
Com a percepção dos americanos mais pobres sobre as finanças atuais já próxima do nível mais baixo em 14 anos, a guerra de tarifas deverá aumentar ainda mais essa pressão, tornando muitos itens do dia a dia ainda mais caros.
Famílias de baixa renda, que gastam uma parcela maior de seus orçamentos em bens do que os ricos e tendem a favorecer as importações mais baratas, sofrerão o maior impacto. Economistas do Bank of America e BNP Paribas preveem que o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de fevereiro, a ser anunciado hoje, mostrará o primeiro impacto das tarifas – em particular, as taxas adicionais sobre itens como móveis, roupas e eletrônicos vindos da China.
A maior parte do impacto sobre os preços dos produtos será sentida nos próximos meses – especialmente bens de primeira necessidade como mantimentos, gasolina e eletricidade -, devido às tarifas sobre as importações do Canadá, México e China – que já estão em vigor -, além das previstas para as próximas semanas. Grupos varejistas como Target e Best Buy estão alertando para preços maiores em razão das tarifas. Isso está ajudando a elevar as expectativas de inflação de longo prazo ao maior nível em quase 30 anos.

“Sem dúvida, haverá um impacto maior sobre os consumidores de baixa renda, que já estão lutando com a inflação e os juros altos em um grau maior”, diz Seth Basham, diretor-gerente da Wedbush Securities. “Isso vai prejudicá-los ainda mais.”
Brian Cornell, executivo-chefe da Target, disse à CNBC na semana passada que a companhia fez muitos “planejamentos de cenários” para produtos como frutas e vegetais, uma “parte significativa” dos quais vem do México durante o inverno. “Vamos fazer todo o possível para segurar os preços. Mas, se houver uma tarifa de 25%, esses preços subirão”, disse ele.
Doug McMillon, executivo-chefe do Walmart, disse no mês passado que a maior varejista do mundo está vendo “comportamentos de estresse” entre consumidores preocupados com o orçamento, à medida que lidam com os altos preços dos alimentos. Separadamente, a varejista pediu a alguns fornecedores chineses, incluindo fabricantes de utensílios de cozinha e roupas, que reduzam seus preços em até 10% a cada rodada de tarifas.
Com o consumo desacelerando de modo geral, as empresas relataram recentemente “uma maior sensibilidade aos preços de itens discricionários, especialmente entre os consumidores de baixa renda”, segundo o mais recente Livro Bege do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
“Estamos olhando para algo que não é simplesmente uma ferramenta para resolver uma disputa comercial. Isso está se tornando um imposto sobre o consumo e os impostos sobre o consumo são incrivelmente agressivos”, diz David French, vice-presidente-executivo de relações governamentais da National Retail Federation. “Ele é proporcionalmente muito mais pesado para as famílias de baixa renda.”
Antes mesmo de as tarifas começarem a virar manchetes, alguns americanos já vinham fazendo escolhas difíceis. Robert Sanchez, morador de 56 anos do Bronx, em Nova York, ficou desempregado por cinco anos até outubro, devido a problemas de saúde. Agora, Sanchez, que trabalha como entrevistador clínico em um programa de pesquisa sobre rins, ainda diz não ter nenhuma economia e se considera parte da “população trabalhadora pobre”.
Nos últimos meses, ele optou por peru ou frango, em vez de carne bovina, e está comprando pacotes menores de arroz no supermercado. Sanchez se preocupa com os preços de itens como café e bananas, que são importados. “Acho que ganhamos o suficiente para as nossas necessidades, mas, às vezes temos de sacrificar algo”, diz.
De fevereiro de 2020 a junho de 2024, período que abrange a maior parte do governo de Joe Biden, o quinto mais pobre das famílias americanas viu os preços de suas compras subirem dois pontos percentuais mais do que o quinto mais rico das famílias – ou cerca de 8,3% mais do que o IPC geral, de acordo com uma análise do Fed de Minneapolis. Isso ajudou a empurrar eleitores de baixa renda em direção a Trump na eleição de 2024.
A abordagem atual de Trump às tarifas é muito mais agressiva do que em seu primeiro mandato. Naquela época, a Casa Branca inicialmente teve como alvos máquinas de lavar e painéis solares, antes de acrescentar tarifas ao aço e alumínio. Como bens intermediários como metais são mais espalhados na cadeia de abastecimento, as taxas geralmente demoram mais para serem repassadas ao consumidor.
Desta vez, as ações de Trump não só levaram as tarifas médias dos EUA ao nível mais alto desde a 2ª Guerra, como também estão mirando uma série de bens de consumo – incluindo produtos alimentícios e energéticos essenciais. Trump descreve os preços mais altos que as tarifas devem causar como “uma pequena perturbação” que a nação será capaz de superar.
Taylour Grant depende da ajuda do governo para fazer o supermercado para seus quatro filhos. Seu emprego de assistente médica – ganha cerca de US$ 19 por hora – não é suficiente para sobreviver. Quando a ajuda mensal acaba, essa mãe solteira de 28 anos da Flórida tem de escolher entre comprar comida ou gasolina. E ela está preocupada com o quanto seu salário vai render quando as tarifas entrarem em vigor.
“Isso é uma conta extra. E com os empregos não nos pagando mais, mas tudo ao nosso redor subindo, nos encontramos em uma situação como: “Tudo bem, agora vamos comprometer o aluguel ou a hipoteca, ou a conta de luz”, diz Grant. “Quanto tempo vamos conseguir sobreviver antes de chegar ao fundo do poço?”
Fonte: Valor Econômico

