Emmanuel Macron descreveu o retorno de Donald Trump como um “choque” que deve forçar a Europa a garantir não apenas seu futuro, mas também o da Ucrânia.
Em entrevista no Palácio do Eliseu, pouco depois de Trump ter chegado a um acordo com Vladimir Putin, da Rússia, para realizar negociações de paz iminentes, o presidente francês defendeu a necessidade de a Europa “endurecer-se” na defesa e na economia.
Macron insistiu que somente o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, poderia negociar em nome de seu país, alertando que permitir uma “paz que é uma capitulação” seria “má notícia para todos”, inclusive para os EUA.
“A única questão, neste momento, é se o presidente Putin está genuinamente, de forma sustentável e credível, disposto a aceitar um cessar-fogo com base nisso. Depois disso, cabe aos ucranianos negociar com a Rússia”, disse Macron, acrescentando: “Todos nós precisamos permanecer coletivamente vigilantes.”
O líder francês há muito defende que a Europa deve assumir mais responsabilidade por sua própria segurança, o que só seria possível com um aumento da independência econômica e a redução da dependência dos EUA e da China.
Ele descreveu o retorno de Trump à Casa Branca como um choque capaz de impulsionar a UE a investir em sua própria defesa, bem como em um renascimento econômico e tecnológico. Isso implicaria abandonar um quadro fiscal e monetário, acordado pela UE em 1992, o qual ele classificou de “obsoleto”.
“Este é o momento da Europa para acelerar e executar”, afirmou, ao mesmo tempo em que alertava para o risco de fracasso da UE. “Ela não tem escolha. Está ficando sem alternativas.”
Presidentes e Encontros
Macron, no centro, organizou uma reunião entre o então presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, à direita, no Palácio do Eliseu, em dezembro de 2024.
Se Macron conseguirá reunir outros países europeus em torno de seu programa é uma questão em aberto, especialmente porque ele vem sendo fortemente enfraquecido internamente e em Bruxelas pela paralisação política que se seguiu às eleições antecipadas do ano passado. As finanças públicas fragilizadas da França também limitam sua capacidade de investir o necessário em defesa e outras prioridades.
Ainda assim, o presidente francês endossou a posição da administração Trump de que a responsabilidade de garantir a segurança da Ucrânia cabe à Europa, afirmando que isso decorre de uma mudança geracional e bipartidária nas prioridades da política externa americana, afastando-se da Europa em direção à Ásia.
Macron ressaltou que o unilateralismo dos EUA não começou com o retorno de Trump ao poder, notando que ele “não recebeu uma ligação” previamente da administração Biden sobre o acordo nuclear “Aukus” para submarinos com a Austrália e o Reino Unido, ou sobre a retirada dos EUA do Afeganistão.
“O que Trump está dizendo à Europa é que cabe a vocês carregar o fardo. E eu digo que cabe a nós assumi-lo”, afirmou Macron.
Diálogo e Oportunidades
Embora muitos líderes europeus tenham reagido furiosamente às conversas de Trump com Putin sobre o fim da guerra na Ucrânia, Macron pareceu mais sereno. Após ter conversado com Trump por telefone no início da semana, ele afirmou não estar “surpreso” com a postura do presidente americano.
Macron disse que Trump criou uma “janela de oportunidade” para uma solução negociada, onde “cada um tem que desempenhar seu papel”. Segundo ele, o papel dos EUA é “reiniciar esse diálogo” e tomar a iniciativa, pois Trump trouxe um “elemento de disrupção estratégica”. Cabe a Zelenskyy “sozinho” discutir “questões territoriais e de soberania”. E “cabe à comunidade internacional, com um papel específico para os europeus, discutir garantias de segurança e, mais amplamente, o quadro de segurança para toda a região. É aí que temos um papel a desempenhar.”
Outros Aliados Europeus e Concessões
Outros aliados europeus denunciaram as aparentes concessões de Washington a Putin, mesmo antes do início das negociações, incluindo a exclusão da possibilidade de adesão da Ucrânia à OTAN e a caracterização de uma restauração completa de sua integridade territorial como “ilusória”.
No entanto, Macron foi cauteloso ao criticar, observando que — no momento da entrevista — foi o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, e não o presidente, quem afirmou que a adesão da OTAN para Kiev “não era um desfecho realista”. (Posteriormente, Trump disse ter considerado que a adesão não era “prática”.)
O presidente francês tem liderado discussões entre aliados europeus sobre como garantir qualquer acordo de paz, inclusive a possibilidade de enviar tropas à Ucrânia para dissuadir futuras agressões russas.
Zelenskyy afirmou que apenas uma força de 150.000 a 200.000 tropas, com envolvimento dos EUA, seria capaz de impedir que a Rússia atacasse novamente. Uma mobilização dessa magnitude seria praticamente impossível para os exércitos europeus, atualmente fragilizados.
Macron reconheceu que, embora seja cedo para falar em números, tal grande desdobramento era “uma ideia fantasiosa”, acrescentando: “Temos que fazer coisas que sejam apropriadas, realistas, bem pensadas, medidas e negociadas.”
Questões Regionais e Estratégicas
Quando questionado sobre a ameaça de Trump de anexionar a Groenlândia, Macron afirmou que as preocupações do presidente americano com a segurança das rotas marítimas no Ártico eram “respeitáveis”, mas que deveriam ser abordadas coletivamente pelos aliados na OTAN. Ele disse ter solicitado ao secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, que elaborasse uma estratégia para a segurança no Ártico, inclusive com possíveis operações militares conjuntas.
