Por Eduardo Magossi — De São Paulo
09/10/2023 05h03 Atualizado há 2 horas
O rali dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano é a consequência de um movimento de normalização do mercado de renda fixa depois de permanecer distorcido nos últimos 10 anos. Esta é a avaliação do CIO e chefe da área de Hedge Fund Solutions da UBS Asset Management, Edoardo Rulli, em entrevista ao Valor durante rápida passagem pelo Brasil para visitar clientes e gestores de fundos de hedge. Para Rulli, o mercado está reprecificando os prêmios dos papéis de longo prazo com a percepção de que os juros vão permanecer elevados por mais tempo. “O mercado ainda está procurando um novo patamar para os yields. Acredito que não chegou lá ainda”, disse. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Valor: O rendimento dos Treasuries subiu muito. O que estaria impulsionando esse movimento?
Edoardo Rulli: O que acontece é uma normalização do mercado de renda fixa que de certa forma ficou distorcida por cerca de 10 anos com juros muito baixos. Esquecemos que, em um ambiente normal, os juros reais são positivos e não negativos. E nos últimos anos parecia certo ter juros reais negativos ou zerados. Agora os juros estão voltando a ser o que eles sempre foram historicamente. E essa normalização dos juros nos EUA e Europa está sendo provocada por duas coisas.
Valor: Quais?
Rulli: A primeira é a percepção de que os juros vão ficar elevados muito tempo, o que foi reiterado por Jerome Powell – o presidente do Federal Reserve [Fed, o banco central americano] – em seu discurso em setembro, que foi bastante hawkish [inclinado a maior cautela na política monetária]. Os mercados estão descobrindo que se os juros tiverem que ficar em 5% ou mais pelo futuro previsível os prêmios do fim da curva de juros têm que ser maiores. Se eles podem conseguir 5% ou mais no papel de curto prazo, por que se arriscar com mais volatilidade e comprar o título de 10 anos? Dito isso, essa reprecificação de prêmio é algo perfeitamente normal. Só foi mais rápido do que era esperado. Nos nossos portfólios, que somam US$ 46 bilhões em ativos, estávamos posicionados para isso. A segunda razão dessa alta é explicada pelo reequilíbrio da dinâmica de oferta e demanda de títulos. Os EUA estão elevando seus gastos fiscais em 6% a 7% por ano e isso tem que ser equilibrado com a emissão de muitos Treasuries. Por conta dos problemas do teto da dívida, as emissões foram adiadas, o que acumulou a emissão de cerca de US$ 800 bilhões em títulos em um tempo relativamente curto, o que impulsiona os rendimentos. E, ao mesmo tempo, o Fed está realizando o aperto quantitativo e reduzindo seu balanço de ativos, ou seja, a autoridade monetária está passando de compradora líquida para vendedora líquida de papéis do Tesouro.
Valor: O deve acontecer agora?
Rulli: O caminho dos juros será definido por uma combinação de crescimento, inflação e mercado de trabalho. Vai depender de como se comportar o crescimento do PIB. Em dois e três meses, ainda existe espaço para o rendimento dos Treasuries subir mais. Mas se houver uma desaceleração do PIB no quarto trimestre, com gastos das famílias diminuindo, os rendimentos ficarão onde estão. E um PIB menor não está descartado porque a suspensão do pagamento dos financiamentos estudantis acabou, a poupança das famílias feita na pandemia está acabando, a gasolina subiu 20%, as greves e o potencial de shutdown do governo afetam o crescimento. Mas se inflação continuar subindo e o PIB for maior, juros vão subir mais. Acredito que Fed precisará subir os juros uma vez mais. Não sei se em novembro ou janeiro. Não acho que uma nova alta de 0,25 ponto percentual será um problema. Mas se o crescimento continuar e a inflação não ceder, o mercado vai começar a precificiar novas altas em 2024, uma ou duas, e isso será um grande problema para o mercado de renda fixa e para as bolsas.
Valor: As Treasuries estão precificando risco de crédito dos EUA?
Rulli: A dívida dos EUA dobrou nos últimos cinco anos. Mas não acho que as Treasuries estão precificando um risco de crédito. Não existe dúvida sobre a capacidade do Tesouro de pagar os títulos. Um problema de teto de dívida será apenas temporário. Tecnicamente é um desastre, mas não é uma questão de solvência. A razão é simples: Não importa o quanto o mundo precise de uma divisa alternativa global, não existe uma. Não existe alternativa para o dólar. Então, os EUA podem sustentar um teto de dívida maior porque não há outro lugar para ir quando se procura por ativos seguros. O euro era para se tornar uma alternativa para o dólar mas porque não é uma moeda de um país único, não funcionou. Então eu não compro a ideia de que há risco nos títulos do tesouro americano. Também dizem que a China está vendendo Treasuries. Sim, está. Mas não em volume suficiente para desestabilizar o sistema financeiro americano. Eu acho que existe o consenso de que se o sistema financeiro americano quebrar, o sistema financeiro mundial quebra.
Valor: Os EUA terem juros elevados por mais tempo significa quanto tempo, em sua avaliação?
Rulli: Provavelmente serão 12 a 18 meses. Mas é difícil dizer porque na pandemia os bancos centrais perderam a noção da natureza da inflação. Eles estão muito dependente de dados passados e não olham para frente. Eles olham o que já aconteceu e não para o que vai acontecer. E a inflação está muito mais resiliente do que as pessoas imaginam. Há forças de longa duração por trás do regime inflacionário e elas não vão embora tão cedo. Por exemplo, há questões geopolíticas atrapalhando o mercado de energia e de commodities. Além disso, mudança para cadeias de abastecimentos mais locais, transição para energia verde, aposentadoria dos ‘baby boomers’ nos EUA – que reduz os trabalhadores que sustentam a economia e eleva salários. Tudo isso é inflacionário. Então temos que subir os juros que estavam baixos há muito tempo, o que também eleva a volatilidade em torno das taxas. Este ambiente beneficia estratégias com juros maiores e de maior volatilidade. Um bom exemplo são os operadores de fundos macro, que geralmente fazem mais dinheiro com juros do que com ações e crédito. Esse ambiente é muito bom para eles. Entre 2012 e 2020, os fundos macro geraram em média 5% a 6% de retorno. A partir de 2020, eles deram retorno entre 10% e 15%. Estamos em um momento em que diferentes bancos centrais têm que lidar com ciclos monetários que não estão sincronizados, o que gera muitas oportunidades de arbitragem para os gestores de fundo de hedge. E este ambiente saudável de volatilidade nos juros de mercados desenvolvidos pode ser uma grande oportunidade para os gestores brasileiros que estão muito sofisticados ampliarem suas operações.
Fonte: Valor Econômico

