“Tem uma sensação de que parece que o Brasil entrou no paraíso novamente”, afirma Paulo Paiva, professor associado da fundação.
Mencionando a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 2019 a 2023, no entanto, Paiva diz não haver uma mudança “muito profunda” na atividade que leve a imaginar mudanças de patamar.
“Nesse período, temos o impacto da pandemia, que empurrou o PIB para baixo. Depois, ele subiu e continua, mais ou menos, nos mesmos níveis de 2022 até agora”, afirma o professor, destacando como exceção o “extraordinário crescimento” da agropecuária no primeiro trimestre deste ano. “Mas o desempenho do agro é sazonal.”
Sem a contribuição da agropecuária, nota Paiva, o crescimento observado de 1,9% do PIB no primeiro trimestre, na comparação com o período anterior, teria sido ao redor de 0,5%.
Na estimativa anualizada, o PIB cresceu 3,3% entre janeiro e março deste ano, ante o acumulado anterior de quatro trimestres. “Está em torno de 3%, que é o que a economia cresceu no último ano do governo Bolsonaro e está crescendo neste ano. Não é um padrão ruim para a tradição do Brasil nas últimas décadas, mas não é resultado também da mudança de governo”, afirma Paiva.
Ele diverge de outros economistas que veem na melhora recente do mercado de trabalho efeitos da reforma trabalhista de 2017. “A reforma pode ajudar a melhorar a eficiência no mercado de trabalho, mas não o volume de emprego. Volume é resultado de crescimento econômico”, afirma.
Fora o desempenho do agro, porém, a atividade brasileira tem se sustentado na expansão dos serviços, em que os empregos são marcados pela informalidade e pela baixa produtividade, diz Paiva.
Sem ajustes do lado fiscal e aumento da produtividade, o crescimento de longo prazo do Brasil “continuará pífio, volátil e não sustentável”, afirma o professor. “No curto prazo, estamos até melhor do que no passado, mas isso não é sustentável.”
Se houver surpresas em relação à atividade, elas não devem voltar a ser positivas, na avaliação de Paiva. “A surpresa será negativa. O agronegócio não se repete, tem um ciclo. A experiência do setor de serviços e da indústria é de manter o crescimento entre 2% e 3%, que é o que já estamos vendo”, afirma.
Do cenário externo, também não deve chegar nenhum vento favorável à economia brasileira no restante do ano, diz Carlos Primo Braga, também professor associado da FDC. Ele alerta que “2023 não é 2003”.
“Se olharmos o que está acontecendo lá fora, o crescimento vai cair de 3,3% em 2022 para 2,7% neste ano. A desaceleração é particularmente visível na Europa, mas também nos Estados Unidos. A curva dos T-bills [títulos de dívida de curto prazo do governo dos EUA] de três meses mostra taxas acima de 5%, enquanto a das T-notes [títulos de dívida de médio prazo dos EUA] de dez anos pagam 3%. Todas as oito últimas recessões desde 1968 foram sempre precedidas por inversões significativas da curva de juros, e essa é uma das mais dramáticas da história”, nota.
Braga pondera que um ponto a ser observado é o comportamento da China, onde o desempenho “claudicante” da economia já levou o governo a agir, anunciando recentemente um corte marginal de algumas taxas de juros. “É um sinal de que o governo quer agir, particularmente de olho no desemprego dos mais jovens, que está em 20,8%, uma questão que começa a criar uma tensão política grande. No entanto, ainda existem muitos desequilíbrios no setor imobiliário, responsável por 30% do PIB”, ressalta.
Nas duas últimas décadas, nota, a simples notícia de estímulos econômicos na China era suficiente para fazer subir o preço de commodities industriais como o minério de ferro, beneficiando as exportações brasileiras. Essa relação direta, no entanto, se enfraqueceu recentemente, segundo Braga.
Esse quadro fica ainda mais preocupante quando se constata que o governo Lula está próximo de esgotar o “pacote de bondades” pensado para o começo da gestão e, na área econômica, também não deu sinais sobre a agenda depois da reforma tributária, diz o professor associado da FDC e colunista do Valor, Bruno Carazza.
Ele pondera que, diferentemente do que tradicionalmente ocorre em inícios de governo, o petista não começou seu novo mandato com medidas impopulares, visando arrumar a casa. Ao contrário – e por imposição de uma eleição que dividiu o país e que flertou com a radicalização, como visto no 8 de janeiro, diz -, foi necessário acelerar entregas populares e que ajudassem a estabilizar o clima político no país.
“Só que, olhando para as entregas deste início de ano, me parece que o ciclo propiciado pela PEC da Transição está chegando ao fim”, afirma, em referência à atualização do Bolsa Família, à valorização do salário mínimo, ao programa para dívidas Desenrola e outras medidas que mais parecem um “retrofit” de políticas antigas das gestões petistas, como Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos e Farmácia Popular.
“Não vejo o governo com muitas ideias novas – nas reuniões ministeriais, dá para ver que o estoque de ‘coelhos na cartola’ está meio esgotado. Além disso, existe essa dificuldade grande de se equilibrar entre a base de esquerda e o Congresso muito conservador. Decretos progressistas podem ter fatura pesada diante de um Congresso com esse perfil”, diz Carazza.
Em relação à pauta econômica, Carazza avalia que preocupa a falta de uma agenda para depois da reforma tributária, principalmente porque vem acompanhada de sinais preocupantes do cenário fiscal. Para além do novo arcabouço, que considera “pouco ambicioso”, ele dá como exemplos a facilidade com que “novos velhos” programas de incentivo, como à indústria automobilística, se impuseram.
“Outro ponto preocupante – e este a gente pode colocar inteiro na conta do [ministro Fernando] Haddad – é a Fazenda ter cedido à pressão e implementado um ‘bônus de eficiência’ para os servidores da Receita Federal, o que deve custar R$ 2,5 bilhões por ano e que já começa a gerar uma corrida de outras categorias com forte influência para conseguir o mesmo”, diz Carazza. “Foi um sinal ruim dado por Haddad.”
Para Paiva, a recriação do Ministério da Gestão foi um erro do atual governo. “A gestão de pessoal passou a ser subordinada ao Planejamento lá atrás, no governo do Fernando Henrique Cardoso. Isso era positivo, porque o Planejamento é quem pensa o Orçamento, olha se tem espaço para aumento salarial. Com o desmembramento, sendo esse um governo de esquerda, acredito que a tendência para aumento de gastos será maior”, diz, ressaltando que o problema fiscal em relação à máquina pública não é a quantidade de servidores, mas as altas remunerações, especialmente no Legislativo e Judiciário.
Carazza ressalta que diante desse quadro difícil é que será colocado em teste o arcabouço fiscal, que prevê zerar o déficit primário em 2024. “Um crescimento maior ajuda, mas não resolve. A gente sabe também que esse PIB que surpreendeu no primeiro trimestre não impulsiona a arrecadação, porque veio de um setor que é pouco tributado [a agricultura]. Já a indústria, que contribui mais, está caindo novamente.”
Fonte: Valor Econômico

