Por Arthur Cagliari e Lucianne Carneiro — De São Paulo e do Rio
12/03/2024 05h02 Atualizado há 3 horas
Embora o exportador brasileiro tenha aumentado suas vendas em 2023 na comparação com os anos anteriores, parte relevante desses dólares continuou fora do país. A diferença entre o câmbio contratado e o embarcado permaneceu no intervalo entre US$ 60 bilhões e US$ 70 bilhões, o que, na prática, impediu uma valorização ainda maior do real.
Ou seja, apesar de o fluxo de entrada de dólares no ano passado ter beneficiado a moeda brasileira, o efeito poderia ter sido mais intenso caso lacuna tivesse ficado menor.
O fenômeno da “boca de jacaré” do câmbio ganhou destaque entre 2020 e 2021, quando a diferença entre os dados de exportação embarcada, divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), e o fluxo cambial comercial, apresentado pelo Banco Central (BC), aumentou – indicando que parte das empresas exportadoras deixou capital no exterior e não o internalizou. A diferença saiu de algo em torno de US$ 16 bilhões no início de 2021 para encostar em US$ 75 bilhões um ano depois. Desde então, porém, a lacuna tem oscilado pouco e, lá fora, têm ficado, em média, cerca de US$ 65 bilhões.
Em estudo divulgado ao Valor, a Genial Investimentos aponta que, se não tivesse ocorrido a abertura da “boca” nos últimos anos, o dólar estaria mais perto de R$ 4,60 do que de R$ 4,90, considerando o fechamento de novembro de 2023. “O que mais importa para a trajetória do câmbio é a entrada de dólares no país, o chamado conceito caixa, e não o saldo da balança comercial, o conceito competência”, diz economista-chefe da casa, José Marcio Camargo. Para ele, como o exportador produz no Brasil, era de se esperar a entrada de dólares na mesma magnitude do saldo comercial.
“Desde 2008 havia um valor de até US$ 30 bilhões que ficava lá fora, que considerávamos como parte do equilíbrio”, diz a economista Julia Passabom, do Itaú BBA. “A partir de 2021, esse montante deixado lá fora avançou bastante e, nos últimos anos, ficou no intervalo entre US$ 60 bilhões e US$ 70 bilhões, o que nos parece ser um novo equilíbrio.”
A economista do Itaú diz que é difícil associar um motivo a esse montante deixado no exterior. “Vimos esse movimento crescer na pandemia, imaginando que poderia ser alguma estratégia do exportador para fazer pagamentos lá fora. Mas é difícil estabelecer uma associação”, afirma.
Passabom lembra ainda que, quando ocorreu essa abertura brusca da “boca do jacaré”, houve outra leitura entre economistas, de que o dinheiro deixado lá fora se dava por conta da Selic em níveis baixos. “Passados três anos disso, não consigo também associar esse movimento à Selic mais baixa. Tivemos diferentes cenários de juros baixos lá fora e altos aqui dentro e agora corte de juros por aqui e taxas ainda elevadas lá fora e não vimos grandes alterações do patamar que se estabeleceu perto de US$ 60 bilhões”, diz.
Como não há sinais de reversão, esse é um dado que acaba não sendo levado muito em conta no movimento do câmbio, segundo a economista do Itaú. “Claro, se houver sinalização de que vai alterar a tendência, poderemos ver o real se beneficiar, mas, por enquanto, não é isso que estamos vendo”, afirma.
Na visão de Camargo, a hipótese é que o movimento dos exportadores esteja ligado a incertezas políticas no país, seja no fim do governo Bolsonaro, seja no início da atual gestão. “Nossa leitura é que o aumento das incertezas políticas ajuda a explicar isso. E começa no governo anterior, quando tivemos a PEC Kamikaze [com auxílio para caminhoneiros e taxistas e expansão do valor do Auxílio Brasil] e a PEC dos Precatórios, e vai até questões mais recentes, deste governo”, diz.
Diante das dúvidas sobre o ambiente local ao longo deste ano, Camargo classifica seu olhar para o câmbio como “relativamente pessimista”, principalmente por eventuais ruídos na condução futura da política fiscal. Sua projeção é que o dólar encerre o ano cotado a R$ 5,05. “Essa incerteza política deve permanecer em 2024 e existe probabilidade de o governo não alcançar o déficit zero, o que pode pressionar mais a taxa de câmbio”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

