Por Steve Johnson — Financial Times
14/02/2023 05h01 Atualizado há 4 horas
Operadores com acesso a informações privilegiadas usaram fundos de índice (os ETFs) para ocultar transações equivalentes a bilhões de dólares, de acordo com uma equipe de pesquisadores acadêmicos para quem essa constatação pode ser apenas a “ponta do iceberg”.
Sua análise sugere que operações anômalas no valor de pelo menos US$ 2,75 bilhões foram feitas com ETFs negociados em bolsas de valores nos Estados Unidos antes de anúncios de fusões e aquisições entre 2009 e 2021.
“Nossas descobertas sugerem que as operações baseadas em informações privilegiadas são mais difundidas do que as formas meramente ‘diretas’ que têm sido o foco de pesquisas e regulamentação até o momento”, disseram os acadêmicos, que são de instituições da Suécia e da Austrália, em seu ensaio sobre uso de ETFs para ocultar a prática de “insider trading”.
Usualmente, fraudadores com informações privilegiadas sobre uma oferta de uma empresa são apanhados porque compraram ações da empresa-alvo ou combinaram com cúmplices para que o fizessem.
Mas o aumento da fiscalização por parte das agências reguladoras pode ter levado alguns indivíduos com informações privilegiadas a comprarem ações ou opções de uma empresa vinculada economicamente – em geral uma equivalente do mesmo setor -, que pode ter a expectativa de ver seus preços subirem quando uma oferta pela rival se tornar pública.
Se existe ilegalidade nesse tipo de “negociação paralela” ainda está para ser decidido, já que o julgamento do primeiro processo sobre isso nos Estados Unidos segue nos tribunais. Trata-se de um caso que envolve a negociação de opções ligadas à Incyte, uma empresa farmacêutica, em 2016.
O ensaio recém-publicado argumenta que alguns indivíduos de posse de informações confidenciais concretas sobre fusões e aquisições deram um passo além e, em vez de ações ou opções, negociaram com ETFs, normalmente de um fundo setorial pertinente à empresa-alvo. Talis J Putnin, um dos autores do ensaio, disse que isso tem várias vantagens. Uma é que é provável que o ETF inclua a própria empresa-alvo – e isso praticamente lhe garante uma alta de preço quando a transação se tornar pública -, assim como uma ampla gama de empresas equivalentes do setor, o que reduz o risco idiossincrático.
“É possível ter uma exposição direta ao preço das ações da empresa por meio do ETF, mas em um veículo que é mais sutil do que negociar as ações da empresa diretamente, o que ajuda a reduzir o escrutínio das autoridades”, argumenta o ensaio.
Uma segunda vantagem é que “o ETF pode ter mais liquidez” do que as ações subjacentes. “Os que usam informações privilegiadas querem esconder o que fazem e podem consegui-lo com ETFs líquidos”, argumentou Putnin.
Mais uma vez, não está claro se tal atividade é ilegal. “No momento isso está em uma zona cinzenta, da qual só sairá quando um precedente for estabelecido pelos tribunais”, explicou ele.
Mesmo assim, Putnin e seus colegas verificaram aumentos substanciais, do ponto de vista estatístico, no volume de negociações de ETFs nos cinco dias anteriores ao anúncio de ofertas de aquisição em 3% a 6% dos casos entre 2009 e 2021. A análise foi limitada a ofertas na área de fusões e aquisições que não foram precedidas por boatos públicos, para evitar casos em que as operações se intensificaram por causa do vazamento de informações, e foi ajustada para levar em conta a probabilidade estatística de que alguns ETFs tivessem volume anormal de negociações antes de notícias que afetassem os preços puramente por acaso.
O volume total do que os pesquisadores consideraram como negociações paralelas alcançou US$ 2,75 bilhões, concentrados principalmente em setores como de serviços de saúde, tecnologia e industrial.
Entre os ETFs mais usados por operadores com acesso a informações privilegiadas, segundo os pesquisadores, estavam o iShares Expanded Tech-Software Sector ETF (IGV), o Vanguard Industrials ETF (VIS) e o Vanguard Health Care ETF (VHT).
Peter Sleep, gerente sênior de carteira da 7IM, observou que são ETFs de capitalização de mercado modificados, nos quais as ações menores, de média capitalização e com maior probabilidade de serem alvo de aquisição, têm peso maior do que num ETF de capitalização de mercado tradicional.
O ensaio verificou um aumento nas negociações anômalas entre a primeira parte do período, de 2009 a 2013, e a seguinte, de 2014 a 2019. Os autores atribuíram a diferença à “popularidade e à liquidez crescente dos ETFs como um veículo de investimento, o que torna o uso dos ETFs para negociações paralelas mais atraente”.
No entanto, eles encontraram poucas evidências de tal atividade nos dois últimos anos do período estudado, 2020 e 2021. Os pesquisadores sugeriram duas explicações possíveis para isso. Uma visão otimista é de que essa atividade pode ter sido desencorajada pelo aumento da fiscalização regulatória sobre operações baseadas em informações privilegiadas e sobre negociações paralelas, provocado pelo caso Incyte e pela aprovação nos EUA, em 2021, da lei que proíbe o uso de informações privilegiadas em negociações.
A outra possibilidade, porém, pode ser simplesmente a de que o forte aumento nas operações com ETFs a partir de 2020 signifique que um volume fixo de negociações paralelas não é mais registrado como significativo estatisticamente.
“Se os ETFs são muito líquidos e negociados em grande volume, as operações paralelas ficam mais difíceis de detectar por meio de medidas de verificação de negociações anormais”, acrescentou o ensaio.
Putnin acreditava que a fiscalização futura do mercado de opções – que permite maior alavancagem – poderia oferece evidências ainda mais sólidas de negociações paralelas com ETFs. Algumas de suas pesquisas anteriores cobriram a atividade de negociação com base em informações privilegiadas no mercado de opções.
“O ensaio aumenta nossa compreensão de que as negociações paralelas acontecem com ETFs e são algo que as agências reguladoras precisam levar em conta, principalmente à luz do volume maior de negociação de opções nos EUA”, disse Sleep.
Fonte: Valor Econômico