O economista-chefe da Moody’s Analytics, Mark Zandi, não ficou aliviado com os dados que apontam para uma retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no segundo trimestre, depois do recuo no primeiro trimestre. A avaliação dele, na verdade, é que a economia americana “está à beira da recessão”.
Em meio ao tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump, setores como indústria, agricultura e construção já estão em território de contração, segundo Zandi. Mais importante: o avanço do emprego “está parando”, diz, após o fraco relatório de julho mudar a avaliação sobre o mercado de trabalho. Para ele, além disso, quando o cenário estiver mais claro, os consumidores arcarão com dois terços do impacto das tarifas.
Essas são opiniões que costumam ser ouvidas de Wall Street a Washington, mesmo quando desagradam. Frequentemente, o economista é chamado para apresentar as perspectivas econômicas ao Congresso. Quando a Moody’s Ratings rebaixou a nota soberana dos EUA em maio, foi Zandi o alvo da ira da Casa Branca – embora a Moody’s Analytics seja um braço de análise econômica que opera de forma independente da divisão de classificação de crédito.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Dados de inflação nos EUA mostraram cenários aparentemente divergentes: o CPI (inflação para o consumidor) veio abaixo do esperado, enquanto o PPI (inflação no atacado) surpreendeu para cima. Isso significa que os produtores estão absorvendo boa parte dos custos tarifários?
Sim, até agora os produtores ou empresas dos EUA estão absorvendo uma parte significativa das tarifas. 60% das tarifas estão sendo absorvidas pelas empresas americanas na forma de menores lucratividade e margens; 20% pelos produtores estrangeiros; e cerca de 20% pelos consumidores. Isso vai mudar daqui para a frente. No fim das contas, digamos daqui a um ano, dois terços dos aumentos tarifários serão arcados pelos consumidores dos EUA, outros 20% pelos produtores ou empresas dos EUA e os 15% restantes pelos produtores estrangeiros. Ao longo do tempo, as empresas se sentirão menos preocupadas com o foco político e mais confortáveis em repassar os efeitos das tarifas.
Quando isso acontecerá?
Os consumidores já estão sentindo, mas sentirão de forma mais significativa até o final do ano, início do próximo ano. O impacto na inflação dos preços ao consumidor estará em seu ápice no segundo trimestre de 2026. O deflator de despesas do consumidor (índice de preços de gastos com consumo, PCE), medida de inflação que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) usa para definir sua meta de inflação, estará próximo de 3,5% ano a ano no segundo trimestre de 2026 (a meta é de 2%). Isso está baseado na suposição de que a taxa efetiva de tarifa atingirá o pico de 15%.
Apesar disso, os mercados parecem confortáveis com o desdobramento dos efeitos das tarifas na inflação, como evidenciado por recordes recentes do S&P 500 (índice da Bolsa de Nova York). Por quê?
Há várias coisas acontecendo. Uma das mais importantes é a inteligência artificial. Empresas de IA estão em alta. Pelo menos metade da alta no S&P 500 desde o início do ano está nessas ações, que operam em dinâmica diferente, não têm nada a ver com as tarifas. A segunda são os cortes de impostos que fizeram parte do “Grande e Belo Projeto de Lei”. Isso adiciona cerca de um quarto do aumento nos preços das ações desde o início do ano, simplesmente os cortes de impostos. Sobra o um quarto restante do aumento, e acho que isso é em grande parte especulação, espuma, impulso. Os mercados estão supervalorizados. Eles estão descontando excessivamente a resiliência da economia dos EUA. Uma vez que fique claro que as tarifas e outras políticas econômicas, como a política de imigração, estão causando danos reais à economia, essa espuma sairá dessa especulação.
É razoável esperar entre dois e três cortes de juros do Fed este ano?
