Por Aya Batrawy, Associated Press
16/08/2022 20h58 Atualizado há 12 horas
Com grande alarde, navios carregados de grãos deixaram a Ucrânia depois de passarem quase seis meses parados nos portos do país no Mar Negro. Mais discretamente, um acordo paralelo atendeu às exigências de Moscou para permitir que seu trigo também possa chegar ao resto do mundo, o que dá impulso a um setor vital para a economia da Rússia que estava enredado em sanções mais amplas.
Embora os EUA e seus aliados europeus trabalhem para sufocar as finanças da Rússia com uma rede de punições por ter invadido a Ucrânia, eles evitaram aplicar sanções diretas sobre grãos e outros produtos que alimentam populações por todo o mundo.
O trigo, a cevada, o milho e o óleo de girassol russos e ucranianos são importantes para países da Ásia, África e do Oriente Médio, onde milhões dependem de pão subsidiado para sobreviver. A guerra elevou os preços dos alimentos e da energia, empurrando milhões de pessoas para a pobreza ou para perto da fome extrema.
No mês passado, as Nações Unidas e a Turquia intermediaram dois acordos interligados para desbloquear os estoques de alimentos: um protege os navios que transportam exportações ucranianas de grãos pelo Mar Negro e o outro garante à Rússia que seus alimentos e fertilizantes não sofrerão sanções, o que salvaguarda um dos pilares de sua economia e ajuda a amenizar as preocupações de seguradoras e bancos.
Esse acordo permitiu que um agente marítimo ocidental tirasse dois navios de grãos da Rússia em questão de semanas. O processo costumava levar meses porque os bancos ocidentais se recusavam a transferir pagamentos para a Rússia. As sanções dos EUA e da União Europeia (UE) não miram diretamente a agricultura russa, mas os bancos ocidentais têm sido cautelosos para evitar conflitos, o que atrapalha o acesso de compradores e navios aos grãos russos.
“É preciso investir tempo com os bancos para fazê-los entender tudo isso, porque os governos dizem ‘vá em frente, não há sanção’, mas os bancos fazem uma autossanção”, disse Gaurav Srivastava, cuja empresa, a Harvest Commodities, compra, transporta e vende grãos da região do Mar Negro.
Ele classificou o processo de acerto com os bancos como um “exercício trabalhoso”. O que mudou nas últimas semanas, segundo Srivastava, é “a aparência… de que isto é uma espécie de trégua entre todas as partes”.
O acordo é importante para a Rússia porque o país é o maior exportador mundial de trigo, responsável por quase um quinto de todas as remessas, e este ano deve ter uma de suas melhores safras. A agricultura representa cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia, segundo o Banco Mundial.
“O mais importante é o emprego”, disse o economista russo Sergey Aleksashenko, em uma referência aos empregos criados pela agricultura. “Ela responde por 7% a 8% dos postos de trabalho.” Segundo ele, a agricultura oferece de 5 milhões a 6 milhões de empregos na Rússia, e algumas regiões dependem desse setor para subsistir.
As exigências da Rússia para fechar o acordo incluíram declarações públicas dos EUA e da UE de que as sanções não se aplicam a alimentos e fertilizantes russos. Moscou também levantou questões sobre transações financeiras para o Banco Agrícola Russo, acesso a portos para navios de bandeira russa e exportações de amônia, para a produção de fertilizantes.
Uma semana antes de a Rússia assinar o acordo, o Departamento do Tesouro dos EUA divulgou comunicados com essas garantias. Deixou claro que Washington não impusera sanções à venda ou ao transporte de commodities agrícolas ou de medicamentos russos.
O Tesouro dos EUA também concedeu uma licença ampla para a autorização de certas transações relativas a commodities agrícolas, e argumentou que os EUA “apoiam firmemente as iniciativas das Nações Unidas para levar os grãos ucranianos e russos aos mercados mundiais e reduzir o impacto da guerra não provocada da Rússia contra a Ucrânia sobre o fornecimento de alimentos e os preços em todo o mundo”.
A UE também reiterou que a agricultura russa não era alvo de sanções e responsabilizou a guerra e os limites de exportação de produtos agrícolas determinados pelo Kremlin para proteger seu mercado interno. O bloco de 27 países acrescentou que as sanções que impôs preveem exceções, como permitir que países da UE autorizem o acesso de navios de bandeira russa a seus portos para o comércio de produtos agrícolas ou alimentícios. Mas a Rússia alega que ainda enfrenta dificuldades.
Enquanto isso, os grãos russos e ucranianos são cada vez mais críticos para evitar a fome nos países em desenvolvimento. A S&P Global Commodity Insights informou em um relatório de junho que 41 milhões de toneladas de trigo russo podem estar disponíveis para exportação neste ano.
Mas o diretor executivo do Conselho Internacional de Grãos, Arnaud Petit, disse que a expectativa é de que a safra 2022-23 em todo o mundo produza 12,2 milhões de toneladas de trigo a menos e 19 milhões de toneladas de milho a menos do que a safra do ano anterior. Segundo ele, essa queda se deve, em parte, à guerra na Ucrânia e à seca na Europa. (Colaborou Raf Casert, de Bruxelas)
Fonte: Valor Econômico
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