Nos últimos dois meses, uma série de processos foram abertos pelo empresário Sidney Oliveira contra lojas licenciadas de sua marca Ultrafarma Popular por inadimplência, e a questão é parte do quebra-cabeça do Ministério Público de São Paulo que investiga crimes fiscais cometidos por redes varejistas, apurou o Valor
As investigações da promotoria de São Paulo envolvendo a atuação do empresário Sidney Oliveira, fundador da rede Ultrafarma, evoluíram nas últimas semanas, e movimentações envolvendo lojas licenciadas pelo empresário estão no radar.
Nos últimos dois meses, uma série de processos foram abertos pelo empresário Sidney Oliveira contra lojas licenciadas de sua marca Ultrafarma Popular por inadimplência, e a questão é parte do quebra-cabeça do Ministério Público de São Paulo que investiga crimes fiscais cometidos por redes varejistas, apurou o Valor.
Há pelo menos dez processos abertos por Oliveira na Justiça paulista, de dívidas antigas de antigas lojas licenciadas, desde que a empresa foi envolvida na Operação Ícaro. Isso equivale, em média, a uma ação apresentada pela rede por semana até o momento. Nos mesmos períodos de anos anteriores, não houve nenhum caso aberto contra lojas.
A Operação Ícaro, anunciada em agosto pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), apura suposto esquema bilionário de propinas pagas por varejistas envolvendo a chefia de fiscalização da Secretaria da Fazenda para liberação de créditos de impostos.
Detalhes das ações
Um dos processos abertos por Oliveira é contra três lojas da Ultrafarma Popular cujo dono dos imóveis já foi denunciado, em 2023, na Operação Copa Livre, realizada pela promotoria no Rio Grande do Sul (RS).
Essas lojas licenciadas, do empresário Julio Salvador Filho, operavam inicialmente como Ultramais Drogarias e mudaram a marca para Ultrafarma Popular cerca de três anos atrás, quando o licenciamento foi negociado.
Depois disso, Julio Salvador, com negócios no ABC paulista, foi denunciado pelo MPRS em 2023, por conta de um suposto esquema de desvio de recursos públicos.
Pela denúncia a que o Valor teve acesso, um suposto grupo criminoso que incluiria Salvador abriria negócios, como pequenas farmácias, para incorporar parentes de funcionários públicos no quadro de sócios, como forma de pagar a eles propinas em troca de saírem vencedores de concorrências na cidade de Canoas (RS).
A Ultrafarma não faz parte dessa investigação, nem Sidney Oliveira. Mas no MPSP existe apuração em andamento, segundo fonte a par do tema, para verificar se existiriam farmácias licenciadas pela rede que operariam por meio do nome de empresários “laranjas”. Procurado para comentar, Oliveira não se manifestou até o momento. O seu advogado, Valdir Mocelin, também não retornou o contato.
Questionado a respeito, o empresário Julio Salvador afirma que foi surpreendido com os processos requeridos por Oliveira e que ainda não foi citado.
Ainda afirma que as contas das lojas “estão, e sempre estarão, à disposição para qualquer apuração demonstrando a sua lisura, repudiando toda e qualquer ilação de envolvimento com o crime organizado”.
Também diz que está apurando se existem valores que realmente ficaram pendentes e, se houver valores devidos, irá quitar os montantes.
Sobre a denúncia do MPRS, Salvador diz que trata-se de apuração apenas, e que isto não tem relação com o acordo com Oliveira.
Quadro de sócios
Um detalhe que chama a atenção no cruzamento dos negócios é o quadro de sócios.
A loja licenciada da Ultrafarma Popular gerida por Salvador tem na sociedade, além dele, Karla Korek Farias. A sócia é esposa de Paulo Korek Farias, que também foi denunciado no suposto grupo criminoso em que Salvador é um dos acusados na “Operação Copa Livre”, no Rio Grande do Sul.
