O Ibovespa já acumula alta de 20% em 2025 e encosta nos 150 mil pontos, um recorde histórico. Pelo menos nominalmente. Quando o assunto é avaliação, porém, o ângulo muda: Apesar de o diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos manter o real como uma moeda atrativa, o investidor estrangeiro reduziu sua exposição à divisa no mês de outubro, o que resultou em um aumento na aposta a favor da valorização do dólar. A posição líquida a favor da moeda americana cresceu em torno de US$ 13 bilhões no mês passado, de acordo com dados das operações nos mercados de derivativos da B3 fornecidos ao Valor por diferentes players do mercado.
O recente aumento nas preocupações fiscais no Brasil, junto a um pico no sentimento de aversão ao risco devido ao aumento das tensões entre China e EUA, levou a uma forte correção na relação dólar-real, aponta, em relatório, a equipe de estratégia de câmbio para América Latina do HSBC, comandada por Joseph Incalcaterra, ao avaliar a piora observada no mercado de câmbio brasileiro em outubro. “Isso coincidiu com um aumento acentuado nas posições compradas em dólar por investidores estrangeiros”, afirmaram os estrategistas.
Ao longo do ano, o investidor estrangeiro reduziu suas apostas contrárias ao real (posição comprada em dólar), conforme mostram os dados que englobam os mercados de dólar futuro, dólar mini, swap e cupom cambial (DDI). Se, no começo do ano, a posição comprada em dólar estava em torno de US$ 77,6 bilhões, na primeira semana de outubro caiu para o menor nível em mais de dois anos, a US$ 37,7 bilhões. Desde então, porém, a posição tem crescido, batendo o patamar de US$ 51,4 bilhões no fim da sessão da última quinta-feira.
O que causa estranheza nos operadores é como esse aumento de posições visto em outubro não tem se refletido no nível da taxa de câmbio, dado que, no acumulado de outubro, o dólar teve valorização tímida frente ao real, de 1,08% . “É interessante o fato de que houve aumento significativo na posição comprada em dólares pelo estrangeiro, houve pouca alteração na posição vendida pelo investidor local, o fluxo real continuou negativo, e não vimos isso se refletir na mesma magnitude no câmbio”, diz o gestor Eduardo Cotrim, da JGP.
Uma explicação, segundo Cotrim, seria um ajuste na posição comprada em dólar pelos estrangeiros, mas fazendo Total Return Swap (TRS) com os bancos. O TRS é uma forma de obter o rendimento de um ativo, sem necessariamente se expor a ele. É um derivativo financeiro em que uma das partes paga à outra o retorno econômico de um ativo em troca de um pagamento.
Nesse caso, o estrangeiro poderia estar reduzindo a exposição ao dólar no Brasil, mas utilizando os bancos brasileiros no exterior para ter o rendimento total da posição. Como o banco faz a operação de fora do país, poderia estar comprando dólares no mercado futuro, o que é computado como um investidor estrangeiro aumentando a exposição ao dólar na B3.
E, como o banco não pode ter uma posição direcional no câmbio nesse caso, ele reduziria no Brasil sua exposição em dólar no mercado futuro para compensar o aumento da exposição no exterior, o que também explica a menor posição dos bancos neste mês, segundo os dados da B3. Se, no começo do mês, essa posição comprada em dólar estava em torno de US$ 69 bilhões, agora ela está em US$ 54 bilhões.
“O problema é que, se isso estivesse ocorrendo, o fluxo financeiro deveria estar mais positivo no mês para fechar essa conta”, nota Cotrim, ao afirmar que, para montar a posição, seria necessário o envio de recursos dos bancos ao Brasil. “Essa peça do quebra-cabeça está faltando. Mas pode ser que os bancos também possam ter feito algum swap com empresas, por exemplo”, diz.
Outra leitura levantada no mercado é a de que talvez o fluxo financeiro pudesse estar ainda mais negativo se não houvesse o uso do TRS. Os dados mais recentes do Banco Central, até dia 24 de outubro, mostram saída de US$ 4,13 bilhões no fluxo financeiro no mês passado.
Traders lembram, também, que os dados incluem posições em “hedge cambial” de estrangeiros que entram na bolsa, não refletindo bem a posição direcional. Além disso, os números mostram apenas as negociações nos mercados de derivativos da B3, não incluindo informações do exterior. “Mesmo que as posições líquidas [dos dados da B3] estejam compradas em dólares, acreditamos que, no geral, os investidores estrangeiros estão comprados em ativos denominados em real”, dizem os estrategistas do HSBC.
Mesmo que tenha ocorrido esse aumento na posição em dólar, o profissional de câmbio de um grande banco estrangeiro diz, em condição de anonimato, que o interesse pelo real por conta do diferencial de juros ainda “está vivo” no exterior. O executivo afirma ter encontrado investidores europeus e americanos nas últimas semanas, e o real continua sendo o “top pick” (a principal escolha) na estratégia de “carry-trade”, de tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outra moeda, com taxas maiores.
“Não há algo novo que justifique sair de posições na moeda do Brasil neste momento. O consenso é de que as eleições ainda não são o principal guia dos negócios porque estão muito longe, e ficar contrário ao real é caro [devido ao nívele elevado dos juros]”, afirma. “O que ouvi foi que ou o investidor de fora está com posições em real ou diminuiu por questões de receio de sazonalidade negativa de fluxo e posicionamento excessivo [a favor do real]. E quem saiu da posição no começo do mês mostrou interesse em já voltar.”
Na mesma linha, o diretor de tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, diz que os juros elevados encarecem a posição contra o real, ao mesmo tempo em que a moeda brasileira tem rendimento atraente. “A verdade é que o ‘carry’ da moeda brasileira, ponderado pela volatilidade, é campeão mundial em termos de retorno. Melhor do que todos os pares emergentes”, enfatiza o executivo.
“É esse diferencial de juros que não deixa nossa moeda desvalorizar muito, mas é claro que, com a sazonalidade ruim, o investidor pode calibrar melhor a estratégia”, afirma Weigt.
Cotrim, da JGP, afirma que, na última reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre os investidores havia o consenso de que o momento é para olhar moedas emergentes, em especial as de juros altos. “Por mais que os fundamentos da moeda tenham se deteriorado ao longo do ano, o enorme carrego não deixa nossa moeda depreciar muito por conta do ‘carry-trade’. Mas é um fluxo de derivativo. Não vemos o dólar de verdade entrar no Brasil.”
Fonte: Valor Econômico

