duas pontas – vendedora e compradora -, a União Química não descarta a entrada de um sócio na companhia e também diz que está interessada nos ativos da Medley, quando eles estiverem oficialmente no mercado.
Ao Valor, Fernando de Castro Marques, presidente do grupo, afirmou que vai aguardar a conclusão de reorganização da Medley para avançar com as negociações. “A gente tem interesse nesse ativo e estamos avaliando. Pelo que recebemos de retorno deles [assessores financeiros da Sanofi], nós achamos que, resolvidos esses problemas internos, haverá condições de negociação só no último trimestre deste ano.” Marques também “não descarta” a venda de uma participação minoritária do seu negócio. Segundo ele, suas irmãs Cleita e Cleide, que detêm 13% de participação cada uma, sairiam do negócio.
Capitalizadas, as farmacêuticas nacionais não têm urgência de fechar uma transação de M&A a toque de caixa. A Cimed contratou o J.P. Morgan para vender de 10% a 20% da companhia. As acionistas Karla Marques e Mariana Marques estão dispostas a vender parte da participação delas no negócio – mas não a qualquer preço. O banco avaliou a empresa entre R$ 13 bilhões e R$ 14 bilhões, o que significa um negócio de R$ 1,3 bilhão a R$ 2,6 bilhões envolvendo a fatia negociada pelo J.P.
No caso da multinacional Sanofi, a companhia pretende levantar recursos para reduzir sua alavancagem, mas a venda da Medley não é uma equação simples de resolver. A companhia contratou o banco Lazard para fazer uma reestruturação e separar os negócios, segundo fontes. A venda da Medley ocorrerá após esse processo e já há potenciais interessados, incluindo estrangeiros nos ativos da companhia, avaliado em US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,7 bilhões no câmbio atual), conforme antecipou o Pipeline, site de negócios do Valor no ano passado.
Com essas operações na rua, a indústria farmacêutica deve ser um dos principais setores no cenário de fusões e aquisições neste ano, de acordo com analistas de mercado. A avaliação é de que, apesar da alta taxa de juros inibir os financiamentos, a desvalorização cambial pode ser um atrativo para grupos estrangeiros que já atuam no Brasil.
A KPMG aponta que o setor de saúde registrou 11 fusões e aquisições no terceiro trimestre do ano passado, o que representa queda de 15% em relação ao mesmo período de 2023. O resultado reflete um recuo de 4% nas operações registradas pelo segmento de hospitais e laboratórios de análises clínicas, que somaram cinco negociações no período. Já o segmento de produtos químicos e farmacêuticos registrou nove fusões e aquisições entre julho e setembro de 2024, alta de 50% em relação ao mesmo intervalo de 2023.
Entre os executivos da indústria, porém, há dúvidas sobre as condições para estes negócios em curto a médio prazo.
Nelson Mussolini, presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), cita como exemplo a perspectiva de a taxa Selic alcançar 15% ao fim deste ano, de acordo com estimativas do relatório Focus do Banco Central. “Ainda que os juros não cheguem a 15%, mesmo em 12% ou 13%, dificilmente haverá dinheiro para fazer esse tipo de consolidação”, afirma. “A Medley está à venda por US$ 1 bilhão. Quem hoje no Brasil tem dinheiro em caixa para fazer isso? Quem em sã consciência vai pegar empréstimo para isso, quanto de geração de caixa tem que ser necessário para pagar os juros da dívida?”.
No caso de transações envolvendo fundos de investimento, segundo Mussolini, uma possibilidade seriam os chamados “negócios de oportunidade”. “Isso não é bom para ninguém porque desvaloriza as companhias”, aponta.
O sócio-líder de Equity Capital Markets Advisory da KPMG no Brasil, Rodrigo Guedes, pondera que 2025 “tem seus desafios”, mas afirma que as condições macroeconômicas mais difíceis podem representar também uma oportunidade devido à desvalorização do real.
“Com as taxas de câmbio atuais, os estrangeiros podem considerar que o Brasil está barato e podem surgir ótimas oportunidades para eles. Isso se aplica para aqueles que já têm operações no Brasil e já conhecem nossas dinâmicas. Para os que ainda não estão no país, o desafio é um pouco maior”, afirma Guedes.
O portfólio de medicamentos genéricos e similares, de acordo com Guedes, pode ser um fator chave para as movimentações de mercado. As farmacêuticas estrangeiras têm investido no desenvolvimento de medicamentos mais complexos e direcionado seu portfólio a inovações. Já os segmentos de negócio que não estão alinhados a esses grandes projetos estão sendo revisados e, muitas vezes, colocados à venda.
As companhias brasileiras com menor orçamento para pesquisa e desenvolvimento podem adquirir essas marcas maduras que já não interessam a multinacionais. “Há grandes grupos locais que investem muito em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos mais sofisticados, mas essa é uma parcela de empresas ainda pequena em comparação a outros países. Isso acontece por razões como um menor incentivo à pesquisa e diferenças na qualidade da educação desde os primeiros anos das escolas”, afirma Guedes.
Apesar do menor tíquete médio, os medicamentos genéricos e similares – com e sem necessidade de prescrição médica – representam um grande volume do consumo nacional. Além disso, vários dos compostos ativos têm baixíssima fidelidade em relação a marcas, abrindo mais espaço para consolidação.
Os negócios também podem ir além do portfólio de medicamentos em si, com movimentações de companhias que atuam na cadeia de suprimentos. O economista-chefe da TCP Partners, Ricardo Jacomassi, afirma que a alta dependência de fornecedores globais tem levado as companhias a buscarem suprimentos mais próximos. Esses parceiros diminuem os obstáculos logísticos e, ao mesmo tempo, podem representar um diferencial ante a concorrência.
“Boa parte dos insumos são importados, principalmente da China e da Índia, e o setor vem sofrendo muito com impactos cambiais. A escala e a competição chinesa de fornecedores de insumos são robusta, então às vezes é necessário ter um ativo estratégico local, que na maioria das vezes só é produzido no Brasil, para se diferenciar”, afirma Jacomassi. Essa prática, denominada nearshoring, ganhou maior impulso após a disrupção de cadeias desencadeada pela pandemia de covid-19.
Procuradas pelo Valor, EMS, Hypera e Cimed afirmaram que não comentariam o assunto. Já a Sanofi diz que “não comenta especulações de mercado” e afirma que as operações da Medley “seguem normalmente”.