Por Assis Moreira — De Davos
24/05/2022 05h00 Atualizado há 5 horas
Os EUA provavelmente terão que subir os juros muito mais do que estavam planejando e muito mais rapidamente, e isso pode complicar a vida da América Latina, avalia Ricardo Hausmann, professor de economia internacional e diretor do Growth Lab, da Universidade Harvard. Ele considera, porém, que a região está hoje mais resiliente do que em crises do passado.
Em entrevista ao Valor no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), ele observou que o aumento de juros nos EUA, se bem feito, pode desacelerar a economia o suficiente para reduzir a inflação sem causar uma recessão. “Mas essas coisas são difíceis de manejar. E o que aumenta a possibilidade de recessão é que o Federal Reserve [o BC dos EUA] está muito atrás da curva.”
Para Hausmann, o mundo estava muito preocupado em assegurar uma rápida recuperação pós-covid “e os governos deram uma dose exagerada ao paciente, com excesso de estímulos fiscal e monetário, o que gerou essa aceleração da inflação, que agora é um problema para o mundo”.
A demanda cresceu muito mais que a capacidade da economia de produzir. Além disso, há mudanças estruturais importantes, como o tema da descarbonização, o que gera um grande aumento nos preços das matérias-primas e metais. e a alta de preços dos alimentos, em parte pela maior demanda mundial e também pela guerra da Ucrânia.
Outra parte dos problemas macroeconômicos no mundo é que “a China tem uma estratégia absurda de combate da covid-19, porque, sem as [modernas] vacinas de mRNA [RNA mensageiro], eles terão de fazer lockdowns para sempre, a menos que tenham imunidade de rebanho. Essa política vai causar danos para a China – o principal parceiro comercial da América do Sul – e também para o mundo”.
Ou seja, num momento em que o mundo tem muita demanda, a China está limitando a capacidade de produzir e vender. Isso tem um efeito de baixa na inflação, porque a China importa menos energia e reduz a pressão de alta sobre o preço do petróleo. “Imagine como seria o preço do petróleo hoje se a China estivesse crescendo a taxas normais”, observa Hausmann.
Para ele, o mundo, hoje às voltas com uma inflação elevada, passará por um período mais ou menos longo de desaceleração dos preços, porque as políticas nos países desenvolvidos vão na direção de desinflar. “Provavelmente, levará pelo menos 3 a 4 anos para a inflação voltar aos 2% nos EUA e na Europa.”
Hausmann admite o risco de um choque como o causado por Paul Volker em 1979, quando na presidência do Federal Reserve elevou os juros em quase 20% na esteira do segundo choque do petróleo. Sua ação desencadeou a profunda crise da dívida na América Latina.
“Isso [choque de juros] pode ocorrer, porque na América Latina as taxas de juros estão mais ou menos em linha com a inflação”, diz Hausmann. “Já nos EUA, a inflação está em 8,3%, e o juro na faixa de 0,75%-1%, e esperam levá-la para 2,7% até o fim do ano, é uma diferença muito grande, que não se via desde 1975.”
“Os EUA provavelmente terão que subir muito mais os juros do que estavam planejando e muito mais rápido. E sempre que faz isso pode gerar problemas, desestabiliza os mercados de capitais. Isso está gerando muita volatilidade e pode complicar a vida para a América Latina, mas a região está em posição macroeconômica muito mais cômoda do que os EUA”, acrescentou.
Para ele, os EUA têm muito trabalho que fazer ainda para “esfriar” a economia, enquanto a América Latina começou muito antes o seu aperto monetário. “Sempre se pode cometer erros, mas a situação não é tão grave [na região] como outras crises que vimos no passado”, avaliou.
A região é mais resiliente hoje, segundo ele, com câmbio flutuante, meta de inflação, antecipação à aceleração inflacionária, reservas internacionais e acesso a linhas de crédito do Fundo Monetário Internacional (FMI) se for necessário.
“Temos [na região] uma arquitetura bastante robusta para fazer frente a possíveis instabilidades”, acrescentou Hausmann. “Mas, insisto, é muito importante que administrem bem as coisas. Temos países que estão fazendo isso muito mal, como a Argentina e a Venezuela. O Chile, em 2021, teve uma política fiscal absurda, mas o Banco Central chileno está tomando controle da situação e creio que a coisa vai pelo bom caminho.”
O professor nota que a Europa, por sua vez, está ainda mais atrasada que os EUA na normalização da política monetária. A taxa de juro está negativa em 0,5 ponto, enquanto a inflação subiu para 7,4% em abril. Joachim Nadel, presidente do Bundesbank (o BC alemão), defendeu no fim de semana que o Banco Central Europeu faça a primeira alta de juros em julho talvez de 0,50 ponto, mais que o 0,25 ponto inicialmente esperado por economistas. Duas altas adicionais são esperadas até o fim do ano.
Fonte: Valor Econômico