Por Guilherme Pimenta e Jéssica Sant’Ana, Valor — Brasília
09/04/2024 13h04 Atualizado há 10 horas
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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) autorizou que o Banco Central (BC) faça acordos com bancos e integrantes do Sistema Financeiro Nacional para tentar recuperar valores de um universo de quase R$ 18 bilhões devidos à autoridade monetária.
Foi publicada nesta terça-feira no Diário Oficial da União (DOU) portaria da Advocacia-Geral da União (AGU) que autoriza o BC a realizar transações de créditos inscritos em dívida ativa com o sistema financeiro. Hoje, há R$ 17,9 bilhões em ações de execução fiscal considerados quase irrecuperáveis. Com essa nova permissão, o BC vai criar uma força-tarefa para fazer esses acordos.
Dados internos do BC estimam que a recuperação dos créditos, hoje, equivale a somente 2% do valor devido. Com a portaria autorizando a realização dos acordos com as instituições financeiras, esse volume pode dar um salto e chegar até 20%, segundo membros da autoridade monetária.
O acordo pode permitir que devedores voltem a operar no sistema financeiro. Quando envolvem pessoas físicas, possibilitam o acesso ao crédito, já que elas estão negativadas e inscritas em cadastros negativos de crédito.
Segundo o Valor apurou, de todo o montante devido, a maior parte se refere ao socorro pelo BC no âmbito do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), da década de 90. As dívidas envolvem principalmente o falido Banco Nacional.
Há ainda empresas que devem ao BC valores que envolvem multas antigas de operações de importação e sonegação de cobertura cambial, realizadas no passado, que alcançavam empresas não reguladas.
Além disso, o montante ainda engloba multas que são aplicadas há décadas pelo BC em processos sancionadores contra bancos e seus administradores nos casos de infração ao sistema financeiro. Elas são contestadas no Poder Judiciário e, mesmo com a vitória da autoridade monetária, nunca são pagas.
Dados do Banco Central indicam um aumento constante na inscrição desses valores. Ao final de 2023, eram R$ 17,9 bilhões inscritos, aumento de R$ 400 milhões em relação a 2022.
“São valores que são considerados hoje pelo Banco Central como irrecuperáveis ou de recuperação remota, com baixíssima possibilidade de recuperação, mas que, diante das novas condições, podem ser incorporados ao patrimônio da União”, disse ao Valor o ministro-substituto da AGU, Flavio José Roman, ex-procurador-geral adjunto do BC. Ele assina a portaria.
De acordo com ele, de maneira “bastante incompreensível”, o BC era o único órgão da administração federal que não estava autorizado a fazer acordos.
Membros do BC destacam que, pelas regras atuais de cobrança, a dificuldade em recuperar os valores devidos no sistema financeiro é altíssima. Em muitos casos, é preciso primeiro localizar os devedores, bem como fazer pesquisas de bens envolvidos para serem bloqueados.
Há dívidas nas quais o banco já decretou falência e, assim, não há mais patrimônio a ser cobrado, ou então casos nos quais há esvaziamento proposital do patrimônio com a transferência para terceiros. Além disso, o processo judicial de cobrança não pode ficar parado mais de cinco anos devido à regra da prescrição, quando a cobrança é extinta.
No passado, o BC já deixou de realizar acordos bilionários com devedores, já que não existia uma previsão jurídica que conferisse segurança aos analistas e procuradores.
Agora, a portaria publicada nesta terça permite que o BC arrecade mais e transfira esse resultado ao Tesouro Nacional ao final de cada exercício para abatimento da dívida pública, caso as contas da autoridade monetária fiquem no azul. Ao contrário da dívida ativa de outros órgãos, o valor arrecadado pelo BC é, do ponto de vista contábil, uma receita financeira, não primária.
A partir da possibilidade de transação tributária, a Procuradoria-Geral do Banco Central (PGBC) vai criar, agora, um departamento específico para a realização de acordos e cobranças dos créditos devidos pelos bancos e administradores.
A portaria possibilita parcelamento dos valores negociados com concessão de descontos, diferimento ou moratória, como também oferecimento, substituição ou alienação de garantias.
Poderão negociar devedores falidos ou em processo de recuperação judicial, ou em intervenção extrajudicial pelo BC. O prazo máximo para quitação dos valores será de 120 meses e o limite máximo de redução do valor devido será de até 70%, a depender da situação financeira do devedor.
De acordo com Marcel Mascarenhas, sócio do Warde Advogados e ex-procurador-geral adjunto do BC, a medida é exitosa e vai permitir que a autoridade monetária eleve o valor arrecadado que hoje é devido por bancos, empresas e pessoas jurídicas. “O BC passa a ter mais uma opção para cobrar e recuperar créditos de difícil recuperação, normalmente relacionados a casos em que não foram localizados bens em nome dos devedores ou em que estes se ocultam ou não possuem ativos líquidos”, afirmou.
“As transações resolutivas de litígios têm sido, já há alguns anos, um instrumento eficiente de ampliação da recuperação de créditos da União, mas o Banco Central ainda não dispunha dessa ferramenta, o que dependia de regulamentação”, complementou o advogado.
A portaria, afirmou o advogado, tem o benefício de possibilitar aos devedores condições especiais, como a concessão de desconto, diferimento ou moratória parcial ou a substituição de garantias, permitindo acertar o pagamento de ao menos parte da dívida com o encerramento das restrições decorrentes do inadimplemento.
Fonte: Valor Econômico