Quanto à proposta de Trump de redevelopar Gaza, após ter expulsado sua população de 2,2 milhões para estados árabes vizinhos, Macron foi mais direto. Expulsar os habitantes de Gaza seria “extremamente perigoso”.
“Para mim, a solução não é uma solução imobiliária. É uma solução política.”
Trump e a Incerteza Estratégica
As ambições de Trump sobre Gaza e a Groenlândia foram apresentadas como exemplos da “extrema incerteza estratégica” que o mundo enfrenta atualmente, segundo Macron. Isso exigiu uma repensada radical de como a UE e seus Estados-Membros operam.
“É um eletrochoque. Precisamos de choques assimétricos, precisamos de choques externos. É um choque exógeno para os europeus.”
Essa mudança de paradigma ajudaria a trazer clareza para aqueles na Europa que ainda acreditavam poder viver num estado de “dependência estratégica”.
“Esse modelo, de ter o mercado chinês como saída, o guarda-chuva americano para nossa segurança e o gás russo barato para produzir, esqueçam os três.”
Para que a Europa consiga o “despertar estratégico” que Macron prega, será necessário tanto reforçar a defesa quanto reacender um crescimento econômico atualmente estagnado, com uma explosão de desregulamentação e integração econômica em tudo, desde os mercados de capitais até energia, permitindo que a UE colha os benefícios de seu tamanho.
Na área de defesa, Macron afirmou que a Europa deve construir suas próprias capacidades para poder agir “mesmo quando os EUA não estiverem envolvidos”.
Apesar de já se passarem três anos desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, as mudanças na indústria de defesa têm sido lentas. Embora a capacidade de produção de munições e mísseis tenha aumentado, as empresas de defesa europeias permanecem muito fragmentadas para produzir em grande escala.
Os países também continuam a manter seus respectivos monopólios nacionais de defesa e muitas vezes desconfiam de programas de desenvolvimento conjunto, além de serem ainda mais cautelosos com fusões transfronteiriças que poderiam criar campeões europeus na defesa.
Mais uma vez, Macron instou a Europa a se desvincular da dependência de comprar armamentos dos EUA, prioridade de longa data da França, afirmando que os parceiros deveriam adquirir o sistema de defesa aérea conjunto franco-italiano SAMP-T. Segundo ele, esse sistema é “melhor” do que o Patriot, o equivalente americano, já utilizado por vários países da UE.
“Devemos também desenvolver uma base integrada de defesa, industrial e tecnológica europeia”, concluiu Macron. “Isso vai muito além de um simples debate sobre cifras de gastos. Se tudo o que fizermos for nos tornar clientes ainda maiores dos EUA, então, em 20 anos, ainda não teremos solucionado a questão da soberania europeia.”
Financiamento e Regulação Econômica
Para que os países europeus possam investir mais em defesa, Macron defendeu soluções de financiamento “inovadoras”, que poderiam incluir empréstimos comuns da UE, como foi feito durante a pandemia de coronavírus. Até o momento, a Alemanha tem se mantido fortemente contra essa ideia; Macron afirmou esperar que essa posição evolua após as eleições federais alemãs em 23 de fevereiro.
Segundo ele, os desafios enfrentados pela Europa são tão agudos agora quanto foram durante a pandemia. Para enfrentá-los, a Europa precisa se libertar dos limites de déficit impostos pelo Pacto de Crescimento e Estabilidade da UE, que obriga os países a manterem déficits abaixo de 3% do PIB.
“Isso é obsoleto”, afirmou, referindo-se às regras da UE. “O quadro financeiro e monetário em que vivemos está desatualizado.”
Macron ainda destacou que “a Europa está subalavancada”, considerando sua necessidade de investir em tecnologias emergentes, como inteligência artificial, transição verde e segurança.
Ele também pediu a revisão das regulações da UE, que classificou como onerosas e irrealistas. Entre elas, a diretiva de reporte de sustentabilidade corporativa da UE e as multas iminentes para fabricantes de automóveis que não cumprirem as cotas de veículos elétricos, as quais ele chamou de “absurdas”. Macron ainda alertou que a Europa não deveria prejudicar os bancos ao aplicar exigências de capital mais rígidas, já que os EUA pareciam prestes a ignorar as regras acordadas internacionalmente.
Quando questionado se a UE precisava de uma versão própria do Departamento de Eficiência Governamental (Doge), criado por Trump e que liberou o bilionário Elon Musk para cortar gastos do governo, Macron disse que “é necessária uma simplificação drástica… É melhor tomar decisões ousadas e politicamente responsáveis do que desmontar tudo.”
Macron admitiu que pode levar “cinco a 10 anos” para a Europa se fortalecer, tempo que ele próprio não tem, tendo seu mandato se encerrado em 2027. Com o crescimento dos populistas e da extrema direita na França e em outras partes da Europa, uma parcela dos eleitores desconfia da expansão da influência da UE em suas vidas.
Ainda assim, Macron confia em sua capacidade de persuadir. “Eu ainda acredito”, afirmou, acrescentando com um toque caracteristicamente intelectual: “Eu amo o humanismo do Renascimento e a filosofia do Iluminismo. Foi isso que nos formou. E não creio que essas ideias sejam antiquadas. Pelo contrário, creio que precisamos reinventá-las.”
Fonte: Financial Times
Traduzido via ChatGPT