Sim, porque mesmo que a inflação vá acelerar, a economia está enfraquecendo, o crescimento do emprego está parando e os riscos de recessão são muito altos. O Fed está dando mais peso à economia e ao seu mandato de pleno emprego do que à inflação por duas razões. Primeiro, acredita, mais ou menos apropriadamente, que os aumentos tarifários representam um aumento único na inflação, que não será persistente. Não acho que devamos estar excessivamente confiantes sobre isso, mas essa é a visão. E, segundo, os dirigentes do Fed desesperadamente querem evitar uma recessão, no contexto das pressões políticas que enfrentam. Há muita pressão em relação à independência do Fed e há até um movimento no Congresso para aprovar legislação que mudaria o Federal Reserve Act de 1913, que proporciona essa independência. O Fed estaria sob pressão tremenda, pois tais mudanças legislativas teriam probabilidade maior de ocorrer se a economia entrasse em recessão.
Quantos cortes o sr. espera?
Espero corte de juro de 0,25 ponto porcentual na reunião de setembro e, em seguida, 0,25 ponto porcentual a cada trimestre no próximo ano, até que a taxa dos Fed Funds atinja sua taxa de equilíbrio em 3%. Os juros agora estão em 4,25% (no limite inferior da banda), então isso implicaria em cinco cortes de juros entre agora e o final do próximo ano. O cenário base não prevê uma recessão, mas prevê uma economia muito fraca e, portanto, cortes de juros consistentes.
Grandes partes da economia já estão se contraindo. E, mais importante, o crescimento do emprego praticamente parou
O sr. chegou a dizer recentemente que os EUA estão à beira da recessão. O que o levou a dizer isso?
Por causa dos altos e baixos no comércio, dados os aumentos tarifários, o crescimento na primeira metade do ano foi de pouco mais de 1%, muito fraco. O consumo das famílias ficou estagnado. Manufatura, construção, mineração, agricultura, transporte, distribuição já estão em recessão. Grandes partes da economia já estão se contraindo. E, mais importante, o crescimento do emprego praticamente parou. Se os números de empregos se tornam negativos, historicamente, isso sempre foi o início da recessão. Portanto, os riscos de recessão são muito altos. Estamos à beira de uma desaceleração forte. Nossa linha de base ainda não prevê uma recessão real, mas vai ser difícil navegar com toda a incerteza pendendo para o negativo.
Apesar da desaceleração do emprego, as demissões seguem baixas. Por quê?
As empresas estão nervosas em demitir, dado o mercado de trabalho apertado. E elas demitiram durante a pandemia e foram pegas de surpresa quando a economia voltou com força e tiveram de aumentar custos trabalhistas para trazer os trabalhadores de volta. Então, estão relutantes em demitir e se encontrarem em uma situação semelhante. O que fizeram, em vez disso, foi congelar contratações. Mas o próximo passo, se houver mais enfraquecimento na demanda do consumidor, é começar a demitir. E, se eles demitirem, isso é recessão. Esse é outro motivo pelo qual é razoável pensar que a economia está à beira de uma recessão.
Trump trocou o comando do BLS (o escritório de estatísticas trabalhistas) após dados de emprego fracos. Há risco à credibilidade das estatísticas?
Sim. Mesmo antes de tudo isso, eu tinha preocupações, porque o BLS e outras agências tiveram cortes de orçamentos, e isso está afetando a capacidade de fazer o trabalho. O BLS teve reduções na força de trabalho desde o início do ano, e um resultado é que não têm pessoal suficiente para sair e coletar preços. Uma parcela crescente dos produtos no CPI é imputada, não é medida diretamente. Isso é um problema sério para a integridade dos dados. Há uma longa tradição de profissionalismo no BLS, o que nos dá alguma confiança. Mas houve alguma discussão, pelo menos no discurso público, de que o BLS poderia decidir não publicar os dados de emprego a cada mês, mas esperar vários meses. Isso seria um grande erro.
Para o restante do mundo, quais serão os efeitos econômicos das tarifas?
Depende de país para país. Para o Brasil, menos. Para o México, muito mais. O Brasil poderia se beneficiar redirecionando o comércio para outras partes do mundo, como a China, poderia vender suas commodities e outros recursos para os chineses. Mas, de modo geral, é negativo para a economia global.
Fonte: Estadão