A unidade da Ultramais Drogarias, aberta pelos dois sócios, e que virou licenciada, registra capital social de R$ 1 mil, e tem como endereços: um prédio residencial de dois andares na Vila Maria, zona leste de São Paulo, uma perfumaria na cidade de Piedade, pequena cidade do interior paulista, e uma casa no bairro do Planalto Paulista.
A reportagem ligou nos telefones registrados na Junta Comercial, mas ninguém respondeu aos contatos.
A Ultrafarma lançou seu modelo de lojas licenciadas em 2018, com o intuito de acelerar crescimento orgânico e vender produtos da marca de Sidney Oliveira para as lojas (especialmente vitaminas e suplementos), sem precisar fazer altos investimentos de expansão com lojas próprias, mas o projeto foi suspenso em 2022, sem maiores detalhes.
Em 2020, Oliveira chegou a afirmar que planejava ter mil lojas da marca e dizia que as lojas com o novo nome cresciam 400%, pelo seu “layout sofisticado, design arrojado” e preços acessíveis.
“Vamos chegar a mil unidades da Ultrafarma Popular em três anos”, dizia o empresário, em entrevista em 2020, dois anos antes de cancelar o projeto.
Delação premiada
Segundo fontes a par do caso, há suspeita na Promotoria paulista de que a abertura acelerada desses processos da Ultrafarma contra parte das lojas licenciadas nos dois últimos meses — logo após se tornar pública a Operação Ícaro — poderia ser uma forma de desvincular a figura de Oliveira de eventuais modelos de negócios administrados por terceiros.
Ainda segundo apuração da reportagem, o MPSP avançou no acordo de delação com o chefe de fiscalização da Secretaria da Fazenda, Artur da Silva Neto, peça central nas investigações envolvendo corrupção e crime fiscal, e há chances de fechar isto brevemente. Oliveira deve ser um dos delatados, de acordo com informações já apresentadas pelo chefe de fiscalização à Promotoria.
Silva Neto receberia, por meio de uma empresa de fachada de sua mãe, valores de propina pagos pelas varejistas, como Ultrafarma e Fast Shop para liberar em tempo recorde créditos de ICMS que poderiam ser vendidos legalmente a outras empresas ou ser abatidos no balanço.
Estima-se que o esquema de corrupção que teria movimentado mais de R$ 1 bilhão em propinas para a chefia de fiscalização da Secretaria da Fazenda.
Ao levantar dados do patrimônio de Oliveira, os promotores já verificaram que os bens do empresário se confundem com os bens da Ultrafarma, e não há patrimônio em seu nome. O Valor ainda apurou que o MPSP caminha para apresentação da denúncia contra Oliveira por corrupção ainda neste ano.
Sobre os processos em aberto, nos últimos dois meses, pela Ultrafarma junto aos licenciados, há cobranças de supostas dívidas não pagas em valores baixos (de R$ 15 mil a R$ 93 mil), e de pendências antigas, a partir de 2021, inclusive de lojas que já quebraram, e que viraram foco das ações do empresário.
As dívidas se relacionam, basicamente, com atrasos no pagamento de produtos repassados às unidades e inadimplência em pagamentos de “royalties” da marca.
O escritório que representa Oliveira chegou a dar entrada em oito ações no espaço de apenas quatro dias, em agosto, menos de duas semanas após a Justiça determinar a soltura do fundador da Ultrafarma, preso por cinco dias durante as investigações do MPSP.
Nos processos, fica evidente se tratar de imóveis de pequeno porte, em lojas de bairro ou cidades do interior de São Paulo. A Drogaria WM Oliveira, ré numa ação requerida pela Ultrafarma e protocolada neste mês, foi extinta em 31 de outubro de 2024 por “liquidação voluntária”.
A Ultrafarma está cobrando da empresa cerca de R$ 30 mil em atraso de pagamentos. Ainda há cobrança maior, no valor de R$ 629 mil, contra o empresário controlador dessa rede de drogarias.
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Fonte: Valor Econômico