Por Rana Foroohar — Financial Times
29/04/2024 05h02 · Atualizado há 5 horas
A política econômica em muitos países entrou em uma nova era de auxílios e subsídios. Mas os mercados financeiros mundiais ainda precisam se atualizar.
Consideremos algumas das manchetes da semana passada. Nas reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial em Washington, as instituições ficaram acuadas quando líderes do Sul Global condenaram a hipocrisia dos credores dos países ricos por exigir austeridade aos tomadores de crédito ao mesmo tempo em que eles próprios acumulam dívidas enormes.
Em Bruxelas, Mario Draghi, ex-primeiro-ministro da Itália e ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE), defendeu a adoção de uma política industrial única para toda a União Europeia. Do outro lado do Atlântico, o governo dos EUA propôs a triplicação das tarifas sobre a China.
A melhor maneira de conciliar essas manchetes é entender que, ao mesmo tempo em que a política fiscal dos países ricos vem mudando para sustentar o processo de reindustrialização e a transição climática, os mercados financeiros mundiais ainda estão concentrados decididamente em maximizar o lucro de curto prazo do setor privado. O conflito entre os dois continuará até que surja um novo equilíbrio.
A Casa Branca redobrou a aposta na ideia de que o livre comércio não leva em consideração o custo de externalidades negativas como as mudanças climáticas. Por essa conta, o livre comércio por si só é o segundo maior poluidor de carbono, depois da China. Isso porque o atual quadro comercial e financeiro mundial ainda incentiva o que é mais barato para as empresas e mais lucrativo para os acionistas, e não o que é melhor para o planeta.
Mas as instituições financeiras mundiais também precisarão mudar para que haja uma transição verdadeira para um sistema melhor. Em um evento da Oxfam na semana passada, Adriana Abdenur, assessora econômica especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenou o “desajuste” entre “países e regiões ricos que agora adotam e defendem uma política industrial” enquanto “ainda pressionam as instituições financeiras internacionais para que imponham uma receita ultrapassada do Consenso de Washington”.
A Casa Branca sabe que o Sul Global tem razão. O vice-conselheiro de segurança nacional dos EUA para economia internacional, Daleep Singh, defendeu um uso maior da autoridade soberana de garantia de empréstimos para reduzir as taxas de juros para os países em desenvolvimento.
Tudo isso mostra que nos encontramos em um ponto crucial e nenhum país tem todas as respostas. Muitas partes interessadas, porém, querem agarrar-se ao passado, mesmo quando o futuro está mudando. Eu me admiro com a cegueira obstinada dos fabricantes de automóveis alemães que assinaram uma declaração conjunta para trabalhar em veículos ligados à China, embora seja provável que a UE imponha restrições aos veículos elétricos chineses na Europa. Da mesma forma, me preocupa a possibilidade de que a ofensiva dos EUA para se contrapôr à inteligência artificial chinesa leve a que um punhado de gigantes americanas da tecnologia tenham ainda mais poder de mercado do que já têm.
A transição para um novo paradigma econômico já começou. Onde isso vai acabar é uma questão que ainda está em aberto.
Fonte: Valor Econômico

